22 dezembro 2025

Abraham Sicsu opina

Pensar Estóico no Mundo Atual: talvez um modelo de conduta
Abraham B. Sicsu 

É moda. É só entrar numa boa livraria e se encontra um número significativo de obras sobre o tema. Estoicismo parece ser norte para muitos, perplexos que estão com uma atualidade muito conturbada.

Li recentemente dois livros sobre o tema. “Sêneca e o Estoicismo” de  Paul Veyne e “A vida dos Estóicos” de Ryan Holiday e Stephen Hanselman. Confesso não ser um leitor aprofundado na literatura filosófica, mas, acredito, ter tirado algumas lições que me permitem tentar compreender, superficialmente claro, um mundo de profundas transformações.

Um mundo em que o auto-centrado e o compulsivo desejo frenético de dominação permitem que surjam, ou ressurjam, modelos, em diferentes instâncias, que se assentam em interesses particulares e ignoram plenamente a noção de humanidade. Mundo que dá oportunidades a desvarios que marcam nossos dias.

Não me refiro às mudanças tecnológicas, falo das mudanças de poder, de busca dos poderosos, em que o mundo que se dizia “globalizado”, pelo menos tinha uma perspectiva integrativa, volta a se configurar como o dos grandes impérios de opressão.

 As Américas são minhas, diz o senhor fanfarrão do Norte; a antiga União Soviética me pertence, fala o lunático que chefiou a KGB; dominarei boa parte da Ásia e da África, nos conta o impassível Xi. O mundo dividido em três impérios, ninguém ponha o bedelho no “reinado” dos outros.

Se reduzirmos o foco para o país em que vivemos, país que se constituiu politicamente com um modelo triparte de poder, executivo, legislativo e judiciário, com atribuições claras e delimitadas, a luta é uma carnificina.

Cada qual tentando entrar na esfera do outro, dominar maior parcela do orçamento é sinal de força, o que é constitucional depende de a quem interessa.

Levando a uma confusão de papeis jamais vista, destruindo a lógica de funcionamento do sistema na ambição de mais poder, principalmente econômico. A sociedade é ignorada e a ambição é o único motor de um modelo corroído em que os princípios éticos e morais são esquecidos.

Ao nível do indivíduo não é menos perturbador. O individualismo impera. Cada um por si. Milhões passando fome, pobreza e repressão aos migrantes que buscam sobrevivência, buscam condições mínimas de existência. A empatia desaparece. Ignora-se o próximo, privilegia-se o proveito próprio. Como dito, mundo do ser auto-centrado, a dor dos excluídos totalmente ignorada.

Nesse ambiente, mundial, nacional, individual, pessoas de boa índole se indignam, procuram se organizar e reagir. Ainda bem que há quem se preocupe. Mas, nada que tenha real significado.

Fazem “lives”, manifestos e ainda acreditam que as massas se mobilizarão para enfrentar esse turbilhão. Muito no voluntarismo, sem lógica estruturante. Tudo muito desorganizado, tudo muito fragmentado. Sem foco claro, sem objetivo comum. Sem impacto algum.

Tendo em mente o ambiente em que nos movimentamos, voltemos aos estóicos e aos seus ensinamentos.

Estoicismo procura ensinar a enfrentar adversidades. Um mundo confuso em que não nos encontramos, precisamos de um apoio para dar um norte. Nessa interpretação não usual, um pouco estapafúrdia de algo bem mais profundo, talvez, precisaremos criar premissas para nos posicionarmos e agirmos.

Para os estóicos, o objetivo principal da vida é a busca da felicidade por um caminho em que o autoconhecimento, a razão e a virtude ensinam a direção. Um mundo em que há aspectos que podemos e devemos controlar como os pensamentos e as ações próprias, e aspectos que temos que aceitar, fogem ao nosso controle, eventos externos que os desígnios do universo nos colocam à frente.

O fundamental é ter um foco, aceitando a ordem racional do cosmos, viver de acordo com a razão, em harmonia com a natureza. A busca da tranqüilidade mental deve ter na serenidade e no evitar das reações negativas a postura que leva à satisfação com o que somos.

Eles, os estóicos, apresentam quatro qualidades fundamentais para o bem viver, para poder enfrentar um mundo cheio de contradições, muitas vezes ilógico no pensar do humano comum. Mundo que foge á racionalidade humana, que pode não refletir a lógica cartesiana comum em nossa época.

