Pensar Estóico no
Mundo Atual: talvez um modelo de condutaAbraham B. Sicsu
É moda. É só entrar numa boa livraria e se encontra um número significativo de obras sobre o tema. Estoicismo parece ser norte para muitos, perplexos que estão com uma atualidade muito conturbada.
Li recentemente dois livros sobre o tema. “Sêneca e o Estoicismo” de
Paul Veyne e “A vida dos Estóicos” de Ryan Holiday e Stephen Hanselman.
Confesso não ser um leitor aprofundado na literatura filosófica, mas, acredito,
ter tirado algumas lições que me permitem tentar compreender, superficialmente
claro, um mundo de profundas transformações.
Um mundo em que o auto-centrado e o
compulsivo desejo frenético de dominação permitem que surjam, ou ressurjam,
modelos, em diferentes instâncias, que se assentam em interesses particulares e
ignoram plenamente a noção de humanidade. Mundo que dá oportunidades a
desvarios que marcam nossos dias.
Não me refiro às mudanças tecnológicas,
falo das mudanças de poder, de busca dos poderosos, em que o mundo que se dizia
“globalizado”, pelo menos tinha uma perspectiva integrativa, volta a se
configurar como o dos grandes impérios de opressão.
As Américas são minhas, diz o senhor fanfarrão
do Norte; a antiga União Soviética me pertence, fala o lunático que chefiou a
KGB; dominarei boa parte da Ásia e da África, nos conta o impassível Xi. O
mundo dividido em três impérios, ninguém ponha o bedelho no “reinado” dos
outros.
Se reduzirmos o foco para o país em que
vivemos, país que se constituiu politicamente com um modelo triparte de poder,
executivo, legislativo e judiciário, com atribuições claras e delimitadas, a
luta é uma carnificina.
Cada qual tentando entrar na esfera do
outro, dominar maior parcela do orçamento é sinal de força, o que é
constitucional depende de a quem interessa.
Levando a uma confusão de papeis jamais
vista, destruindo a lógica de funcionamento do sistema na ambição de mais
poder, principalmente econômico. A sociedade é ignorada e a ambição é o único
motor de um modelo corroído em que os princípios éticos e morais são
esquecidos.
Ao nível do indivíduo não é menos perturbador.
O individualismo impera. Cada um por si. Milhões passando fome, pobreza e
repressão aos migrantes que buscam sobrevivência, buscam condições mínimas de
existência. A empatia desaparece. Ignora-se o próximo, privilegia-se o proveito
próprio. Como dito, mundo do ser auto-centrado, a dor dos excluídos totalmente
ignorada.
Nesse ambiente, mundial, nacional,
individual, pessoas de boa índole se indignam, procuram se organizar e reagir.
Ainda bem que há quem se preocupe. Mas, nada que tenha real significado.
Fazem “lives”, manifestos e ainda
acreditam que as massas se mobilizarão para enfrentar esse turbilhão. Muito no
voluntarismo, sem lógica estruturante. Tudo muito desorganizado, tudo muito
fragmentado. Sem foco claro, sem objetivo comum. Sem impacto algum.
Tendo em mente o ambiente em que nos
movimentamos, voltemos aos estóicos e aos seus ensinamentos.
Estoicismo procura ensinar a enfrentar
adversidades. Um mundo confuso em que não nos encontramos, precisamos de um
apoio para dar um norte. Nessa interpretação não usual, um pouco estapafúrdia
de algo bem mais profundo, talvez, precisaremos criar premissas para nos
posicionarmos e agirmos.
Para os estóicos, o objetivo principal
da vida é a busca da felicidade por um caminho em que o autoconhecimento, a
razão e a virtude ensinam a direção. Um mundo em que há aspectos que podemos e
devemos controlar como os pensamentos e as ações próprias, e aspectos que temos
que aceitar, fogem ao nosso controle, eventos externos que os desígnios do
universo nos colocam à frente.
O fundamental é ter um foco, aceitando a
ordem racional do cosmos, viver de acordo com a razão, em harmonia com a
natureza. A busca da tranqüilidade mental deve ter na serenidade e no evitar
das reações negativas a postura que leva à satisfação com o que somos.
