Entardecer
“O livro, Saber Envelhecer. Enaltece o conhecimento e as práticas de virtudes como caminhos para a dita qualidade de vida.”
Abraham B. Sicsú/Vermelho
Recebo bem cedo. Segunda de madrugada. Poesias, esta semana, dedicadas a um grande filósofo e poeta. O texto começa assim: “E Antonio Cícero (1945-2024), por ação deliberada, nos deixou em respeito a uma vida com qualidade”.
O que é uma vida com qualidade? Como suportar as limitações que a idade nos traz? Como as pessoas deixam de se julgar desprezadas ou rabugentas na idade avançada? Como podemos ser menos menosprezados com nossas deficiências inerentes?
Muito me faz pensar, traz velho dilema que sempre me atormentou. Vou ler um filósofo romano, Marco Túlio Cícero. Coincidência. Viveu no segundo século de nossa era. O livro, Saber Envelhecer. Enaltece o conhecimento e as práticas de virtudes como caminhos para a dita qualidade de vida.
Procura responder aos quatro aspectos que atormentam o idoso: afastamento da vida ativa; os sinais que o corpo dá ao envelhecer; a privação dos prazeres pela própria constituição física; a proximidade da morte como fantasma permanente.
Sua análise é sempre otimista, sem negar as dificuldades, procura apontar caminhos que lhe foram importantes para uma idade avançada, a arte de envelhecer com felicidade está na busca de prazeres outros com a consciência das limitações existentes, limitações que se apresentam em qualquer fase da vida, na infância, na adolescência, na vida adulta, porque não na idade avançada, evidentemente de maneira diferenciada.
Uma visão de mundo em que procura tornar natural a possível ociosidade ou sua substituição por outras formas de conviver, o declínio da memória, o viver do passado como se fosse uma época de glória, a rabugice que nos é inerente ao passar dos anos e a falta de paciência. Nisso tudo procura buscar uma velhice com sentido, com os atributos que temos, com a experiência que nos permite compreender melhor o que ocorre, ou o que poderá acontecer.
É um discurso em que se minimizam os problemas concretos. Talvez seja a época de desacelerar, de viver e compreender os detalhes, a contemplação, um mundo menos competitivo mais participativo.
Contenta-se com coisas que eu discordaria muito. Por exemplo, evitar banquetes por terem como conseqüência indigestões, ou mesmo a bebida e o reino de Baco por poderem nos levar a embriaguês. Mesmo a diminuição do desejo sexual em que vê vantagens para uma vida mais adequada às diminuições de atributos físicos que a vida traz. Essas ele não questiona, apenas as assume.
Também, aponta as dificuldades que temos no que pode nos dar maior prazer como as conversas demoradas, frente ao rareamento de amizades. Isso, algo concreto, o velho se torna um “chato”, quer prolongar as falas e explicações, num mundo em que a pressa é a característica mais objetiva da civilização ocidental desde priscas eras. Mundo ideal, construído pelo grande filósofo romano.
Não tendo uma visão em que apenas o belo se apresenta, acredito haver muitas limitações e problemas a enfrentar.
Deixar a vida ativa que tivemos não é fácil. Fundamental encontrar outras rotinas que nos façam sentir útil. Outras atividades, uma boa escrita, o cozinhar, a arte, ou mesmo um bom jogo de gamão ou dominó.
As limitações físicas são patentes. Dores que não se vão, esforços que não podemos mais realizar, memória que nos abandona. Tratar com naturalidade não é fácil.
Limitações que, se não tratadas com naturalidade, podem impedir de festejar a vida como se gosta, seja numa mesa, seja num bar, seja na cama, algo que temos que nos acostumar ou nos levam a sentir menos gente.
A morte presente não abandona. O medo, não só de deixar esta vida, mas também de ter um fim prolongado artificialmente, de desamparar pessoas queridas, o desejo de poder ter um fim digno, como Antônio Cícero optou, se for preciso. A confusão permanente em nossas cabeças.
Obstáculos que temos que enfrentar e com os quais procurar conviver. Não apenas vendo o lado positivo que o filósofo ressalta, mas, também, procurando caminhos que façam tornar mais amena essa fase, inclusive prazerosa.
Situação que precisa de convivência. Participo de um grupo de aposentados que muito me ajuda. Cada qual com seu modo de vida, com seus valores. Cada qual com seus caminhos próprios nessa fase de vida. Uma coordenação que orienta e textos para análise.
Estudamos nestes tempos algo de Vedanta. O livro “Valor dos Valores” de Swami Dayananda. Uma análise de versos da Guita.
A busca de orientações que possam nos nortear em época de vida complexa. Vinte valores que nos são apresentados. Os dois mais recentes me marcam como norte para um estilo de vida. Não Violência e Acomodação, este último, não no sentido pejorativo ou negativo, mas na busca de compreender a realidade e nela se posicionar com um mínimo de racionalidade.
Ver que as reações e as paixões são humanas em que o instintivo, sem pensar, só leva a desgaste. Fundamental entender os indivíduos e situações, mesmo aquelas que nos são muito desagradáveis e com as quais procuraremos e devemos não conviver. Seres e situações que têm suas lógicas próprias, muitas vezes diferentes das que foram a base da nossa formação. Reagir simplesmente pode levar a uma vida de eternos atritos e de conflitos internos.
Velhice saudável pode levar a afastamentos, sábio aquele que o consegue, sem entrar em constante choque, em constante luta consigo mesmo, mas, nunca deixar de manter grupos, manter maior convívio humano.
Antônio Cícero, uma lição de dignidade, Cícero Filósofo, um otimista que faz pensar.
Para descontrair, o médico-folião https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/minha-opiniao_55.html
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