Visita de Nancy Pelosi a Taiwan é provocação
contra a China
Ao invés de fazer o que precisa ser feito pelo próprio bem dos
Estados Unidos, Biden resolveu fazer o que era, aparentemente, mais fácil, ou
seja, manter a política de Trump em relação à China, apenas fantasiando-a com
slogans vazios
Luis Antonio Paulino, Vermelho www.vermelho.org.br
Quando Joe Biden foi eleito presidente dos Estados Unidos
ninguém esperava que as relações sino-americanas voltariam à normalidade, mas
que pelo menos fossem conduzidas com base em regras, evitando o risco de que um
erro de cálculo pudesse desencadear alguma crise de consequências
imprevisíveis.
E essas regras, estabelecidas por meio de uma série de acordos e
memorandos assinados desde o reatamento das relações diplomáticas entre a
República Popular da China e os Estados Unidos, em 1979, tinham como base a
compreensão de que há uma só China e que Taiwan faz parte dela, conforme
estabelecido pela Resolução 2758 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de
1971.
As relações entre Estados Unidos e China no que diz respeito a
Taiwan, estão balizadas, até hoje, pelo “Comunicado de Xangai”, de 1972,
segundo o qual “os Estados Unidos reconhecem que todos os chineses em ambos os
lados do Estreito de Taiwan afirmam que existe apenas uma China e que Taiwan é
parte da China” e por outros dois comunicados, de 1979 e 1982. As
relações sino-americanas são sustentadas por esses três comunicados conjuntos.
O Comunicado Conjunto sobre o Estabelecimento de Relações Diplomáticas entre a
China e EUA, de 1979, afirma que “Os Estados Unidos da América reconhecem o
Governo da República Popular da China como o único governo legal da China.”
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Tudo isso implica que os contatos oficiais entre os dois países
deveriam se dar sempre entre Washington e Pequim e que não haveria contatos
oficiais entre o governo dos Estados Unidos e autoridades da província de
Taiwan.
Essas regras, que balizaram as relações sino-americanas por mais
de 40 anos, começaram a ser quebradas unilateralmente pelo presidente Donald
Trump, que falou ao telefone com a dirigente de Taiwan e enviou funcionários de
alto escalão do governo à ilha, sinalizando um apoio implícito ao movimento
separatista que reivindica a independência de Taiwan. Isso contribuiu para
azedar ainda mais as relações bilaterais já complicadas pela guerra comercial e
tecnológica contra a China iniciada pelo mesmo governo Trump em fevereiro de
2018.
Com a eleição de Biden, a expectativa era de que essa escalada
de confrontação fosse estancada e que os dois países encontrassem uma forma de
manejar as tensões crescentes por meio da diplomacia. Não foi, porém, o
que ocorreu. Ao invés de fazer o que precisa ser feito pelo próprio bem dos
Estados Unidos, Biden resolveu fazer o que era, aparentemente, mais fácil, ou
seja, manter a política de Trump em relação à China, apenas fantasiando-a com
slogans vazios, como a defesa dos direitos humanos, da democracia, da luta do
bem contra o mal e daí por diante. O objetivo permaneceu o mesmo: dificultar a
qualquer custo o desenvolvimento da China pelo receio de perderem a sua
condição de potência hegemônica.
A política de Biden e dos democratas em relação à China tem se
mostrado, em muitos aspectos, até mais agressiva do que a de Trump. Trump, em
sua visão isolacionista, não estava interessado em dividir o mundo em áreas de
influência, nem de unir o mundo contra a China, mesmo porque, em sua visão
perturbada do mundo, todos queriam tirar vantagens dos Estados Unidos,
inclusive seus aliados na Otan.
O negócio dele, ainda que de forma bastante equivocada, era
obter vantagens comerciais e econômicas para os Estados Unidose e agradar a
classe média baixa e branca americana, que atribuía à globalização, aos
migrantes e à China todas as suas desventuras. De certa forma, seu viés
isolacionista e anti-globalização era até um alívio para o resto do mundo,
cansado de ver os Estados Unidos colocando a mão em tudo. Nunca saberemos, mas
se ao invés de Biden, Trump fosse presidente, com todo seu desapreço pela Otan
e pelos europeus, talvez a Guerra da Ucrânia nem tivesse acontecido.
Já Biden acrescentou a tudo que Trump fez de errado uma retórica
belicista que evoca os tempos da Guerra Fria, quando o mundo estava dividido
entre capitalismo e socialismo, Estados Unidos e União Soviética. Os rótulos
mudaram – agora é democracia versus autoritarismo e o inimigo principal é a
China (apesar da guerra por procuração contra a Rússia) – mas a lógica é a
mesma.
