Perdemos
800 bibliotecas: o ataque deliberado à cultura
Miséria do país atinge os
equipamentos culturais: em cinco anos, centenas de bibliotecas públicas
fecharam – 538 em SP e 160 em MG. Desprezo pelas ideias soma-se a políticas de
corte de verbas e resulta em retrocesso assustador
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação, Sul 21
O Brasil perdeu quase 800 bibliotecas públicas entre 2015 e 2020, de
acordo com dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), mantido
pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo. Para o ex-diretor
da Biblioteca Mário de Andrade e ex-coordenador do Programa Nacional do Livro e
da Leitura, José Marques Castilho Neto, trata-se de uma política deliberada de
destruição do direito à leitura para todos e todas.
Neto, que também é professor e consultor para políticas públicas de
leitura, disse não estar surpreso com a notícia de que eram 6.057 bibliotecas
públicas no Brasil e que agora são 5.293, mesmo com o Plano Nacional de
Cultura, que tem como uma das metas “garantir a implantação e manutenção de
bibliotecas em todos os municípios brasileiros”, e a Lei 13.696/2018, que
institui a Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE), abandonados pelo
governo atual.
“Com a notória política
destrutiva dos governos que se seguiram à derrubada da presidente eleita Dilma
Rousseff, principalmente a partir do governo Bolsonaro, não bastava apenas não
manter bibliotecas, era preciso forçar o fechamento das existentes”.
Ele afirma ainda que o
governo federal tem posições regressivas e contra a cultura. “O governo federal
extinguiu programas de incentivo, arrasou as estruturas de governança nos
ministérios e nomeou títeres ideológicos que se preocupam apenas a vociferarem
contra os que não concordam com suas posições regressivas, anticultura,
antieducação, anti-ciência. Isso é o que eles chamam de “guerra cultural” que,
como toda guerra, só se preocupa em destruir e nada constrói”, destacou.
Bibliotecas públicas são
aquelas mantidas pelos municípios, Estados, Distrito Federal ou governo
federal, que atendem a todos os públicos. São consideradas equipamentos
culturais e, portanto, estão no âmbito das políticas públicas do governo
federal.
O número de bibliotecas
fechadas pode ser ainda maior, devido à atual fragilidade do Sistema Nacional
de Bibliotecas Públicas, após a extinção do Ministério da Cultura, e da falta
de controle efetivo pelos sistemas estaduais, cujos dados alimentam o sistema
nacional.
A bibliotecária e
vice-presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep),
Luciana Melo (Luba), diz sentir tristeza em pensar que neste país há uma
narrativa em curso pela valorização das armas e condenação aos livros.
Para ela, vivemos em uma
conjuntura difícil para as políticas públicas e a cultura tem sido atacada
inúmeras vezes neste governo. Isso passa pelo fim do Ministério da Cultura em
2019. Vetos de Bolsonaro à Lei Aldir Blanc 2 e à Lei Paulo Gustavo, importantes
leis de fomento à cultura.
“Recentemente Bolsonaro, ao
atacar Lula, disse que ele iria transformar clubes de tiros em bibliotecas,
desqualificando este importante equipamento público que hoje é mantido pelos
municípios, estados, governo federal e atendem a população de forma gratuita.
Fica evidente a falta de interesse e valorização desses equipamentos pelo atual
governo”, ressalta Luba.
Segundo Neto, como
professor, como leitor, como cidadão, existe um sentimento de revolta ativa
contra todo o obscurantismo e regressão que significa o ato de fechamento das
bibliotecas e toda tentativa de barrar o direito à leitura das crianças, dos
jovens e dos adultos.
“Sinto também um misto de
vergonha pelo desprezo que boa parte de nossa sociedade civil e grande parte da
elite econômica brasileira têm para as graves questões que envolvem a leitura,
o letramento, a alfabetização e o acesso a todas as formas de leituras que
temos no Brasil”, ressalta.
O professor disse que a
biblioteca de acesso público é um organismo vivo que tem que fazer renascer e
cumprir seu papel formador e agregador, como fazem muitas e exemplares
bibliotecas públicas, escolares e comunitárias que resistem à destruição de
seus valores e missões.