Fundamental ter Coragem, não ignorar as situações, não fugir de enfrentar o que nos é posto como dado. Se o mundo nos apresenta situações fora do nosso controle, pouco adianta ignorá-las, importante procurar meios e associações com quem nos identifiquemos, os quais nos possam ajudar a tentar modificar o que nos é adverso. Ter uma postura firme contra as situações adversas faz-se necessário.

Ensinam, também, que em todas as circunstâncias da vida, temos que agir com Justiça. Não podemos desvirtuar as ações para beneficiar posições que parecem que podem nos favorecer. Ética e valores não podem ser desprezados. Ser parcial pode nos tornar abjetos, para nós mesmos.

Temperança é fundamental. Não se podem radicalizar as visões das coisas e do mundo fugindo da razão. Moderação é fundamental para o bem viver em sociedade e o encontrar com nossos ideais. Antes de agir, fundamental refletir.

Por fim, muito importante, tem que se ter Conhecimento. Não se enfrenta as situações da vida no escuro da ignorância.

Em qualquer situação, em qualquer adversidade que nos surgir, é básico estudarmos a questão à luz dos fatos concretos, das ocorrências pregressas, dos impactos possíveis.

Nunca entrar numa disputa sem ter um mínimo de compreensão do que se enfrenta e como poderemos ser atingidos. Ou seja, ter clareza daquilo que está sob nosso controle e, também, do que virá por determinação externa, sem nossa interferência, o que teremos que aceitar e enfrentar.

Com essas quatro qualidades se pode ter controle emocional e buscar atingir a tranqüilidade na vida.

Sêneca, talvez o mais influente dos filósofos dessa escola, mostra que ética e virtude levam a uma vida feliz que só pode ser atingida com uma harmonia com a natureza e com a aceitação do destino. Esse é o caminho para a sabedoria.

Por que faço essas observações? Em que pode ajudar o rever os ensinamentos de uma escola filosófica que nasce na Grécia e se firma em Roma, muitos séculos passados?

Se o objetivo for reverter a destruição que tem sido causada com a ambição de poder descomensurada, em todos os níveis, se acreditamos que ainda podemos mover a sociedade para uma luta em que o bem pode vencer o mal, se queremos um futuro mais sadio, só vejo uma bandeira possível de agregar efetivamente a sociedade e fazer um engajamento concreto: o homem retomar a Harmonia com a Natureza como farol para a humanidade, lição que eles nos deram faz tanto tempo e ainda não aprendemos.

Não na visão radical de muitos dos movimentos ecologistas atuais que praticamente alijam o humano de seu modelo em prol de uma concepção preservacionista em que a natureza deve se manter imutável e exclui o ser humano e suas necessidades, causadoras de todos os desastres.

Mas, com temperança, em que se busque como bandeira um mundo em que a felicidade de viver esteja fortemente atrelada à preservação do ambiente e respeito pelas outras vidas que conosco convivem neste planeta, claro, mas não limitar-se a isso. Exige, também, empatia e ver nossos semelhantes como iguais, não nos julgando superiores a eles, dando-lhes condições efetivas de uma vida feliz.

Um mundo que não seja direcionado pelo desejo de poder doentio, um mundo que seja orientado pelas quatro qualidades básicas: Coragem, Justiça, Temperança e Conhecimento. Um mundo sábio. Em que os interesses coletivos voltem a ser orientadores e não apenas o poder em si. Em que se deseje ajudar ao próximo como razão de vida.

Enfrentar os desvarios de quem é obcecado pelo poder não pode ser apenas um movimento voluntarista, tem que ter objetivo claro e sensibilizar efetivamente as comunidades em grande parte, focando nas massas populacionais que buscam dignidade e foram muitas vezes esquecidas.

Uma busca por um mundo que temos que preservar com respeito à dignidade humana como meta, que tem na sobrevivência da nossa e das próximas gerações em harmonia com a natureza sua razão de ser, que deve respeitar os limites do ambiente natural que não podem ser ignorados.

[Ilustração: Raul Córdula]

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Leia: Presente e futuro na luta cotidiana: a reforma urbana, por exemplo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/meu-artigo-no-portal-da-fundacao.html

21 dezembro 2025

Palavra de poeta

Dissolução
Chico de Assis   

Na noite do meu corpo
sem estrelas chego ao porto
das lembranças esquecidas. 

