21 novembro 2025

China mais do que EUA

O Economist não precisa se 'surpreender' com pesquisa relacionada à China
Global Times 

Uma pesquisa global recente, divulgada pela The Economist, sobre a percepção da China e dos EUA causou grande impacto no Ocidente. A pesquisa, que entrevistou 32 mil pessoas em 32 países, perguntou aos entrevistados como eles percebem a China e os EUA. Os resultados mostram que, em comparação com o ano passado, a China ganhou terreno significativo como a "potência líder" preferida do mundo, e a porcentagem de entrevistados que demonstram preferência pela China aumentou 11 pontos percentuais. A preferência pela China como potência líder mundial cresceu em todos os locais pesquisados. A The Economist afirmou: "Talvez o mais surpreendente seja que isso inclui os Estados Unidos". A pesquisa também revelou um padrão claro: quanto mais jovem o entrevistado, maior a probabilidade de ele acolher a liderança chinesa. Embora os dados da pesquisa sejam rigorosamente quantitativos, eles refletem o reconhecimento global das conquistas da China em termos de desenvolvimento, capacidade de governança, abertura e abordagem cooperativa. 

Outras pesquisas corroboram essas descobertas. Por exemplo, uma pesquisa da Morning Consult em 41 países mostrou que, no final de maio, a China tinha uma avaliação líquida de favorabilidade global de +8,8, em comparação com -1,5 para os EUA. No início deste ano, o Global Times Institute pesquisou 46 países e descobriu que quase 60% dos entrevistados estrangeiros têm uma impressão geral positiva do povo chinês, enquanto 36% têm uma atitude neutra. Além disso, os jovens demonstram maior interesse, melhor impressão, maior paixão e maior aprovação da China. Em conjunto, essas pesquisas retratam uma ascensão clara e constante da imagem e influência global da China.

Duas grandes tendências se destacam nas pesquisas globais. Primeiro, os países do Sul Global tendem a ter visões mais favoráveis ​​da China. Segundo, as gerações mais jovens demonstram consistentemente níveis mais altos de afinidade com a China. Por trás dessas tendências está o fornecimento contínuo de bens públicos globais pela China – exemplificado pela Iniciativa Cinturão e Rota e pelas quatro principais iniciativas globais – que estão proporcionando oportunidades tangíveis de desenvolvimento para cada país. Projetos emblemáticos como a Ferrovia China-Laos, a Ferrovia de Alta Velocidade Jacarta-Bandung, a Ferrovia Hungria-Sérvia e o Porto de Pireu criaram 420.000 empregos em países parceiros e ajudaram a tirar quase 40 milhões de pessoas da pobreza, tornando-se poderosos motores para a conectividade global e o desenvolvimento compartilhado. O fato de
os jovens atribuírem notas mais altas à China sugere que a trajetória positiva da imagem global do país é sustentável. À medida que a geração jovem se torna gradualmente a principal força da sociedade, ela se aproxima da "Cool China" – seu caminho de desenvolvimento, inovação tecnológica e apelo cultural – com maior abertura e entusiasmo.

De Labubu e TikTok a Black Myth: Wukong e outras tendências, o "Chique Chinês" está desfrutando de enorme popularidade no exterior. Cada vez mais estrangeiros visitam a China "assim que surge a ideia", e esse entusiasmo mútuo está lançando uma base social mais sólida para uma interação saudável entre a China e o resto do mundo.

Em um momento em que o sistema de governança global enfrenta múltiplos desafios, o rápido crescimento econômico e a estabilidade social de longo prazo da China injetaram segurança no mundo. A capacidade de planejamento de longo prazo da China e a vantagem sistêmica de reunir recursos nacionais para grandes tarefas contrastam fortemente com as operações políticas fragmentadas e de curto prazo observadas em alguns países ocidentais. A governança eficaz da China tem conquistado crescente reconhecimento da comunidade internacional, especialmente entre as nações em desenvolvimento. O caminho da modernização chinesa rompe com o mito de que "modernização é igual a ocidentalização", provando que um país pode se basear em sua própria herança civilizacional e condições nacionais para explorar um caminho de desenvolvimento que lhe seja adequado, oferecendo novas possibilidades para muitos países em desenvolvimento.

Ao contrário da ascensão de algumas grandes potências na história, que veio acompanhada de guerras e expansão, a China sempre aderiu ao princípio do desenvolvimento pacífico, uma abordagem ainda mais significativa hoje em dia, em meio às complexas mudanças globais. A China participa ativamente das missões de paz da ONU, promove soluções políticas para os pontos críticos e facilita o diálogo entre as partes em conflitos regionais. 