“Para as trabalhadoras e
trabalhadores da educação, uma biblioteca viva deveria ser o centro, a essência
de seu aprendizado permanente, por toda a vida, fonte de recursos de saber,
centro de convivência com seus pares e seus estudantes, fonte de interação
social com a comunidade local e com as famílias dos discentes. Enquanto não
entendermos que as leituras e as escritas são as chaves para todos os outros
direitos humanos na sociedade contemporânea, o nosso país seguirá subalterno,
com baixa autonomia e sustentabilidade perante o mundo globalizado”, finaliza.
Minas Gerais e São Paulo lideram em números de bibliotecas
públicas fechadas
Das 764 bibliotecas públicas
fechadas em cinco anos, 91% estavam localizadas nos Estados de São Paulo e
Minas Gerais, sendo em sua maioria bibliotecas municipais. São Paulo tinha 842
bibliotecas públicas em 2015, segundo o SNBP, número que caiu para 304 em 2020,
com a perda de 538 unidades em cinco anos. O montante representa 70% de todas
as bibliotecas fechadas no país no período.
Leia
também: Como o Orçamento Secreto prejudicou diretamente 18 programas do MEC https://bit.ly/3zvl3CF
Luba explica que o estado de
SP vivencia uma onda conservadora, retrógrada há alguns anos. Ela lembrou da
medida absurda e autoritária do então prefeito de SP, João Dória (PSDB) com o programa
“Cidade Linda”, em que mandou pintar o maior mural de grafite da América
Latina. Destruindo obras incríveis. Segundo ela, só com este histórico já dá
para ter uma ideia do que foi seu governo no estado de SP nos anos seguintes.
“Em 2019 o estado de SP
viveu um ‘contingenciamento’ de R$148 milhões do orçamento da cultura, além da
ameaça de corte a projetos em diversas cidades. Neste cenário não me surpreende
que o estado seja um dos que mais fechou bibliotecas no país”.
Em nota a CNN, a
Secretaria Especial de Cultura alegou possível confusão nos dados, agora
atualizados:
Agradecemos os
questionamentos. Esse nosso diálogo é fundamental para esclarecer algumas
dúvidas em torno dos dados e dos números sobre as bibliotecas, que por vezes
exigem considerações e comentários mais aprofundados.
Consta que os dados de
2015 apontavam 6.120 bibliotecas públicas em funcionamento. E que, em 2020,
esse número passou a ser de 5.914. A impressão imediata é de que muitas
bibliotecas fecharam, desapareceram, deixaram de existir.
É importante notar,
porém, que a diminuição do número de registros de bibliotecas públicas não
corresponde, necessariamente, à redução física dessas mesmas bibliotecas. Em
muitos casos o problema está no registro da informação. Mesmo o número real das
bibliotecas públicas fica na expectativa dos informativos que os estados da
federação nos enviam, e dos quais depende, de forma mais imediata e apurada, o
recolhimento dessas informações.
Por exemplo, por alguma
imprecisão nos registros do sistema estadual de SP, os dados de 2015 acabavam
compreendendo não só as bibliotecas públicas, mas também as comunitárias, as
especializadas, escolares, que acabam fugindo à competência do SNBP: em SP, de
606 registros apenas 304 diziam respeito a bibliotecas públicas naquela data. O
Estado de SP foi o que mais chamou atenção, mas também outros estados continham
imprecisões desse tipo.
Essas imprecisões foram
corrigidas posteriormente.
E então pudemos ter uma
percepção mais clara sobre o número de registros específicos de bibliotecas
públicas, conforme os estados nos repassaram. Essa atualização da série
histórica, feita em 2020, se insere agora num contexto de revisão bianual
implementada na época, com a segunda delas a ocorrer agora, no segundo semestre
de 2022.
Ficamos assim à
disposição para mais esclarecimentos.
Veja: Literatura: uma agulha na estupidez https://bit.ly/3Pz31ot
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