28 outubro 2025

Thiago Modenesi opina

LGPD e pesquisa clínica: o potencial estratégico do Nordeste
Com centros de excelência em expansão e custos competitivos, o Nordeste se consolida como nova fronteira para pesquisa clínica ética e segura sob a Lei Geral de Proteção de Dados
Thiago Modenesi/Vermelho  

A implementação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD – Lei nº 13.709/18) representou um marco regulatório fundamental para o Brasil, alinhando o país aos padrões internacionais de privacidade. No setor de saúde e, mais especificamente, no universo da pesquisa clínica, a lei trouxe um novo paradigma, impondo rigor no tratamento de informações sensíveis e exigindo uma revisão profunda de processos.

Neste contexto, compreender os desafios legais hoje e explorar as oportunidades regionais, com destaque para o Nordeste brasileiro, é essencial para o avanço científico e tecnológico nacional, em particular em momentos de crescente investimento público e privado e efervescência econômica.

Os dados de saúde são classificados pela LGPD como “dados pessoais sensíveis”, isso significa que estão sujeitos a um nível de proteção ainda mais elevado. Na prática, qualquer operação envolvendo estes dados, desde o cadastro do paciente em uma clínica até a sua participação em um complexo ensaio clínico, deve observar princípios como ter finalidade específica, na qual os dados só podem ser coletados para uma finalidade determinada e informada ao titular, a necessidade e a minimização, aqui apenas os dados estritamente necessários para atingir a finalidade podem ser coletados e, por fim, o consentimento, em regra, o tratamento de dados sensíveis exige o consentimento livre, específico, informado e inequívoco do titular.

Na pesquisa clínica, esses princípios se desdobram em exigências práticas complexas. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), já uma peça central da ética em pesquisa faz tempo, agora deve incorporar as disposições da LGPD. Ele precisa informar de forma clara e acessível qual a finalidade da pesquisa e como os dados serão utilizados, com quem os dados poderão ser compartilhados (patrocinadores, CROs, autoridades reguladoras), por quanto tempo os dados serão armazenados e os direitos do participante, incluindo o de revogar o consentimento e solicitar a exclusão de seus dados, observadas as hipóteses legais de manutenção dos registros.

Além do consentimento, a LGPD prevê outras bases legais para o tratamento de dados sensíveis na pesquisa, como o cumprimento de obrigação legal ou regulatória (como a submissão de dados à Anvisa) e a realização de estudos por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados.

Não são poucos os desafios legais práticos na pesquisa clínica, aqui elencamos alguns destes:

1.⁠ ⁠Anonimização X Pseudonimização: a anonimização (processo irreversível que impossibilita a identificação do titular) é a forma mais segura de proteger a privacidade. No entanto, na pesquisa clínica, muitas vezes é necessário rastrear os dados por questões de segurança do paciente ou validação dos resultados, utilizando a pseudonimização (substituição do identificador por um código). Gerenciar esse equilíbrio é um desafio técnico e legal constante;

2.⁠ ⁠Transferência Internacional de Dados: muitos ensaios clínicos são patrocinados por empresas multinacionais, exigindo a transferência de dados para fora do Brasil. A LGPD exige que o país de destino ofereça um nível adequado de proteção ou que sejam adotadas garantias específicas, como cláusulas contratuais padrão. Isso demanda uma análise jurídica cuidadosa para cada estudo;

3.⁠ ⁠Segurança Cibernética: a centralidade dos dados digitais na pesquisa moderna exige investimentos robustos em segurança da informação para prevenir vazamentos e ataques cibernéticos, que podem resultar em multas milionárias e danos reputais irreparáveis;

4.⁠ ⁠Governança e Responsabilidade: a lei estabelece a figura do Controlador (o patrocinador ou a instituição de pesquisa) e do Operador (as clínicas, laboratórios). A definição clara de papéis, responsabilidades e a implementação de um Programa de Governança em Privacidade são imperativos para a conformidade.

Aqui cabe destaque ao Nordeste e seu potencial como uma oportunidade estratégica. Enquanto os grandes centros do Sudeste concentram a maior parte da infraestrutura de pesquisa do país, a região Nordeste emerge com um potencial único e estratégico, que pode ser amplificado pela adesão rigorosa à LGPD.

O Nordeste é uma região com ⁠Centros de Excelência em expansão, contando com hospitais universitários e instituições de ensino e pesquisa de renome (como o IMIP/PE, o Hospital São Rafael/BA e diversas universidades federais) que já possuem Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) consolidados e estão se adaptando às exigências da LGPD. Investir nessa infraestrutura local é mais eficiente e gera desenvolvimento regional.

Nessa região o custo operacional é mais competitivo, a realização de pesquisas clínicas no Nordeste pode ter custos significativamente menores do que nos grandes centros do eixo Rio-São Paulo, sem comprometer a qualidade científica. Isso atrai patrocinadores e torna a região um polo atrativo para investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento.

E o ⁠fortalecimento da confiança através da LGPD, aadoção transparente e rigorosa da LGPD pelas instituições nordestinas pode se tornar um diferencial competitivo ao demonstrar um compromisso inabalável com a privacidade e a ética, essas instituições constroem uma relação de confiança não apenas com os participantes locais, mas também com patrocinadores internacionais, que buscam ambientes regulatórios seguros e previsíveis.

A LGPD não é um obstáculo para a pesquisa clínica, mas sim um pilar para sua evolução ética e sustentável. Ela força uma maturidade gerencial e uma transparência que, em última análise, protegem os participantes, as instituições e a integridade científica.

Para o Nordeste, este momento é uma janela de oportunidade. A região tem todas as condições de se transformar em um hub nacional de pesquisa clínica de excelência, desde que haja um esforço coordenado entre instituições de pesquisa, governo federal, governos estaduais e a iniciativa privada para capacitar profissionais (pesquisadores, juristas, staff de pesquisa) na LGPD aplicada à saúde, investir em infraestrutura tecnológica e de segurança cibernética e promover a região nacional e internacionalmente como um polo inovador e confiável para a realização de estudos clínicos.

Ao abraçar a LGPD não como uma mera obrigação, mas como uma vantagem estratégica, o Nordeste pode não apenas atrair investimentos e fomentar o desenvolvimento socioeconômico, mas também garantir que sua população participe ativamente e se beneficie dos avanços da medicina do futuro, com a devida proteção à sua mais fundamental privacidade.

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Olhar nacional sobre as desigualdades inter-regionais https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/10/minha-opiniao-reserva_17.html 

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