Por meio dessas ações concretas, o mundo vê que a China é, de fato, uma força estabilizadora em tempos turbulentos. Internacionalmente, a China sempre defende a igualdade, o benefício mútuo e a cooperação ganha-ganha, opondo-se ao hegemonismo e à política de poder. 

Em suas relações com os países desenvolvidos, a China defende o respeito mútuo e a cooperação mutuamente benéfica; em seu engajamento com os países em desenvolvimento, a China insiste em não impor condições políticas e em não interferir em assuntos internos, o que é particularmente bem recebido e amplamente elogiado. Essa abordagem permitiu que mais nações se sentissem respeitadas e tratadas como iguais, e muitas, especialmente aquelas no Sul Global, veem a China como um parceiro confiável.

É claro que também estamos plenamente cientes de que algumas pessoas no exterior ainda veem a China com lentes distorcidas, fazendo acusações infundadas ou difamações maliciosas contra o país. Talvez essa seja uma das razões pelas quais a revista The Economist expressa tanta "surpresa". Mas, como mostram as pesquisas, os povos do mundo enxergam as coisas com clareza. O desenvolvimento estável da China, seu compromisso consistente com a diplomacia pacífica e a cooperação mutuamente benéfica estão conquistando, e continuarão a conquistar, um apoio cada vez maior de países e povos.

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Leia também: "China: quando planejar é governar" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/11/china-politica-no-posto-de-comando.html

Palavra de Chico Buarque

Não esquece quem te amou/E em tua densa mata/Se perdeu e se encontrou.” 

(Chico Buarque) 

Leia: “Livros como a roupa do corpo” https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/minha-opiniao_35.html 

20 novembro 2025

Palavra de poeta

Manto

Márcia Frigg  

Antes de sussurrar
meu nome
e navegar estas ilhas
– êxodo das minhas águas –
colhe da chuva
a delicadeza dos pingos
para que eu deseje
buscar afluentes
nos teus braços
desaguar-me como fonte
reconstruir minhas
águas íntimas
peço que me aceites
como manto
sobre o rio do teu sono
e recebas meu corpo
como concha do teu
Se nos estranharmos
à luz desses mistérios
sossega!
Ainda somos véspera!

[Ilustração: Pino Daeni]

Leia também um poema de Pablo Neruda https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/palavra-de-poeta-pablo-neruda.html

Laboratório da barbárie

A situação atual nos territórios palestinos
Enquanto o genocídio transforma Gaza em laboratório da barbárie, o Brasil seus limites entre a retórica progressista e a ação concreta
ARLENE CLEMESHA*/A Terra é Redonda  

1.

Uma breve caracterização da situação vivida nos territórios palestinos ocupados passa pelo reconhecimento de que estamos face ao rápido desenrolar de um processo histórico instaurado há muito tempo, de um estado colonialista que consolida a sua ocupação e expande as suas fronteiras às custas do povo autóctone.

A ocupação, o apartheid e a limpeza étnica acarretaram um genocídio que se estende há dois anos, perpetrado por Israel, com a colaboração dos EUA e seus aliados, e a cumplicidade de todos os estados que continuaram a apoiar Israel militar, econômica e diplomaticamente, enquanto este comete os crimes mais atrozes, visíveis e conhecidos por todo o mundo através do jornalismo cidadão e demais meios de comunicação.

Desde o fracasso do processo de Oslo (2000), a Faixa de Gaza tem sido vista e tratada como uma exceção, como um pequeno território à margem do que restou da Palestina. Na realidade, a Faixa de Gaza é o laboratório e o modelo indicando os rumos impostos à Palestina pela política israelense. O vergonhoso “Plano de 20 Pontos” para Gaza apresentado por Donald Trump juntamente com um cessar-fogo violado diariamente por Israel, conta, a partir de agora, com o aval do Conselho de Segurança da ONU, recriando antigas fórmulas mandatárias para chancelar o colonialismo e fomentar divisões na população local, completamente excluída de qualquer agência política.

Além disso, como afirmou Richard Falk, “a experiência de Gaza, para além da sua concretude indescritível, o seu caráter prolongado, e criminalidade multidimensional, também pode ser interpretada como uma metáfora da exposição dos povos vulneráveis em todo o mundo às características sistêmicas perigosas e autodestrutivas da ordem mundial do século XXI” (Richard Falk in: Genocide in Gaza, p. 40).