O fim da jornada 
é sempre o reinício
de novas rupturas.

Reconhecer/recomeçar
o inelutável ciclo 
das opções mal feitas. 

Recolho–me aos jazigos
perpétuos da memória
para delir solitário
em dor.

[Ilustração: Marcello Nitsche]

Leia também: "Ensinamento", um poema de Adélia Prado https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/11/palavra-de-poeta_54.html 

Arte é vida

 

Tatiana Bianchini

Leia: "Os teus pés", poema de Pablo Neruda https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/palavra-de-poeta_13.html 

Boa notícia

Salário mínimo tem ganho real pelo quarto ano seguido no governo Lula
Retomada da política de valorização do salário mínimo colocou fim à reposição apenas nominal dos governos Temer e Bolsonaro; salário mínimo em 2026 será de R$ 1.621
Murilo da Silva/Vermelho  

A aprovação do orçamento para 2026 pelo Congresso Nacional estabeleceu o salário mínimo em R$ 1.621 para o próximo ano. Em janeiro, ele já entra em vigor e os trabalhadores e aposentados já receberão seus proventos com reajuste no mês de fevereiro.

O novo valor eleva em R$ 103 o antigo salário mínimo, que está em R$ 1.518. O reajuste é de 6,79% (de forma aproximada) e representa o quarto ano seguido de ganho real para os trabalhadores. Trata-se de uma medida basilar do governo Lula.
 

O avanço previsto anteriormente era R$ 10 maior, porém o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), medido pelo IBGE, ficou abaixo do esperado com o fechamento de novembro, marcando 4,18% no acumulado de 12 meses.

Com base na regra do arcabouço fiscal, o reajuste do salário mínimo fica limitado à soma da inflação com o aumento do PIB de dois anos antes, limitado a um intervalo entre 0,6% e 2,5%. Assim, o crescimento foi limitado ao teto desse reajuste. A regra tem validade até 2030.

Valorização do salário mínimo

Nos governos Temer e Bolsonaro os trabalhadores ficaram sem aumento real do salário mínimo. Somente com o retorno do presidente Lula é que a política de valorização foi retomada, e logo pelo governo de transição no final de 2022 para o valor pago já em 2023.

Esta política é fundamental para a diminuição das desigualdades no Brasil, uma vez que o salário mínimo é referência para a renda de aproximadamente 60 milhões de brasileiros, incluindo os trabalhadores em atividade, os aposentados do INSS, os beneficiários do BPC/LOAS e os que recebem abono salarial.

Para o senador Paulo Paim (PT-RS), a medida cumpre uma promessa central da campanha do terceiro mandato do presidente Lula.

“O salário mínimo é um forte instrumento de distribuição de renda. É mais dinheiro no bolso do trabalhador, da trabalhadora, enfim, dos consumidores, ou seja, mais consumo, mais vendas nos pequenos e médios negócios e mais recursos circulando no conjunto da economia, todos ganham”, afirmou à rádio Senado.

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Pobreza e desigualdade caem ao menor nível em três décadas https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/11/boa-noticia_25.html

Minha opinião

Cópia desbotada 

Luciano Siqueira 
instagram.com/lucianosiqueira65

Noticia-se que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) pretende em breve anunciar nomes de seus hipotéticos futuros ministros. 

Seria a repetição da fórmula do pai, que quando candidato assumia publicamente a sua ignorância a propósito de questões cruciais da nação — notadamente a gestão da economia — e, para tranquilizar os eleitores, se comprometia a repassar a tarefa para ministros supostamente qualificados. 

Deu errado. Basta lembrar o vexame do general Pazuello que, ao assumir a pasta da Saúde, declarou publicamente jamais ter ouvido falar no SUS!

Certamente a maioria dos eleitores não cairá novamente na esparrela.

[Qual a sua opinião?]

Leia: A influência que fica https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/12/minha-opiniao.html

Entrave ao desenvolvimento

Austeridade fiscal trilionária
Estamos com déficit nominal superior a um trilhão de reais. E nem por isso o País vai quebrar ou estamos entrando na ante sala do apocalipse.
Paulo Kliass/Vermelho   


A área econômica da Esplanada dos Ministérios sempre encheu a boca para se orgulhar de sua busca permanente pela austeridade fiscal. Desde antes da posse do terceiro mandato de Lula à frente da Presidência da República, o que se ouvia era o compromisso do futuro governo – que deveria marcar a ruptura com a direta e a extrema direita desde o golpe contra Dilma em 2016 – com a pauta ditada pelo financismo e pelos interesses da Faria Lima. Dentre tantos itens do conservadorismo econômico, ganhava destaque o engajamento com o objetivo de gerar recursos orçamentários para o pagamento de juros da dívida pública. Assim, de acordo com os cânones do manual do neoliberalismo internacional preconizado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), tal procedimento implicava a geração de superávit primário nas contas púbicas.

