22 junho 2012

Ícone da arte comprometida

Picasso e Guernica
Plínio Palhano

Quando no início dos conflitos da Guerra Civil Espanhola — 17 de julho de 1936 —, Picasso estava plenamente afinado com o governo republicano legítimo, que, vitorioso nas eleições, em fevereiro de 1936, retornou ao poder, democraticamente, como Frente Popular, contrariando os nacionalistas, falangistas — que eram os simpatizantes do nazifascismo – e os antirrepublicanos, apoiados por Franco, o chefe dos militares.

Foi encomendada, em janeiro de 1937, a Picasso, pela Frente Popular, a realização de um afresco para ornamentar o Pavilhão Espanhol da Exposição Universal, que seria concretizada no mesmo ano, em Paris. O bombardeio de três horas e meia à cidade de Guernica, no País Basco, comandado pelos alemães com o apoio de Franco, destruindo-a materialmente e, principalmente, ceifando vidas humanas, o que trouxe consequências dramáticas ao povo daquela terra considerada santa pela Espanha, fez Picasso mudar de projeto e consolidar a ideia de pintar uma obra com uma dimensão monumental, no conteúdo e nas proporções, que denunciasse esse crime contra a humanidade, de repercussão em escala mundial: representaria o horror da Guerra Civil Espanhola.

O artista se empenhou no trabalho com sangue, paixão e, sabendo da importância daquele momento e da sua história na arte, organizou as sessões de pintura e desenhos de uma forma que todas as etapas fossem registradas. Por exemplo, temos hoje registros, em todos os livros sobre o assunto, das oito fotografias que descrevem as várias passagens de Guernica. Para iniciar essas sessões, Picasso realizou 45 estudos rigorosamente datados. E foram cinco semanas ininterruptas para finalizar a grande obra. Cada etapa era uma transformação, um acréscimo ante o plano inicial. Também se utilizou do seu percurso pictórico. Era como se reunisse todas as fases, principalmente as que dão uma ideia do inconfundível estilo picassiano.

Picasso explorou, com óleo, os negros intensos, os tons cinza e o branco para dar uma passagem direta para a luz, numa tela de 349,3 x 776,6 cm. O cavalo é centralizado na composição como um elemento de forte dramaticidade; a cabeça do animal expressa algo de dor, de desespero; a língua é um elemento pontiagudo para dar mais ênfase à cena. Acima da cabeça, uma luminária, talvez como símbolo do olho, daquele que tudo vê, a iluminar grande parte da composição em linhas invisíveis e abstratas, que formam um triângulo partindo do centro. Embaixo, nas patas do cavalo, uma estátua quebrada em várias partes, simbolizando a destruição.

Ao lado direito, uma figura com as mãos levantadas para o alto e perfis com olhares desesperados, surpresos pelo acontecimento; à extrema esquerda, uma mulher segura uma criança nos braços, olha para cima, e a cabeça da criança inerte como se estivesse morta. Acima dessa mulher, o olhar de um touro para o espectador e o seu corpo perdido entre os negros e o cinza. Mesmo com toda a dramaticidade, há uma simetria de valores, como se tentasse harmonizar a dor humana.
Plínio Palhano é artista plástico. O texto acima foi publicado originalmente no Diário de Pernambuco.

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