O fracasso em proporcionar segurança e um futuro ao povo palestino pode indicar que estamos à beira de uma nova era, na qual a eliminação de populações vulneráveis em países inimigos se torna uma conduta normalizada e um meio pelo qual nações predatórias lidam com a sua própria crise capitalista e ganância por novas terras, enriquecimento, exploração de recursos naturais e os arranjos geopolíticos que se seguem.

2.

Como indicado em 2008 pelo falecido autor uruguaio Eduardo Galeano, devemos perguntar-nos: “Quem deu a Israel o direito de negar todos os direitos?”. A isso acrescentamos a questão mais premente dos últimos dois anos: quem irá parar Israel e pressioná-lo a uma posição em que, pela primeira vez na sua curta história, comece a cumprir o Direito Internacional?.[1]

Não há dúvida de que Israel está mais isolado do que nunca e que a indignação popular na Europa, nos EUA e ao redor do mundo contra o genocídio foram decisivas para pressionar os EUA a lhe impor o atual “cessar-fogo”. Mas mesmo as ações empreendidas pelos países europeus para reconhecer a Palestina e sancionar alguns colonos, tiveram a natureza de «condenar pequenas partes para isentar o todo», como corretamente afirmou a Relatora Especial, Francesca Albanese, no seu último relatório.

A participação e as responsabilidades de tantos Estados europeus e aliados neste genocídio não precisam ser repetidas. Foram exaustivamente investigadas pelo Tribunal de Gaza, pela Relatora Especial e apontadas de forma exaustiva por intelectuais palestinianos independentes.

O que precisamos na nossa região é investigar as ações dos Estados que não foram mencionados no referido relatório, que não são considerados parceiros no genocídio israelense do povo palestino, mas que também não cumpriram totalmente a sua obrigação jurídica internacional de não reconhecer ou apoiar as violações israelenses de normas peremptórias. Estes são principalmente os integrantes do Sul Global, um grupo absolutamente não homogéneo de países cujo principal aspecto é o seu potencial caráter contra-hegemônico.

Em primeiro lugar, desde muito cedo, a maioria destes países reconheceu que o que está acontecendo em Gaza é um genocídio. Importante que agora reconheçam que o genocídio ainda está em curso não obstante o cessar fogo que há um mês diminuiu a letalidade dos bombardeios, na medida em que a Faixa de Gaza foi transformada em um território devastado, poluído, improdutivo, impróprio à vida humana, e dependente de uma ajuda humanitária que Israel não deixa ingressar nas quantidades minimamente necessárias para prevenir mortes por desnutrição, fome e doenças).

Na América Latina (assim como na Europa e nos EUA), a sociedade civil fez enormes avanços em termos de reconhecimento e condenação da ocupação, do apartheid e do genocídio israelenses. Mas ainda há amplos setores que o contestam. Existem abismos importantes entre o governo e a opinião pública, mas eles nem sempre atuam da mesma forma, e frequentemente falamos de países divididos e opinião pública polarizada.

3.

No Brasil, 26,9% da população é cristã evangélica, em grande parte neopentecostal, e tende a apoiar o sionismo, e aproximadamente 20% da população apoia partidos de extrema direita que são também pró-sionistas (esses segmentos se sobrepõem, uma vez que os pregadores neopentecostais sionistas mais militantes também são fortes apoiadores da extrema direita no Brasil).

No Brasil, as elites que controlam grandes corporações, a mídia, e fundações de diversos tipos, podem reconhecer o genocídio, mas não mudaram suas condutas de forma fundamental e continuam a apoiar Israel.

Isso significa que, embora tenha havido a maior mudança de opinião pública global de todos os tempos pressionando por mudanças, para que os países latino-americanos mais progressistas exerçam pressão, eles ainda precisam enfrentar o que muitas vezes são órgãos legislativos conservadores, elites conservadoras e grandes grupos de eleitores de extrema direita e/ou evangélicos e membros da sociedade civil. Mesmo para que governos progressistas ajam, eles precisam tanto de apoio quanto de pressão, ou seja, agir em conjunto com a sociedade civil organizada.

No Brasil, a sociedade civil e o governo implementaram medidas que foram além daquelas adotadas pelos países europeus, mas que claramente não são suficientes – não apenas do ponto de vista moral, mas também do ponto de vista do direito internacional e das obrigações erga omnes dos Estados terceiros.