O próprio Lula emitia declarações ambíguas a esse respeito. Ao mesmo tempo em que prometia fazer mais e melhor do que nos dois primeiros mandatos, ele dizia antes das eleições de 2022 que

(…) “ninguém neste mundo demonstrou mais responsabilidade fiscal do que nós. O Brasil foi o único país do G20 que fez superávit primário durante os mandatos meu e da Dilma. Único do mundo” (…) [GN]

Ora, não há razão alguma para um governo que se pretende progressista, com um pé de alguma forma ainda fincado no campo da esquerda, se vangloriar de ter realizado tanto superávit primário. E o pior do que isto é ainda considerar como virtude de orientação de programa governamental continuar desenvolvendo uma política econômica de inspiração neoliberal, ancorada na austeridade fiscal e no arrocho monetário. A título de exemplo, apenas durante os 2 primeiros mandatos de Lula, o governo federal realizou uma despesa de R$ 2,6 trilhões para o pagamento de juros da dívida pública. Isso representou uma média de 4,5% do PIB com esse tipo de despesa orçamentária entre 2003 e 2010. Na verdade, esse tipo de dispêndio é a contrapartida do esforço para realizar superávit primário.

Recorde de despesa com juros! Nunca antes da História deste País.

Mas o dramático é que o processo foi ainda mais agravado com o retorno de Lula ao Palácio do Planalto em 2023. O processo de comprometimento de recursos públicos com a esfera financeira foi aprofundado. De acordo com o mais recente Boletim de Estatísticas Fiscais do Banco Central (BC) a situação nunca esteve tão ruim. Como costuma afirmar o Presidente, “nunca antes na História deste País” o setor público gastou tanto com uma despesa tão parasita e regressiva quanto no mês de outubro. De acordo com as informações exibidas no documento, naquele mês foram dispendidos R$ 114 bilhões com o pagamento de juros da dívida pública. Este foi o maior valor mensal da série histórica apurada pelo órgão.

Este volume representou uma média de R$ 5 bi por cada um dos 23 dias úteis do mês. Uma loucura! Tanto mais impressionante se levarmos em conta o discurso do Secretário Executivo do Ministério da Fazenda e dos órgãos da grande imprensa de forma geral quando o Senado Federal aprovou recentemente uma medida justa e necessária de regulamentar a aposentadoria especial para os agentes de saúde. A narrativa que se tentava impor era de uma “pauta bomba”, “irresponsabilidade fiscal” e por aí vai. Já o número dois de Fernando Haddad, Dario Durigan, saiu-se com bravatas e ameaças à decisão do legislativo

(…) “Esse texto tem um impacto muito grande para os cofres públicos. É muito ruim do ponto de vista fiscal e não deveria avançar” (…)

Assim, mais uma vez o ex-funcionário de umas das maiores empresas de bigtech do mundo, a Meta (proprietária do whatsap), reverbera o pensamento conservador na condição de titular em exercício da pasta, uma vez que Haddad se encontrava em viagem ao exterior. Para ele, pouco importa se a determinação de conceder a aposentadoria especial a tais categorias já tenha sido estabelecida na própria Constituição. Ou seja, o Projeto de Lei Complementar PLP 185/2024 votado apenas regulamentava tal previsão. Além disso, não cabe na visão do economista de planilha a hipótese de que o projeto possa ser muito bom do ponto de vista de política social. Não! O único que importa para o olhar do financismo é a sua consequência fiscal. E ponto final.

Pauta bomba são os juros!

Algumas avaliações catastrofistas estimavam o impacto da assim chamada “pauta bomba” como sendo de R$ 24 bi em 10 anos. Assim, teríamos um acréscimo de despesa orçamentária de R$ 2,4 bi a cada exercício por tal concessão às categorias que tanto ajudaram para impedir que os números da catástrofe da pandemia fossem ainda mais negativos. Não bastaram as 700 mil mortes provocadas em grande medida pela atitude criminosa de Bolsonaro, com seu combo de negacionismo e incompetência. Reconhecer a natureza de insalubridade e periculosidade das funções de tais categorias é uma medida de justiça social.

