12 abril 2025

Margem equatorial

Brasil tem condições de explorar Margem Equatorial de forma segura
Para José Bertotti, especialista ambiental, tanto a extração de petróleo como a de terras raras deve considerar interesses estratégicos para o país e aspectos socioambientais
Priscila Lobregatte/Vermelho 

País de grande riqueza sobre e sob o solo, o Brasil vive um dilema que, embora não seja novo, é crucial para seu futuro, tanto do ponto de vista socioeconômico quanto ambiental. Abundante em natureza e biodiversidade, o território nacional tem também grandes reservas de petróleo e minerais de terras raras de enorme potencial. A questão central, nesse caso, é a necessidade de atender aos interesses de crescimento e soberania nacional, tendo, ao mesmo tempo um olhar ambiental e socialmente responsável. 

Atualmente, há ao menos duas frentes que vêm levantando essa questão com mais força junto às autoridades, empresas e sociedade: a exploração de petróleo na Margem Equatorial, na região amazônica, e a mineração de metais raros em pontos diversos do país. Estudos de viabilidade desse tipo de mineração estão em execução em Araxá e Morro do Ferro (MG), Serra Verde (GO), Pitinga (AM) e Prado (BA).

Em meio a essas possibilidades de exploração, também estão colocados pontos importantes como o enfrentamento às mudanças climáticas — o que envolve temas como a preservação ambiental e a transição energética —, os direitos de indígenas e comunidades locais e a soberania energética brasileira, bem como o desenvolvimento econômico e social. 

Margem Equatorial

A Margem Equatorial é uma região de 2,2 mil quilômetros na costa brasileira que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte. Especialista em exploração em águas profundas, a Petrobras vê o local como uma das áreas mais promissoras para novas descobertas de petróleo e gás. 

Conforme o Ministério de Minas e Energia, a Margem Equatorial pode ser o novo pré-sal. “A expectativa é de reservas de 10 bilhões de barris de petróleo. Para o desenvolvimento da produção, devem ser investidos R$ 280 bilhões com geração de 350 mil empregos. As participações governamentais são estimadas em mais de R$ 1 trilhão”, aponta a pasta.

Ainda de acordo com o MME, a exploração da região deve injetar US$ 56 bilhões em investimentos na economia, além de US$ 200 bilhões em arrecadações estatais. 

Além dessa questão, de acordo com estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), se não houver novos investimentos e descobertas, o Brasil pode voltar a depender de importações de petróleo a partir do final da década de 2030.

Para que seja possível explorar a região, a Petrobras tenta obter o aval do Ibama desde 2022. Em 2023, o órgão ambiental negou pedido de licença ambiental. 

Entre os motivos apontados estão os riscos de impacto à biodiversidade (considerando que o o local tem o Grande Sistema de Recifes do Amazonas e a maior zona contínua de manguezais do mundo); dificuldades de respostas emergenciais em caso de vazamento (já que a base mais próxima da estatal fica em Belém (PA) a mil quilômetros da área); impactos nas comunidades indígenas e obstáculos técnicos devido às fortes correntezas nesse local. 

Em resposta às exigências feitas pelo Ibama, a Petrobras concluiu, no início do mês, a Unidade de Atendimento e Reabilitação de Fauna, em Oiapoque (AP), um polo de atendimento veterinário a animais resgatados.

De acordo com a petrolífera, projetos socioambientais também estão sendo planejados. “Para isso, atuamos junto às comunidades locais e aos povos tradicionais da região, e temos recursos, estruturas e equipes dedicadas à prevenção de acidentes e à preservação da vida e do meio ambiente”, explica. 

Terras raras

Outra importante fonte de riqueza contida no solo brasileiro são os minerais conhecidos como terras-raras, um conjunto de 17 elementos químicos que, apesar de abundantes, são encontrados em baixas concentrações e demandam um complexo processo de extração e separação. 