No que diz respeito à sociedade civil: Além de entrevistas e artigos, incluindo artigos coletivos na imprensa tradicional, por professores da USP e demais universidades, cartas ao presidente Lula pedindo boicotes, e diferentes iniciativas destinadas a exigir a mobilização do governo, algumas das principais ações implementadas diretamente pela sociedade civil brasileira foram:

(i) uma nova Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos do Povo Palestino, bastante ativa na capital Brasília – reunindo-se com autoridades e organizando sessões em diferentes comissões parlamentares; (ii) algumas universidades e faculdades brasileiras cortaram laços com instituições educacionais israelenses: Unicamp, Unesp, UFF, UFC e FFLCH/USP; e as disputas continuam; (iii) a USP cancelou uma Feira Internacional que receberia Israel, sob pressão da academia; (iv) Comitês de Solidariedade à Palestina que já existiam foram reativados e vários outros foram criados, e uma Rede Universitária de Solidariedade ao Povo Palestino foi criada.

(v) O Centro de Estudos Palestinos CEPal-FFLCH/USP foi criado na Universidade de São Paulo, em 2024, com um conselho formado por representantes de todos os 11 departamentos de ciências humanas e vários projetos académicos em andamento com alcance nacional e internacional. O CEPal também lançou e divulgou amplamente uma declaração pública contra a “definição prática de antissemitismo” da IHRA; (vi) o primeiro grupo judeu antissionista (VJL) foi formado em outubro de 2023 e constitui hoje uma referência importante para o trabalho de educação e desconstrução da ideologia sionista.

(vi) Finalmente, processos criminais foram apresentados por advogados brasileiros em tribunais locais contra soldados israelenses que vieram ao Brasil para férias, mas esses processos fracassaram até agora. Apesar de o Brasil ser signatário das Convenções de Genebra, o princípio da jurisdição universal não foi estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro e a Polícia Federal brasileira não se dispôs a investigar indivíduos por crimes cometidos fora do país.

4.

Em relação ao ativismo de base, brasileiros participaram na coordenação e nas ações diretas da Flotilha, as manifestações têm sido regulares e contínuas (com pelo menos duas grandes manifestações em São Paulo e outras capitais estaduais), e estudantes de diferentes campi realizaram acampamentos (embora menores do que os dos EUA), para não mencionar os vários movimentos interseccionais anti racistas, dos trabalhadores rurais sem-terra, do movimento dos trabalhadores sem teto, em solidariedade e defesa da causa palestina.

No nível governamental, decisões importantes foram tomadas em um estágio inicial, mas levaram vários meses, às vezes mais de um ano, para serem implementadas: (a) Em 2024, o Brasil suspendeu a compra de 36 obuseiros Elbit; (b) Em janeiro de 2024, o Brasil declarou apoio ao caso da África do Sul na CIJ e aderiu ao caso em setembro de 2025; (c) O Brasil rebaixou suas relações diplomáticas com Israel em 2024; (d) O Brasil deixou a IHRA em julho de 2025 (onde era um membro observador).

Outros países da América do Sul e Central, nomeadamente a Bolívia, a Colômbia e Belize, romperam completamente as suas relações diplomáticas com Israel, enquanto o Chile, as Honduras e o Equador chamaram de volta os seus embaixadores para consultas em momentos diferentes. A Colômbia restringiu e, pouco depois, cancelou completamente todas as vendas de carvão a Israel.[2]

No entanto, o Brasil não cumpriu outras obrigações face às violações israelenses: (i) cancelar as vendas de petróleo, conforme exigido pelos sindicatos de trabalhadores FNP e FUP (Federação Nacional e Federação Única dos Petroleiros), que representam 3,3% do consumo de petróleo bruto israelense em 2024, de acordo com o ComexStat; (ii) sair do Acordo de Livre Comércio Mercosul-Israel, apesar do fato de este acordo violar a sua própria cláusula de exclusão de assentamentos (como foi reconhecido pelo Ministério das Relações Exteriores – MRE).

(iii) Cancelar todo o comércio bilateral envolvendo artefactos tecnológicos, militares e de dupla utilização, incluindo os produzidos pela subsidiária da Elbit Systems no Brasil (ver recursos BDS); (iv) Por fim, seguindo as recomendações feitas por especialistas independentes da ONU, colaborar com as iniciativas locais para processar judicialmente os indivíduos sob sua jurisdição que estejam envolvidos em crimes no território palestino ocupado.

Finalmente, a questão é: um certo número de países latino-americanos poderia se engajar em ações concertadas, em conformidade com suas obrigações sob o Direito Internacional, tais como embargo militar, cancelamento de acordos de livre comércio e processos judiciais contra criminosos de guerra que venham à região?

A América Latina representa 33 dos cerca de 125 países considerados parte do Sul global (ou seja, aproximadamente 25%). Em janeiro de 2025, 70% desses países eram governados por partidos tidos como de centro ou centro-esquerda, com apenas nove dos 33 pertencendo ao espectro político da direita à extrema direita. Além disso, vários desses países têm se esforçado para manter uma política externa autônoma, promotora do multilateralismo, e não alinhada aos EUA.

Os países latino-americanos mais progressistas poderiam agir de forma consistente com as suas próprias declarações, para cumprir plenamente as suas obrigações de acordo com as normas do Direito Internacional e estabelecer um novo precedente e uma direção mais justa e colaborativa para a humanidade?

Podemos estar num momento crucial, como muitos prevêem, mas a natureza da nova era que se desenrola é contestada, e uma ação concertada para proteger e curar Gaza, e para exigir a autodeterminação imediata liderada pelos palestinos, pode representar a diferença necessária para garantir um futuro mais promissor. Se é verdade que o mundo chegou a um ponto de inflexão, cabe ao Sul Global agir para afirmar inequivocamente que ou o Direito Internacional – um projeto europeu em sua origem – é válido e aplicável a todos, ou poderá se desfigurar sob o peso da insustentável seletividade que a ele se lhe impõe.

*Arlene Clemesha é professora de história árabe contemporânea da Universidade de São Paulo (DLO-USP). Autora, entre outros livros, de Marxismo e judaísmo: história de uma relação difícil (Boitempo). [https://amzn.to/3GnnLwF]

Comunicação apresentada na reunião do Comitê das Nações Unidas para o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestiniano – Consultas com a Sociedade Civil, em 12 de novembro de 2025 na CEPAL/Santiago, Chile.

Notas


[1] O Parecer Consultivo do TIJ de 19 de julho de 2024 concluiu que Israel violou certas obrigações erga omnes. Em outras palavras, obrigações que são do interesse de todos os Estados proteger; e forneceu orientações inequívocas sobre as responsabilidades dos Estados e das organizações internacionais. Nomeadamente, a obrigação de proteger o direito à autodeterminação palestina e a obrigação decorrente da inadmissibilidade da aquisição de território pela força. Isto inclui não reconhecer quaisquer (i) medidas tomadas por Israel para explorar os recursos dos territórios ocupados; (ii) não celebrar acordos económicos ou comerciais com Israel relativos ao Território Palestino Ocupado ou partes dele que possam consolidar a sua presença ilegal no território; (iii) abster-se, no estabelecimento e manutenção de missões diplomáticas em Israel, de qualquer reconhecimento da sua presença ilegal no Território Palestino Ocupado; e (iv) tomar medidas para impedir relações comerciais ou de investimento que contribuam para a manutenção da situação ilegal criada por Israel no Território Palestino Ocupado.

[2] Não é nosso objetivo aqui apresentar o tão necessário estudo acerca dos embargos bilaterais até o momento impostos por países latino-americanos, ou os contratos pontuais já cancelados.

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Leia também: Genocídio: a mão oculta do sistema financeiro https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/10/capital-financeiro-no-massacre-de-gaza.html 

Seleção brasileira caminha

A força do coletivo melhora o talento individual
Alternância de posições é das grandes evoluções do futebol. Ancelotti prefere ter mais jogadores no ataque e menos no meio-campo
Tostão/Folha de S. Paulo  

No jogo de sábado (15), o Senegal tentou pressionar, marcar mais à frente e chegar ao ataque com muitos jogadores. Por isso, deixava muitos espaços na defesa para os velozes e hábeis atacantes brasileiros.

Nesta terça (18), contra a Tunísia, foi diferente. O adversário não adiantava a marcação nem ficava muito atrás, colado à grande área, o que dificultou para os rápidos e dribladores atacantes da seleção brasileira.

A Tunísia, com uma linha de cinco defensores, não deixava espaços entre eles, porém marcava pouco na intermediária, mas o Brasil não aproveitou. Faltou ao time brasileiro mais domínio de bola, mais troca de passes no meio-campo.

Com a entrada de mais um atacante rápido (Vitor Roque), diminuíram ainda mais as triangulações na intermediária. O Brasil foi um time apressado, com uma má atuação no empate por 1x1. O único destaque individual foi Estêvão.

