Chacina no RJ— O modo fracassado de combate ao crime
Governo do RJ repete a velha e fracassada fórmula de combate às organizações criminosas: a carnificina. Direita busca votos empilhando cadáveres.
Editorial do 'Vermelho' www.vermelho.org.br   
A Operação Contenção, realizada pelas polícias Civil e Militar na terça-feira (28) nos complexos da Penha e do Alemão, zona Norte do Rio de Janeiro, a mais letal da história da cidade, é condenável e ineficaz por diversos aspectos. A começar pelo número de mortos, segundo dados oficiais superior a 120, incluindo quatro policiais. As cenas de barbárie, mostradas em imagens e relatadas por moradores, caracterizam a ação como carnificina, uma operação espetaculosa, midiática, de esbanjamento de sangue e violência, realizada de forma amadora, sem planejamento adequado e com meios precários.
A manobra de bloquear a fuga pelo alto da mata que circunda as duas comunidades resultou na grande quantidade de corpos mutilados. E até agora as autoridades não explicaram as razões de terem deixados esses corpos abandonados. Foram resgatados por moradores locais e dispostos na Praça São Lucas, na localidade conhecida por Vila Cruzeiro. É uma prática típica das chacinas recorrentes, conforme denunciou a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). “A política de segurança do Rio é a política da chacina”, afirmou. “É usar o medo e a dor para fazer política eleitoral.”
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu um “trabalho coordenado” que mire a “espinha dorsal do tráfico”. “Não podemos aceitar que o crime organizado continue destruindo famílias, oprimindo moradores e espalhando drogas e violência pelas cidades. Precisamos de um trabalho coordenado que atinja a espinha dorsal do tráfico sem colocar policiais, crianças e famílias inocentes em risco”, escreveu ele nas redes sociais.
Uma iniciativa nesse sentido foi a criação de um “escritório emergencial de enfrentamento ao crime organizado”. O anúncio ocorreu após reunião do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, com o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL). O escritório será coordenado pelo secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor Santos, e pelo secretário Nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo.
O governo do Rio de Janeiro afirmou que a operação foi deflagrada após mais de um ano de investigação e 60 dias de planejamento, tempo que seria suficiente para articulações com o governo federal que resultasse numa operação consistente, com mais meios, efetivos e serviço de inteligência. Mas o governador optou pela aventura e a irresponsabilidade de agir sozinho.
Andrei Rodrigues, diretor-geral da Polícia Federal (PF), informou que segue o trabalho no Rio de Janeiro de investigação de polícia judiciária, no cumprimento das diretrizes fixadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como ADPF das Favelas.
Em abril deste ano, o STF definiu medidas para combater a letalidade policial durante operações da Polícia Militar contra o crime organizado nas comunidades do Rio de Janeiro. O ministro Alexandre de Moraes determinou que Cláudio Castro envie informações para a audiência sobre a ação em 3 de novembro. “O governador deverá apresentar as informações de maneira detalhada na audiência designada”, disse Moraes.
O governo do Rio de Janeiro também ignorou medidas para asfixiar financeiramente as facções criminosas, conforme denunciou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, referindo-se principalmente ao combate às fraudes com combustíveis, uma das principais fontes de financiamento do crime organizado.
“Eu penso que o governador poderia nos ajudar em relação a isso. O governo do estado do Rio tem feito praticamente nada em relação ao contrabando de combustíveis, que é como você irriga o crime organizado”, disse o ministro, complementando que o Ministério da Fazenda está “atuando forte” no Rio de Janeiro para reprimir o financiamento ilegal, atuado junto à Receita Federal e a outros órgãos no bloqueio de esquemas de fraude no setor de combustíveis.
É óbvio que a conduta do governo do Rio de Janeiro não resulta em combate eficiente ao crime organizado. Sua operação deixou, além do rastro de sangue, possíveis vítimas inocentes, pessoas que vivem nas comunidades sem envolvimento com o crime. Além do mais, essas ações combatem apenas o escalão de baixo das organizações criminosas. Passado o espetáculo midiático de violência, rapidamente, como apontam estudos, a facção criminosa recompõe seu efetivo.
Em busca de impacto e de apoio difuso da opinião pública, Cláudio de Castro optou por expor o aparato policial e a comunidade aos riscos previsíveis, conduta apoiada por outros governadores de direita, como Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Ronaldo Caiado (União-GO), que se reuniram remotamente com Cláudio de Castro. Também se manifestaram a favor do massacre os governadores Romeu Zema (Novo-MG), Jorginho Mello (PL-SC) e Mauro Mendes (União-MT).
Na defensiva desde a condenação de Jair Bolsonaro e seus comparsas, e do episódio sobre o tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no qual foram flagrados cometendo crime de traição nacional, o consórcio da direita e da extrema-direita imagina recuperar prestígio popular sob cadáveres.
A vassalagem da direita ao governo Trump, além do tarifaço, se manifesta, também, neste tema, posto que parlamentares bolsonaristas se movimentam para tipificar as facções criminosas como terroristas ou narcoterroristas, o que abriria caminho para o governo estadunidense empreender pressões e agressões contra o Brasil, como faz com outros países.
A hipocrisia desse consórcio fica patente no fato de que eles bloquearam e seguem impedindo a tramitação e aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, protocolada na Câmara dos Deputados em abril, com o objetivo de consolidar um sistema nacional articulado, estável e com financiamento contínuo para enfrentar o crime organizado.
Não resta dúvida de que o direito do povo brasileiro à paz e à segurança pública, imprescindíveis à cidadania, está ferido pela ação das facções criminosas. Segundo o Fórum Nacional de Segurança Pública, essas facções movimentam, conforme dados de 2022, R$ 348,1 bilhões ao ano, dos quais R$ 186 bilhões são de vendas de celulares e golpes virtuais e R$ 146,7 bilhões da venda combustíveis, bebidas, cigarro e ouro. Hoje, apenas um montante minoritário provém do tráfico de drogas. As facções também se incrustaram em diferentes instâncias da gestão pública.
Trata-se de um problema estratégico, posto que o monopólio da força, que pela Constituição deve ser do Estado, foi quebrado. Nos territórios controlados pelo crime, o povo vive sob ameaça, chantagem, violência e roubo permanente, situação de extremo sofrimento e opressão. A maior parte das vítimas é constituída por jovens, negros e pobres. O país também almeja o fim das carnificinas, das matanças que penalizam o povo e mais fortalecem do que debilitam as fações criminosas.
O episódio do Rio de Janeiro demanda uma reação das forças democráticas, populares e progressistas, pela ação do governo federal em conjunto com os governadores no sentido de fortalecer movimento para que o povo tenha direito à paz e segurança pública, pelas armas e instrumentos do Estado Democrático de Direito.
Movimento que deve pressionar o Congresso Nacional para que debata, aprimore e aprove, ainda este ano, a PEC da Segurança Pública e o Projeto de Lei Antifacção de combate às organizações criminosas. Além disso, é preciso que se robusteça os programas e políticas que proporcionem à população das favelas e comunidades um conjunto de direitos sociais e oportunidades de emprego e renda.
[Se comentar, identifique-se]
Leia também: "O inimigo principal" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/10/minha-opiniao_29.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário