O mais trágico 1º de abril da história
Enio Lins www.eniolins.com.br
Completam-se 59 anos do golpe militar de 64 neste fim de
semana, sendo o 1º de abril o dia exato da ruptura constitucional, posto que
até aquela data não havia mudança na posse do poder, apesar das movimentações
militares.
No dia anterior, o general Olímpio Mourão Filho
deslocou sua tropa de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, num ato de
indisciplina e quebra da hierarquia, que teve o apoio do governador de Minas
Gerais, o banqueiro Magalhães Pinto.
O primeiro dia de abril de 1964 amanheceu com uma
decisão crucial nas mãos do presidente da República, João Goulart: ordenar o
contra-ataque militar aos insubordinados ou deixar o poder. Jango, empresário
rural pacifista e trabalhista, decidiu “não derramar sangue”.
Em reuniões com seus aliados militares e civis,
Jango foi aconselhado a se deslocar até o Rio Grande do Sul - seu
estado natal e onde seu cunhado, Leonel Brizola, era a principal liderança
-, pois corria risco de vida em Brasília ou no Rio de
Janeiro.
Na condição de Presidente da República, João Goulart
voou para Porto Alegre numa aeronave militar pilotada pelo Brigadeiro Othon
Correia Neto, alagoano da Viçosa e herói da II Grande Guerra (com seu avião
abatido na Itália, foi prisioneiro dos nazistas).
Jango havia decidido não reagir militarmente, apesar
de continuar com apoio de parte das forças armadas, pois sabia que a deserção
era grande e que os golpistas teriam o apoio de tropas americanas, cuja marinha
deslocara navios de guerra para a costa brasileira.
Ao longo do dia 1º de abril, o que restava de
apoio militar à Constituição foi se desidratando e o golpe se
consolidou; no dia 2 de abril, ilegalmente, o presidente do Congresso
Nacional, senador Auro de Andrade, declarou a presidência da República vaga, empossando o presidente da Câmara dos Deputados.
Ranieri Mazzilli, deputado e presidente da Câmara
Federal, aceitou o papel de fantoche e ficou formalmente no cargo até o dia 15
de abril, enquanto o pau quebrava entre os verdadeiros donos do poder, os
militares, que não se entendiam entre si.
Divididos e subdivididos em várias quadrilhas e
bandos, os militares golpistas demoraram a chegar a um acordo para escolher
quem deles ocuparia a presidência e o primeiro nome a ser descartado foi
exatamente o do golpista número um: General Mourão Filho.
As lideranças civis golpistas, que chegaram a
pensar que ocupariam o poder, foram descartadas também de chegada, só ficando
nas boas graças os paisanos que baixaram o lombo e aceitaram a canga militar.
Golpistas civis de primeira hora, lideranças
expressivas e donas de voto, foram escanteadas, sendo a principal rasteira dada
em Carlos Lacerda, governador da Guanabara e direitista (esquerdista na
juventude) brilhante.
Da guerra interna, e nem tão silenciosa assim,
travada nas casernas para saber quem entre os fardados insubordinados cingiria
a faixa presidencial usurpada, emergiu o general Humberto de Alencar Castelo
Branco, até então discreto em suas ações.
Cearense, Castelo Branco era também pracinha,
integrante da FEB, e representava as alas menos violentas entre os subgrupos
golpistas, enquanto o general Costa e Silva tinha sido o nome apoiado pelos
mais trogloditas.
Desde o 1º de abril uma coisa ficou clara: aos
civis que apoiaram a quartelada, apenas papéis decorativos. O mineiro José
Maria Alkmin foi escolhido vice de Castelo Branco, no próximo mandato a
marionete da vez foi Pedro Aleixo.
Pedro Aleixo se desmoralizou duplamente, pois além
de ser vice decorativo, foi destituído sumariamente quando o então
presidente-general Costa e Silva sofreu um enfarto, em agosto de 1969, e a
presidência passou a ser ocupada por uma junta militar.
Para encurtar este relato (velho conhecido da
maioria de vocês), os golpistas militares ficaram 21 anos no poder
discricionário, e ao longo desse tempo cometeram muitas barbaridades,
derramaram muito sangue, levaram muita grana, silenciaram as denúncias.
Todas as ocorrências de corrupção ao longo dessas
duas décadas foram mantidas no silêncio mais absoluto, embora vazassem notícias
sobre assassinatos e torturas cometidas nos porões da ditadura – era a
disseminação do clima de terror.
Não só civis foram vítimas da ditadura, e cerca de
seis mil militares discordantes do golpe foram punidos de várias formas, como
exclusão, reforma, prisão, e até tortura e morte – com essas ações mais
violentas destinadas aos fardados que resistiram armados.
Oficialmente, entre civis e militares, 434 pessoas
foram mortas e desaparecidas nesse período de trevas. Pessoas presas e
torturadas não têm ainda um número exato levantado, e os trabalhos das
Comissões da Verdade foram suspensos entre 2019 e 2022.
Resumindo: pense num primeiro de abril demoníaco!
Que não se repita nunca mais.
Apesar de tudo, a poesia sobrevive https://bit.ly/3Ye45TD
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