Como os chineses não querem confusão – pois para eles a paz não
só é um valor universal, mas também uma condição necessária para enfrentar com
sucesso os grandes desafios para o seu próprio desenvolvimento – a
política americana tem sido de tentar chamar a China para a briga por meio de
provocações, como fizeram com a Rússia. No caso da Rússia, foi a desnecessária
expansão da Otan até as suas fronteiras, cercando o país de mísseis apontados
para Moscou. No caso da China, o ponto sensível é Taiwan.
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Os americanos sabem perfeitamente que a China jamais abrirá mão
de Taiwan, não importa quanto tempo leve para trazer a província rebelde de
volta ao seio da nação. A criação da República Popular da China, em 1949,
marcou, na prática, o fim do século de humilhações, durante o qual a China foi
invadida e retalhada em territórios ocupados por potências estrangeiras, mas a
realização do “Sonho Chinês” de reunificação nacional é ainda uma obra
inacabada e não estará plenamente concluída enquanto Taiwan mão voltar para o
controle de Pequim. Como afirmou recentemente o presidente Xi Jinping em um
discurso na televisão chinesa, “A tarefa histórica da reunificação completa da
pátria pode e deve ser definitivamente cumprida”.
Os americanos sabem, também, que uma eventual tentativa de
independência de Taiwan é um dos poucos motivos que levaria a China a uma
guerra. Por isso, não perdem oportunidade de fazer alguma provocação, esperando,
talvez, que Taiwan declare a independência e a China dê o primeiro passo.
Poderiam, assim, fazer uma nova guerra, colocando-se como os defensores
“da ordem global baseada em regras”; regras aliás que só existem para os
outros, não para eles.
A visita da presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi,
deputada democrata pela Califórnia, à Taiwan, se encaixa nessa estratégia.
Pelosi é a legisladora mais sênior dos EUA a visitar a ilha nos últimos 25
anos, desde que o republicano Newt Gingrich, então presidente da Câmara,
visitou a ilha, em 1997. A questão é que naquela época o presidente era Bill
Clinton, um democrata, o que de certa forma dissociava o governo democrata da
provocação de deputado republicano. Mas agora Nancy Pelosi é do mesmo partido
do presidente e fica difícil explicar como a Casa Branca não esteja envolvida
nessa provocação.
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O governo da China ficou particularmente irritado com a visita,
pois Pelosi é a segunda pessoa na linha de sucessão do presidente e o valor
simbólico de sua visita é muito forte para ser ignorado pelo governo chinês,
pois representa uma clara ruptura com o princípio de uma só China por parte dos
Estados Unidos. Dias antes da ida de Pelosi a Taiwan, os dois presidentes se
falaram por duas horas e meia por telefone e a questão de Taiwan, segundo
noticiou a imprensa, foi novamente um dos temas discutidos. Segundo se
noticiou, o presidente Xi Jinping alertou o presidente americano a “não brincar
com fogo” em relação a Taiwan. Infelizmente, o conselho do presidente chinês
não foi levado em conta e na noite do dia 01 de agosto, um avião militar
conduzindo a presidente da Câmara dos Estados Unidos pousou furtivamente em
Taiwan, depois de dar uma longa volta contornando o Mar do Sul da China em um
reconhecimento tácito, mesmo a contragosto, da soberania da China sobre aquela
área.
Dos muitos erros cometidos pelos Estados Unidos em relação à
China, essa visita possivelmente tenha sido o maior, pois não só agravará ainda
mais as tensões entre os dois países como também prejudicará a paz e a
estabilidade no próprio estreito de Taiwan. O governo da China, mesmo tendo
repudiado, em 2020, a demarcação não-oficial da chamada “linha do meio” no Estreito
de Taiwan, um acordo informal estabelecido entre os dois lados do estreito, em
1954, ao final da Guerra da Coréia, sem status de lei internacional, exatamente
para não agravar desnecessariamente as tensões entre os dois lados do estreito
e facilitar o processo de entendimento e reunificação pacífica, tem sido
relutante em cruzar a linha que não mais reconhece. Com essa escalada de
provocações, essa linha deixa de fazer sentido e não há razão nenhuma para a
China continuar a respeitá-la, mesmo que informalmente.
Ao decidir unilateralmente ir a Taiwan, a presidente da Câmara
dos Deputados dos Estados Unidos se comportou como se Taiwan fosse propriedade
dos Estados Unidos, uma espécie de 51º estado americano, onde eles podem entrar
e sair na hora que bem entendem. Tsai Ing-wen, a líder do separatista Partido
Democrático Progressista (DPP), que hoje governa a ilha, ao permanecer calada,
deixando a decisão de ir ou não ir Taiwan para a Sra. Nancy Pelosi,
comportou-se com covardia e tacitamente aceitou que os Estados Unidos podem
fazer o que bem entendem na ilha. Isso tudo é uma grave violação da
soberania e da integridade territorial da China, além de emitir um sinal errado
às forças secessionistas da “independência de Taiwan”. Obviamente haverá
consequências e elas serão graves.
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