Antes, durante e depois da vitória do Brasil sobre Senegal, o que mais escutei foi a presença de quatro atacantes na seleção. Parece até que é uma grande novidade. Mais que isso, para muitos seria uma demonstração de ousadia e de futebol bonito, ofensivo e eficiente.

Não há nenhuma novidade. É uma das formações mais frequentes nos atuais grandes times e seleções do mundo. O mais importante é ser bem executado. Não são quatro atacantes parados na frente esperando a bola. Os quatro se movimentam, recuam e iniciam a marcação por pressão para tentar recuperar a bola no campo do adversário. Isso não ocorria na seleção com os treinadores anteriores.

Podem chamar de 4-2-4, de 4-4-2, de 4-2-1-3 ou de 4-2-3-1. Não faz nenhuma diferença. É insignificante. Quando o time perde a bola e não dá para recuperá-la imediatamente, os dois atacantes pelos lados (Rodrygo e Estêvão) voltam para marcar ao lado dos dois meio-campistas. Além disso, o meia centralizado Matheus Cunha volta e participa da marcação. Na prática, o time defende com cinco no meio-campo e avança com quatro atacantes.

Existem variações. Algumas das principais seleções atuam com um trio no meio-campo. Marcam com cinco nesse setor: os três no meio e, pelos lados, os dois atacantes que recuam. A Argentina marca no meio-campo com três e mais um atacante pelo lado, que volta quando o time perde a bola. Messi e um centroavante ficam mais à frente.

Os melhores momentos do Real Madrid com Ancelotti foram com o trio de meio-campistas formado por Casemiro, Kross e Modric. O técnico adotou essa formação pela enorme qualidade dos meio-campistas. Na seleção, por ter maior número de atacantes hábeis, talentosos, ele prefere ter mais jogadores no ataque e menos no meio-campo.

A seleção brasileira campeã do mundo de 1994 formava uma linha de quatro no meio-campo (dois volantes e um meia de cada lado). A crítica à equipe ocorria porque os dois meias (Mazinho e Zinho) não avançavam quando o time recuperava a bola, deixando Romário e Bebeto isolados no ataque. Hoje os atacantes pelos lados voltam rapidamente para marcar e imediatamente chegam à frente.

Essa alternância de posições e funções é uma das grandes evoluções do futebol. É a força do coletivo, que melhora o talento individual. Juntos somos mais fortes.

[Foto: Ian Kington]

Leia também: Futebol: estratégia e arte https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/futebol-estrategia-e-arte.html 

Editorial do 'Vermelho'

Ao atacar a Polícia Federal, direita revela de que lado está
Nas múltiplas versões e na redação final, para alívio das facções criminosas, o relatório Derrite-Tarcísio mirou um alvo: enfraquecer a Polícia Federal
Editorial do 'Vermelho' www.vermelho.org.br   
 

Desde a última chacina na cidade do Rio de Janeiro, ação espetaculosa e comprovadamente ineficaz para combater o crime organizado, o consórcio da direita e da extrema-direita manipula, com auxílio de setores da grande mídia, uma imperativa necessidade do país e uma aspiração premente do povo brasileiro: extirpar as facções criminosas e assegurar o direito à paz e à segurança. O governador paulista, Tarcísio de Freitas, o clã Bolsonaro e outros expoentes do neofascismo e da direita buscam se recompor diante do forte desgaste por terem apoiado o tarifaço do governo Donal Trump contra o Brasil.

Em abril último, o governo do presidente Lula, depois de ampla consulta quando se recolheu contribuições da sociedade e de especialistas, protocolou na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, propondo a criação de um sistema nacional que integra o governo federal, estados e municípios, às polícias e todos os entes vinculados, com o objetivo de dar potência, força e eficácia ao combate ao crime organizado. Governadores e parlamentares da direita, mesmo com as mudanças na PEC, inclusive concessões, travaram a tramitação da proposta. Com outras palavras: impediram o governo de governar. Obviamente, lá de seus palacetes em condomínio de luxo os chefões do crime comemoram e aplaudem a direita.

