Nova
era dos descobrimentos
Manifestos
em defesa da democracia não se dirigem só a Bolsonaro
Janio de Freitas,
Folha de S. Paulo
A
impossibilidade de uma ideia sadia de Bolsonaro denuncia, por si só, algum propósito
maléfico em sua ordem que transfere o desfile de 7 de Setembro
para Copacabana,
avenida Atlântica. A passagem das tropas, sem a largura usual nesses velhos
exibicionismos, será abaixo de um paredão de altos edifícios de onde podem sair
muitas coisas. Um rojão, por exemplo, dos usados nos estádios, em mãos
bolsonarista e apontado para baixo —pânico, reações armadas, ninguém dirá o que
pode vir.
Talvez
seja um exemplo brando. Bolsonaro tem convocado seus seguidores, também os de
outros estados, para uma concentração de dimensões excepcionais, ocupando não
só os calçadões da avenida Atlântica. Impossível prever o que será de
Copacabana, se efetivado o plano. Uma dedução, aliás, se oferece: será um lugar
onde, morador ou visitante, não se deve estar naquele dia.
O ministro
da Defesa, os comandantes de Exército, Aeronáutica e Marinha e os comandos
regionais não ousaram ponderação alguma. O que faz supor nem terem considerado
os problemas no 7 de Setembro politizado
por conveniência de Bolsonaro.
É um modo de se mostrarem engajados também nos propósitos da localização do
desfile e da concentração de bolsonaristas, a que Bolsonaro se refere como
"a última manifestação de 7 de Setembro". Sem esclarecer se concluiu
não haver independência a comemorar ou se vai acabar com ela.
Veja:
Bolsonaro, os militares e a democracia https://bit.ly/3NwQssg
Compreende-se
o que se passa na Defesa. A procura ao menos de um parafuso mal apertado, para
dar como prova contra o sistema eleitoral, pôs em suspense o general-ministro
Paulo Sérgio Nogueira e subordinados. Mais agora, em que uma patrulha avançada
escarafuncha as urnas, como exigido ao TSE em ofício com um quase insultuoso
carimbo de "urgentíssimo", para a inspeção já
possibilitada desde outubro do ano passado. É provável que, no íntimo, parte dos paisanos esteja às
gargalhadas com os vexames fardados e, outros, roguem para que eles parem de
ridicularizar as caras Forças Armadas. Os primeiros, com razão. Os outros,
idem.
Em alguma
altura do futuro, será percebido pelos militares que os manifestos em defesa
das eleições, do Judiciário e da democracia não se dirigem só a Bolsonaro e seu
círculo de milicianos de palácio. É notório o embaraço dos comandos com a
expressão de classes sociais e setores a que os militares sempre se associaram,
e agora a eles se contrapõem. Ainda que não compreendida, a descoberta do
fenômeno é sentida, entra olhos adentro. Não se sabe se bate em granito ou em
outra massa cinzenta. E essa é a questão.
Uma "Carta aos
Brasileiros" subscrita
por 104 associações e sindicatos empresariais, algumas entidades civis, e
encabeçada pela Fiesp é, em qualquer circunstância, documento de força. Atos
semelhantes só houve quando ditaduras já despencavam, em 45 a de Getúlio, em 85
a dos militares. A maioria dos que se expressaram então, como representantes
das classes confortáveis, logo mostrou terem sido atitudes momentâneas. Não haviam
aprendido nada. Nos dois casos, o reacionarismo logo se sobrepôs, como golpismo
antes, como controle por qualquer meio já na primeira eleição presidencial.
A quase
unanimidade dos aderentes à carta da renovada Fiesp tem muito a aprender com seu percurso recente.
Não pode obscurecer sua parte na responsabilidade pela entrega do país a um
desqualificado absoluto. Sua carta vem desse erro. A expectativa mais profunda
criada pelas adesões é quanto à sua continuidade sob aquele texto democrata. Se
as assinaturas resultam de descobertas honestas e duradouras, o Brasil amanhã
será outro. Se são momentâneas, o Brasil continuará como o país dos que não
aprendem. E, sem tardar, o país dos miseráveis.
"20% dos
brasileiros compram soro de leite e sobras de carne" (O Globo); "Um em cada três brasileiros teve comida insuficiente em casa
nos últimos meses" (Folha); "Menino de 11 anos liga ao 190 da polícia e
pede comida: sua família não come há três dias", em Belo Horizonte.
Veja: Os partidos e suas alianças nas
eleições de outubro https://bit.ly/3tThW49
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