O macaco eletrônico
Pedi ao chat GBT a
minha biografia. Deu-me um conjunto de dados insípidos, roubados à Wikipedia e
a outras fontes. Era um texto cheio de erros
José Eduardo Agualusa/O Globo
Nas últimas semanas
li muitos artigos vaticinando o fim dos jornalistas, dos colunistas, e até dos
romancistas, como consequência do desenvolvimento de ferramentas de
inteligência artificial. O motivo para tanta excitação é um utensílio
desenvolvido pela OpenAi, o Chat GPT (Generative Pre-training Transformer), que
fornece respostas rápidas a quase todo o tipo de questões, e que qualquer
pessoa pode consultar.
Depois de ler várias
crônicas total ou parcialmente escritas pelo Chat GPT, decidi experimentar.
Como sou simultaneamente muito otimista e muito preguiçoso, em vez de ficar
inquieto, pensei que poderia imitar os meus colegas e deixar que o Chat GPT
escrevesse esta coluna. Eu aproveitaria para tomar sol no pátio, lendo o
novíssimo romance de Wole Soyinka, “Crônicas do lugar do povo mais feliz da
Terra”.
Infelizmente, tenho
más notícias: não consegui tomar sol, e fui forçado a adiar, uma vez mais, a
leitura do novo romance do Nobel nigeriano. O que quero dizer é que todos os
parágrafos desta coluna são da minha autoria.
Sim, é verdade que o
Chat GPT escreve num português correto e escorreito. Não detectei nele,
contudo, sinais de inteligência nem remotos vestígios de criatividade. Tampouco
me pareceu confiável. Pior: tenho conhecido matemáticos com mais sentido de
humor.
Em 1913, um desses
matemáticos, o francês Émile Borel, imaginou uma experiência mental que ficou
conhecida como o Teorema do Macaco Infinito. Imaginemos um macaco diante de uma
máquina de escrever (isto era em 1913, agora pode ser diante do teclado de um
computador), digitando ao acaso. Segundo Borel, se o deixarmos estar lá por um
tempo infinito, em algum momento ele redigirá as obras completas de
Shakespeare.
O Chat GPT é esse
macaco, com acesso a uma quantidade quase ilimitada de informação, e a um tempo
que não é o nosso — um tempo infinito. Além disso, conhece muito bem as regras
das línguas em que escreve. O que ele faz é recolher e reorganizar a informação
de que dispõe. Apenas isso.
Para testar a
fiabilidade do Chat GBT, pedi-lhe que redigisse o meu obituário. Recusou-se,
alegando que eu ainda não havia morrido, e que, além disso, não conseguia
aceder a dados de um tempo futuro. Pedi-lhe então a minha biografia. Deu-me, em
poucos segundos, um conjunto de dados insípidos, roubados à Wikipedia e a
outras fontes duvidosas. Era um texto cheio de erros. Devo reconhecer, a favor
do Chat GBT, que alguns desses erros me pareceram muito generosos e
lisonjeiros.
A seguir, decidi
testar a criatividade do Chat GBT, pedindo-lhe para inventar neologismos, a
partir de determinadas palavras. Cumpriu a missão, mais uma vez num piscar de
olhos, mas sem o menor brilho. Os meus filhos, na época em que estavam
aprendendo a falar, saíram-se sempre muito melhor. Lembro-me de alguns desses neologismos
produzidos por eles: hematombo (um hematoma resultante de uma queda);
desespantado (o sujeito irritantemente cético); ou armadilhoso (aquela pessoa
cheia de artimanhas).
Resumindo: não será
ainda este ano que o Chat GBT me rouba o emprego. Em contrapartida, não sei
quando conseguirei ler o Wole Soyinka.
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