O fato concreto é que os números do alarmismo não resistem a uma análise mais detalhada. O valor diário da despesa com juros em outubro equivale a 2 anos do impacto da aposentadoria especial. Mas sobre isso ninguém fala em “pauta bomba”, em “gastança irresponsável” ou ameaças de quebra do Estado brasileiro. Para esse pessoal da Faria Lima, gastar a maior parte do orçamento público com o andar de cima é promover respeito aos contratos e assegurar credibilidade à política econômica. Já, por outro lado, fazer política pública dirigida à maioria da população, sob qualquer hipótese, teria o significado de romper o pacto da responsabilidade fiscal e deveria ser denunciado a todo o instante como populismo e demagogia. Triste País, governo por uma elite tão obtusa quanto espoliadora!

Além do recorde de valor mensal observado em outubro com as despesas financeiras para pagamento de juros da dívida pública, o mesmo Boletim do BC nos evidencia que estamos com outro valor máximo para a série histórica. Trata-se do acumulado dos últimos 12 meses para tal rubrica. Já alcançamos a marca de R$ 987 bi no período que vai de novembro de 2024 a outubro do presente ano. Além disso, houve um salto no que se refere à participação do volume pago de juros como proporção do PIB. Durante o primeiro biênio do terceiro mandato de Lula o percentual subiu para uma média anual de 6,5%, um aumento de quase 50% em relação aos 4,5% do período 2003-2010. Caso o média do presente ano se mantenha, atingiremos 8,2% em dezembro. Ou seja, aqui está a verdadeira gastança irresponsável do orçamento público. Mas disso ninguém trata – nada de teto, limite ou contingenciamento nas despesas com juros.

Que austeridade fiscal é essa?

Assim, o que sobra da verborreia conservadora é que a narrativa da responsabilidade fiscal não se sustenta. O governo vem acumulando um déficit nominal anual superior a R$ 1 trilhão há um bom tempo. No entanto, a estratégia malandra de se prender apenas ao conceito de “primário” faz com que as despesas orçamentárias ditas financeiras não entrem no cálculo. Ora, que austeridade fiscal é essa? Mas que responsabilidade fiscal é essa? A retórica de defesa dos interesses do financismo bate no peito com orgulho quando se trata de ter a suposta “coragem” de cortar gastos em saúde, em assistência social, em educação, em previdência social, em segurança púbica, em salários de servidores, dentre tantas outras rubricas.

Mas é necessário recolocar o debate em seus termos. Afinal, as despesas com o pagamento de juros são tão orçamentárias quanto aquelas que se destinam ao pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Os dispêndios financeiros são tão orçamentários quanto aqueles realizados com o pagamento das obrigações do Sistema Único de Saúde (SUS). Os gastos classificados como não-primários são tão orçamentários quantos aqueles que recebem o carimbo burocrático de primários. Tudo é uma questão de estabelecer prioridades. O governo elege o rigor com os gastos sociais para demonstrar seu compromisso com uma suposta “seriedade” no trato da coisa pública. Mas deixa correr solto o volume mastodôntico com juros. E o pior é que faz esse malabarismo retórico carregado de desonestidade política e intelectual.

É preciso dizer alto e em bom som: não! O Brasil não está em equilíbrio fiscal, como pretende nos convencer o discurso oficialista. Estamos com déficit nominal superior a um trilhão de reais. E nem por isso o País vai quebrar ou estamos entrando na ante sala do apocalipse. Apresentar esse tipo de resultado nas contas públicas não é tão problemático quanto nos faz crer o financismo de plantão. O que precisa ser revisto de forma urgente é o foco viesado de buscar o foco em cortar, cortar e cortar apenas nas rubricas sociais e de investimento.

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O lugar do PCdoB na cena política https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/11/partido-renovado-e-influente.html 

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Na Folha de S. Paulo: "Qualidade das praias brasileiras cai ao pior nível já registrado e só 30% são próprias para banho." Acrescento: expansão imobiliária na esteira do turismo não planejado tem grande parcela de responsabilidade nisso. Um horror!

Desigualdade social explícita https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/12/desigualdade-social.html