Eles, os estóicos, apresentam quatro
qualidades fundamentais para o bem viver, para poder enfrentar um mundo cheio
de contradições, muitas vezes ilógico no pensar do humano comum. Mundo que foge
á racionalidade humana, que pode não refletir a lógica cartesiana comum em
nossa época.
Fundamental ter Coragem,
não ignorar as situações, não fugir de enfrentar o que nos é posto como dado.
Se o mundo nos apresenta situações fora do nosso controle, pouco adianta
ignorá-las, importante procurar meios e associações com quem nos
identifiquemos, os quais nos possam ajudar a tentar modificar o que nos é
adverso. Ter uma postura firme contra as situações adversas faz-se necessário.
Ensinam, também, que em
todas as circunstâncias da vida, temos que agir com Justiça. Não podemos
desvirtuar as ações para beneficiar posições que parecem que podem nos
favorecer. Ética e valores não podem ser desprezados. Ser parcial pode nos
tornar abjetos, para nós mesmos.
Temperança é fundamental. Não se podem radicalizar
as visões das coisas e do mundo fugindo da razão. Moderação é fundamental para
o bem viver em sociedade e o encontrar com nossos ideais. Antes de agir,
fundamental refletir.
Por fim, muito importante,
tem que se ter Conhecimento. Não se enfrenta as situações da vida no
escuro da ignorância.
Em qualquer situação, em
qualquer adversidade que nos surgir, é básico estudarmos a questão à luz dos
fatos concretos, das ocorrências pregressas, dos impactos possíveis.
Nunca entrar numa disputa
sem ter um mínimo de compreensão do que se enfrenta e como poderemos ser
atingidos. Ou seja, ter clareza daquilo que está sob nosso controle e, também,
do que virá por determinação externa, sem nossa interferência, o que teremos
que aceitar e enfrentar.
Com essas quatro qualidades
se pode ter controle emocional e buscar atingir a tranqüilidade na vida.
Sêneca, talvez o mais
influente dos filósofos dessa escola, mostra que ética e virtude levam a uma
vida feliz que só pode ser atingida com uma harmonia com a natureza e com a
aceitação do destino. Esse é o caminho para a sabedoria.
Por que faço essas
observações? Em que pode ajudar o rever os ensinamentos de uma escola
filosófica que nasce na Grécia e se firma em Roma, muitos séculos passados?
Se o objetivo for reverter
a destruição que tem sido causada com a ambição de poder descomensurada, em
todos os níveis, se acreditamos que ainda podemos mover a sociedade para uma
luta em que o bem pode vencer o mal, se queremos um futuro mais sadio, só vejo
uma bandeira possível de agregar efetivamente a sociedade e fazer um
engajamento concreto: o homem retomar a Harmonia com a Natureza como farol para
a humanidade, lição que eles nos deram faz tanto tempo e ainda não aprendemos.
Não na visão radical de muitos
dos movimentos ecologistas atuais que praticamente alijam o humano de seu
modelo em prol de uma concepção preservacionista em que a natureza deve se
manter imutável e exclui o ser humano e suas necessidades, causadoras de todos
os desastres.
Mas, com temperança, em que
se busque como bandeira um mundo em que a felicidade de viver esteja fortemente
atrelada à preservação do ambiente e respeito pelas outras vidas que conosco
convivem neste planeta, claro, mas não limitar-se a isso. Exige, também, empatia
e ver nossos semelhantes como iguais, não nos julgando superiores a eles,
dando-lhes condições efetivas de uma vida feliz.
Um mundo que não seja
direcionado pelo desejo de poder doentio, um mundo que seja orientado pelas
quatro qualidades básicas: Coragem, Justiça, Temperança e Conhecimento.
Um mundo sábio. Em que os interesses coletivos voltem a ser orientadores e não
apenas o poder em si. Em que se deseje ajudar ao próximo como razão de vida.
Enfrentar os desvarios de
quem é obcecado pelo poder não pode ser apenas um movimento voluntarista, tem
que ter objetivo claro e sensibilizar efetivamente as comunidades em grande
parte, focando nas massas populacionais que buscam dignidade e foram muitas
vezes esquecidas.
Uma busca por um mundo que
temos que preservar com respeito à dignidade humana como meta, que tem na
sobrevivência da nossa e das próximas gerações em harmonia com a natureza sua
razão de ser, que deve respeitar os limites do ambiente natural que não podem
ser ignorados.
[Ilustração: Raul Córdula]
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