Parte considerável desses minerais é aplicada em produtos ligados à transição energética — entre os quais carros elétricos, parques eólicos, além de televisores e celulares, entre outros —, o que torna o seu potencial de demanda cada vez mais alto.

Atualmente, a China detém cerca de 40% das reservas mundiais (com 44 milhões de toneladas) e 70% da produção, enquanto todo o monopólio asiático ultrapassa 90%. 

O Brasil tem a terceira maior reserva de terras raras do mundo — ao lado da Rússia, com 21 milhões de toneladas, mas responde por apenas 0,02% (80 toneladas) da produção mundial que é de 350 mil toneladas, segundo informações da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

De acordo com o Ministério de Minas e Energia, o Brasil pode se tornar um dos cinco maiores produtores de terras raras do mundo nos próximos anos. 

Mas, como em outros processos de mineração, este também envolve riscos de contaminação do solo e das águas, de aumento do desmatamento, de perda de biodiversidade e de degradação da terra. 

Segundo o MME, a pasta tem buscado “conhecer o potencial produtivo e as peculiaridades das características socioeconômicas e ambientais dos projetos de mineração, garantindo que a atividade seja segura, sustentável e que traga desenvolvimento social com geração de empregos, impulsionando a competitividade do Brasil”. 

Conservação e desenvolvimento

Em meio ao dilema entre conservação ambiental e desenvolvimento, José Bertotti, professor e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ex-secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do estado, argumenta que, no caso da Margem Equatorial, se a Petrobras cumprir com as regras estabelecidas pelo Ibama para obter o licenciamento, “nós temos condições de fazer uma exploração de maneira segura”. 

Considerando o desenvolvimento desigual que houve ao longo de todo o século 20 — com os países do Norte crescendo à custa de alto consumo dos recursos naturais em detrimento do Sul —, o professor põe em xeque argumentos contrários a esse tipo de exploração. “É justo que esses países em desenvolvimento tenham de contribuir com mesma cota para a diminuição do consumo de energia, se eles ainda não chegaram nem perto do que é o gasto nos países desenvolvidos?”, questiona.

Além disso, lembra que o Brasil já contribui diretamente para a melhora na emissão de poluentes. “Nosso país fez o que os países do Norte global não fizeram e tem uma capacidade de produção de energia renovável que ninguém tem hoje no planeta; 96% da nossa energia elétrica é de fonte renovável. E mesmo nos combustíveis fósseis, adicionamos biodiesel e álcool numa quantidade que ninguém consegue colocar”, pondera.

Ele acrescenta que hoje o consumo de energia fóssil (petróleo e carvão) — que corresponde a 80% da matriz energética do planeta — é um dos principais causadores do aquecimento global. “Enquanto isso, no Brasil, 46% é de energia fóssil e 54% é de energia renovável”, diz.

Segundo ele, “não há hoje segurança energética no planeta para o atual padrão de consumo e a necessidade de desenvolvimento”. Por isso, acrescenta que mesmo com o Brasil cumprindo, em parte, a substituição dos combustíveis fósseis por renováveis em estágio mais adiantado do que é a média mundial, o país também precisa de segurança energética. 

Nesse sentido, Bertotti defende que o Brasil “continue investindo em energia renovável, avançando na solar, na eólica, nos biocombustíveis, mas mantendo reserva de petróleo”.

No caso das terras-raras, o professor diz que o Brasil deve explorar esses recursos, desde que sejam levados em consideração aspectos ambientais e a vida das comunidades locais e tenha como base num planejamento estratégico inserido nos objetivos de desenvolvimento da nação.

“É preciso fazer um cálculo de custo-benefício, e nessa conta não pode entrar apenas o lucro. Você tem de levar em consideração as comunidades tradicionais, os territórios protegidos, a necessidade não só da conservação, como da preservação ambiental e, principalmente, a qualidade de vida da população brasileira”, conclui.

Leia: O PIB, o mercado e o povo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/minha-opiniao_4.html

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