O Copom e a Selic em 2023
Os
fundamentos que dão sustentação ao modelo reinante nas reuniões do Copom não se
importam com as consequências sociais e mesmo econômicas de suas decisões
Paulo Kliass, Vermelho www.vermelho.org.br
O
anúncio da decisão da 249ª reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) teve
algum sentido de surpresa. A nota divulgada no final da tarde do dia 21 de
setembro apontava a interrupção de uma série de doze encontros anteriores em
que a taxa referencial de juros havia sido sistematicamente aumentada. Assim,
depois de 18 meses de elevações ininterruptas, a Selic ficou finalmente
estacionada no patamar de 13,75% ao ano.
A
expectativa de que o colegiado responsável pelo estabelecimento das bases da
política monetária no Brasil aumentasse mais uma vez esse instrumento residia
na realização, quase simultânea, de uma reunião do órgão congênere dos Estados
Unidos. No mesmo dia, o FED decidia por aumentar o intervalo de sua taxa em
0,75%, passando o teto da mesma de 2,5% para 3,25% anuais. Como costuma
acontecer em situações como essa, uma série de bancos centrais pelo mundo afora
optaram por acompanhar os norte-americanos e também elevaram suas taxas. Esse
foi o caso, por exemplo, do Banco Central da Inglaterra, da Noruega, da África
do Sul, da Suíça e da Suécia. Além disso, alguns dias antes, o Banco Central
Europeu igualmente havia decidido elevar sua taxa, saindo de zero para 0,75%.
Apesar
de todo esse quadro externo conspirando para uma nova subida a ser patrocinada
pelo Copom, o colegiado optou pela cautela. Alguns analistas buscam a
explicação no fato de que a Selic já estava em um nível muito acima do razoável
ou do necessário, mesmo sob uma abordagem conservadora em termos de análise
macroeconômica. Afinal, os diretores do Banco Central (BC) já haviam promovido
um aumento de mais de quase 600% na taxa ao longo deste último ano e meio. Em
março de 2021 a Selic estava estabelecida em 2% e foi multiplicada por quase 7
vezes até a reunião realizada em agosto.
A armadilha da independência do BC
No
entanto, os fundamentos que dão sustentação ao modelo reinante nas reuniões do
Copom não se importam com as consequências sociais e mesmo econômicas de suas
decisões. Assim, é bastante provável que se assista ao retorno das pressões
para novos aumentos a partir da próxima reunião, a ser realizada em 25 e 26 de
outubro. Caso as pesquisas de intenção de voto se confirmem, já conheceremos o
futuro Presidente da República naquele momento. A provável vitória de Lula
ainda no primeiro turno no próximo domingo deveria operar como uma nova
variável a ser levada em consideração pelos integrantes do Comitê. Mas,
infelizmente, não deve ser este o caminho a ser trilhado pelos nove membros do
colegiado, que são os próprios diretores do BC.
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final de campanha
A
avaliação de que o aumento sistemático e contínuo da taxa referencial de juros
seria o único meio para atuar contra o processo inflacionário mais recente é um
exemplo das dificuldades que o futuro governo vai enfrentar a partir de janeiro
de 2023. Em sua atual composição, o Copom nada mais faz senão corroborar os
desejos e as vontades da direção do financismo em nosso País. A maioria dos
economistas que não deixamos nos levar pelo canto de sereia do conservadorismo
neoliberal já alertamos há um bom tempo para o equívoco da trajetória altista
na Selic. A pressão sobre os preços tinha origem, fundamentalmente, nos setores
de energia e de alimentos. Ora, são dois casos típicos de bens e serviços cujos
preços não podem ser dimensionados apenas pelos movimentos de oferta e demanda
do mercado, como ocorre com os preços da banana no final da feira.
No
caso da energia elétrica, os reajustes são autorizados pelo governo, por
intermédio da agência reguladora do sistema, a Aneel. Para o que se refere aos
derivados do petróleo, os reajustes são definidos pela política de “preço de
paridade internacional”, estabelecida também pelo governo federal. Os aumentos
na Selic não promoveram nenhuma alteração nas tarifas nem nos valores de
produtos como a gasolina, o diesel ou o gás de cozinha. Se a intenção era mesmo
atenuar o impacto de tais aumentos de preços nos índices inflacionários, o
caminho seria a redução dos mesmos também por decisão governamental.
COPOM destruidor: Selic nas alturas
Quanto
aos alimentos, as razões podem ser buscadas igualmente no desmonte liberaloide
praticado pelo superministro da economia. Paulo Guedes decidiu por eliminar os
instrumentos que o Estado brasileiro ´possuía há décadas para acompanhar e
intervir nos mercados de produtos agrícolas, quando necessário. Trata-se da
conhecida e estratégica política de estoques reguladores, por intermédio da
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), para que o governo possa atuar
sobre a oferta e a demanda de alimentos e evitar os riscos de desabastecimento,
em razão de movimentos de especulação e de crises associadas à sazonalidade ou
a eventos climáticos inesperados.