Em sequência, o governo do presidente Lula encaminhou o Projeto de Lei de combate as facções criminosas, conceito inexistente na legislação brasileira. A essência é apetrechar o Estado com uma legislação que contribua para que se ponha fim ao domínio das facções sobre territórios para impor opressão e exploração contra o povo. E asfixiando as atividades econômicas, financeiras do crime, que se diversificaram, indo muito além do tráfico de drogas. Em síntese: a proposta propõe aumento de penas, fortalecimento dos meios e instrumentos de investigação, “limpeza” do Poder Público – expurgando as infiltrações do crime –, estrangulamento do poder econômico das facções e a sua capacidade de comunicação, facilitar a apreensão do patrimônio do crime em favor da União, da Polícia Federal, e cooperação internacional, entre outros pontos.

Depois de terem trancado a PEC a sete de chaves, o consórcio da direita e da extrema-direita, em conluio com Hugo Motta, o presidente da Câmara, se “apossou” do Projeto Antifacção Criminosa do governo, que passou a ter como relator, nada mais, nada menos, do que o deputado federal Guilherme Derrite, secretário de segurança pública do Estado de São Paulo. Uma escancarada manobra política, eleitoreira, a serviço do projeto eleitoral do governador Tarcísio de Freitas e do próprio relator. Enquanto isso, a cobertura da grande mídia jogava uma cortina de fumaça com uma ladainha hipócrita de que o tema – vejam só! – “não poderia ser politizado”.

Ao todo, foram seis relatórios produzidos por Derrite. Dizendo ao que veio, o relator, vocalizando a vontade de seu chefe, Tarcísio de Freitas, e dos demais governadores de direita, de forma inequívoca propôs subordinar a Polícia Federal aos governadores, isto é, para combater as facções criminosas nos estados e Distrito Federal somente com a autorização deles. Se isso tivesse em vigor, a Operação Carbono Oculto, que desbaratou uma teia econômico-financeira das facções, muito provavelmente não teria se realizado. Por consequência, a fraude de mais R$ 12 bilhões, com o Banco Master e o BRB, do governo do Distrito Federal, no centro, teria tido muito mais dificuldade para ser desbaratada.

Além de tentar sabotar as prerrogativas da Polícia Federal, o relatório propôs diminuir recursos e cortar a linha de suprimentos dos instrumentos de combate ao crime organizado. Apareceu, entre as versões, algo que deixa mil perguntas no ar: a mudança no projeto do governo, que propôs o confisco do patrimônio dos criminosos em favor da União, da Polícia Federal, não sendo necessário, o trânsito em julgado. Isto porque, com protelações e manobras jurídicas, as facções, muitas vezes, acabam por dar um jeito de preservar os bens e as fortunas oriundas do crime. O relatório, para a alegria geral das facções, mantém o confisco tal como é hoje, somente depois do trânsito em julgado.

Neste périplo, houve também a tentativa, mesmo com redação capciosa, de conceituar as facções como organizações terroristas, algo juridicamente descabido. Neste particular, novamente vem à luz a subserviência ao governo Trump, pois abriria brecha para o Brasil entrar na linha de tiro da Casa Branca, a pretexto do combate ao “narcoterrorismo”. O senador Flávio Bolsonaro chegou a sugerir que a Baia da Guanabara pudesse ser bombardeada pelos Estados Unidos para afundar embarcações com cargas de drogas.

A resistência da esquerda e de setores progressista na Câmara dos Deputados, a reação de setores democráticos da sociedade, impôs certa barreira ao método blitzkieg do consórcio da direita e da extrema-direita. Mas, por ampla maioria, o relatório que desfigurou a proposta original do governo foi aprovado, com o relator tecendo louvores a Jair Bolsonaro e a Tarcísio de Freitas. Em resumo: enfraquece a Polícia Federal, retirando-lhe centenas de milhões de reais, cria dificuldades para a indispensável participação da Receita Federal no combate às facções, posterga e pode inviabilizar o confisco do patrimônio do crime organizado ao sobrepor legislações, e favorece manobras jurídicas que têm potencial para livrar os bandidos da cadeia.

Para o vice-líder do governo na Câmara, deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA), o substitutivo oriundo do relatório Derrite altera a essência da proposta enviada pelo presidente Lula, que tinha como foco descapitalizar organizações criminosas e fortalecer a atuação federal. “O Projeto de Lei apresentado pelo presidente Lula visava, entre outros pontos, a descapitalizar o crime organizado. Já o relatório do Derrite propôs descapitalizar a Polícia Federal e os fundos federais de enfrentamento ao crime”, disse. Em síntese: de conjunto, avalia que o Estado perde meios e capacidade para combater o crime.