Com
a opção pela política do “liberou geral” também no setor, a administração
pública fica de mãos atadas para intervir e regular o mercado de alimentos, que
passa a ser objeto de elevações de preços em seus produtos. Aqui tampouco é
suficiente a elevação da Selic para acomodar as forças em busca de algum tipo
de equilíbrio. Assim, o que se viu foi a continuidade do crescimento dos
índices inflacionários apesar da impressionante escalada altista da taxa
referencial de juros. O resultado foi a manutenção severa dos efeitos
recessivos provocados pelo arrocho monetário, ao passo que o fenômeno que se
pretendia atacar, a inflação, permaneceu praticamente inalterada ao longo do
período.
Essa
abordagem do fenômeno econômico vai na contramão das necessidades de retomada
urgente do crescimento do ritmo das atividades de uma forma geral e também da
implementação de um programa nacional de desenvolvimento. Para que isso se
torne realidade, é necessária uma política monetária fundada em outras bases,
em que o patamar da Selic esteja bem abaixo do atual. Além disso, o próprio BC
precisa atuar de forma incisiva como órgão fiscalizador e regulador do sistema
financeiro. Para tanto, é fundamental que ele aja de forma exemplar no controle
dos “spreads” praticados pelas instituições financeiras, bem como na punição de
práticas abusivas associadas às tarifas e demais cobranças pelos serviços oferecidos
aos clientes. Para tanto, o governo pode também se utilizar dos grandes bancos
públicos, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco da
Amazônia, o Banco do Nordeste e o BNDES.
Novo governo e a política monetária
A
aprovação da independência do BC, por meio da Lei Complementar nº 179 em 2021,
criou uma dificuldade adicional para o próximo Presidente da República. Por
meio de alguns dispositivos introduzidos na legislação, os dirigentes da
instituição passaram a contar com mandato fixo de 4 anos. O pior é que esse
mecanismo foi estendido para os atuais diretores. Assim, o próximo governante
terá que conviver com os integrantes da direção do órgão – que são também os
próprios integrantes do Copom – e que foram nomeados pela dupla Guedes &
Bolsonaro. Um absurdo!
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Brasil
Isso
significa que está montada uma bomba com alto poder de sabotagem, no âmbito da
política monetária ao menos, sobre qualquer tentativa de retomada de um projeto
desenvolvimentista. Isso pela simples razão de que esse tipo de programa
pressupõe uma mudança significativa na forma do financiamento público das
necessidades de investimento e também na política de formação dos custos
financeiros de uma forma geral na economia e na sociedade. Para tanto, o
governo precisa contar com os responsáveis pela política monetária como
parceiros nesse projeto de nacional e não como adversários.
Porém,
o fato é que os representantes do sistema financeiro e das elites do
capitalismo de uma forma geral também parecem estar se dando conta da
inviabilidade eleitoral da aventura da terceira via. Aqueles que não pretendem
apostar mais uma vez no desastre que representou o governo da intolerância e do
genocídio não têm outra alternativa que não seja apoiar ou aceitar a eleição de
Lula. Mas não o fazem de forma passiva. Pressionam de todas as formas para
obter algum compromisso do ex presidente quanto à manutenção da essência da
política econômica de Paulo Guedes, em especial no que se refere à preservação
da austeridade fiscal e ao compromisso com a política de teto de gastos.
Articulam
para que o futuro governo não leve em frente a revogação das medidas
destruidoras dos direitos dos trabalhadores e apresentam balões de ensaio sobre
nomes de perfil conservador para ocuparem postos na área econômica a partir de
janeiro próximo. Os grandes meios de comunicação mal conseguem esconder os seus
receios e retomam suas tentativas de “lobby” explícito em prol de uma solução
que tenha o sentido da preservação do poder do financismo. Pululam editoriais e
matérias com tintura de chantagem e aroma fétido de ameaça.
A
coligação da chapa Lula e Alckmin recebeu o nome de “Brasil da Esperança”.
Ampla em sua composição, ela se formou na tentativa de encerrar de forma
definitiva o ciclo da extrema direita autoritária e golpista em nosso País. Mas
ela também carrega o significado de recuperar o tempo perdido, os sonhos
enterrados e os diretos aniquilados. Reconstruir tudo aquilo que foi seriamente
destruído ao longo dos últimos quatro anos implica a mudança radical na
orientação da política econômica. E a trajetória futura da Selic deve se
acomodar a essa nova realidade.
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reta final e a ameaça de golpe https://bit.ly/3LyctaB
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