O ministro da Fazenda, Fernando Hadad, também reagiu. “Estão abrindo o caminho para a consolidação do crime organizado no país, com o enfraquecimento da Receita Federal e da Polícia Federal. É um contrassenso. Agora que começamos a combater o andar de cima do crime organizado, vamos fazer uma lei protegendo esse mesmo andar de cima.”

A matéria ainda será examinada pelo Senado Federal, que deve ao menos corrigir as aberrações principais do que a maioria da direita aprovou, o que demanda, é claro, pressão popular.

Entre os obstáculos a serem removidos, sem o que é impossível o país avançar, se impõe o tema da segurança pública, que seu agravou, com verdadeiros enclaves, territórios, sob domínio das facções criminosas, alguma delas com dimensão nacional e mesmo internacional, com “negócios” que somam bilhões de reais. Sob a regência de Donald Trump, a direita latino-americana e caribenha manipula e tenta surfar nessa pauta, explorando o desespero de grandes parcelas do povo sob o tacão dessas máfias. México, Colômbia e, sobretudo, a Venezuela estão sob agressão do imperialismo estadunidense, a pretexto de se combater o narcotráfico.

O governo do presidente Lula, em parceria com os governadores e prefeitos do campo democrático, com as demais instituições da República, com a parcela democrática do Congresso Nacional, com os movimentos sociais, deve seguir reforçando o combate sem tréguas às facções criminosas, restaurando a ordem nos territórios usurpados, sufocando as fontes financeiras e buscando assegurar ao povo o direito à paz e à segurança.

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Leia também: A nova estratégia da direita https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/11/reforco-entreguista.html

Minha opinião

Banco Master, alguma surpresa?*
Luciano Siqueira 
instagram.com/lucianosiqueira65 

Afinal, depois de prolongada série de revelações de "anormalidades", o Banco Central determinou a liquidação extrajudicial do Banco Master.

O risco de falência iminente e o comportamento do presidente do banco, Daniel Vorcaro, hábil e arisco na busca de aliados nos altos escalões da política nacional, precipitaram, enfim, a interdição. 

Tudo bem. Não é a primeira vez que isso acontece. Outras instituições bancárias, até de maior prestígio no mercado, foram à falência, como o prestigioso Banco Nacional e seus congêneres Banco Econômico, Bamerindus, Banco Santos, Cruzeiro do Sul, BVA e PortoCred.

Faz parte do "negócio" justamente dedicado a operar, por mecanismos vários, a reprodução fictícia da mais-valia extraída dos trabalhadores.

Acontece aqui e alhures, vide a debacle dos norte-americanos Silicon Valley Bank (SVB), First Republic Bank, Signature Bank - com destaque, na crise de 2007-2008, para a falência do poderoso Lehman Brothers. 

Ali se comprovava, uma vez mais, que a especulação financeira se amplia ilimitadamente sem correspondência na produção de bens e serviços, com alguma frequência gerando bolhas e crises num país determinado e não raro abalando todo o sistema.

Mas o complexo midiático dominante trata o assunto com falso ar de surpresa, advertindo à exaustão quanto ao "risco" de perda de credibilidade no sistema.

E tome revelações escabrosas, inclusive envolvendo figuras políticas de destaque no Judiciário e no Parlamento, tidas como atraídas pelo então presidente do banco, o indigitado Daniel Vorcaro, preso quando pretendia fugir do país a bordo de sua ultraluxuosa aeronave.

A palavra de ordem editorial parece ser revelar os fatos porque é impossível esconde-los, mas caracterizá-los como mais um exemplo de má gestão e não como algo inerente ao próprio sistema financeiro.

Karl Marx, se fosse vivo, bem que poderia dizer: "bem que avisei". Pois em sua obra O Capital, no longínquo 1867, já descrevera o capital financeiro como se o dinheiro existisse por si mesmo, à margem da produção efetiva de riqueza. 

Ou seja, na esfera da especulação tudo é possível, inclusive, no tempo em que vivemos, artifícios os mais escrotos no manuseio de investimentos alheios de forma "ilícita", sem moral nem limites.

O lucro se transfere da produção industrial para a jogatina em mercados de ações e derivativos, que com o advento da internet rola ininterruptamente via bolsas do mundo inteiro; tendo como subproduto a concentração e a queda da produção e consequente diminuição da estrutura da contratação do trabalho humano.

Mas reportagens e "análises" acerca da interdição do Master precisam preservar o sistema, apontando o caso como exceção. É o que a mídia faz por meios sofisticados de modo a enganar os mal informados.

*Texto da minha coluna no portal 'Vermelho' www.vermelho.org.br   

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