17 fevereiro 2016

Redução dos custos de produção & crescimento

"Crime", "castigo" e "poupança"

Elias Jabbour, no portal da Fundação Maurício Grabois
Às vezes penso que a era inaugurada pelo Plano Real, e o “tripé” de 1999, pode ter inaugurado uma nova forma de ajuste cíclico de curto prazo. O poder exercido pelos chamados “agentes do mercado”, os manipuladores de oferta de bens alimentícios (oligopsônios/monopsônios: sempre remarcando preços para cima, apesar da queda da demanda), o empresariado com um pé na finança e a grande mídia acrescentou à lógica dos ciclos breves de crescimento e recessão outra variável: a dos círculos, geralmente viciosos. E geralmente fiscais. É pelo “fiscal” que se garante o “prêmio de risco” à banca. O fundo “teórico”, a “economia de custos”. A pornografia: relacionar o problema da demanda em queda com a “farra de gastos” pretérita do governo. A solução, reforma – cíclica – da previdência e desindexação do salário mínimo à inflação. A estratégia: mudanças constitucionais capazes de reduzir o papel do Estado ao mínimo possível.
A noção de custos de produção é algo tão enraizado entre nós quanto a noção da poupança como pressuposto ao investimento. Explico, é senso comum a noção para quem a volta do crescimento e investimento só são possíveis com cortes de direitos sociais, por exemplo; que o fato de se gastar acima da receita compromete a capacidade do Estado em ditar o ritmo do processo de acumulação. Vivemos numa plena “dominância fiscal”. São dois elos (redução de custos e poupança predecessora do investimento) conceituais explicativos à atual dominância fiscal no Brasil e no mundo. Expressão de poder exercido pela grande finança que capitaneia a atual quadra de acumulação capitalista, também no Brasil e no mundo. Por essa lógica, o Princípio da Demanda Efetiva (interferência do Estado sobre o ciclo econômico, quebrando “bloqueios de mercado”, indicando ao setor privado ocioso novos campos de acumulação) só é possível de execução em países com alto grau de poupança e capacidade produtiva instalada. A ênfase no fator “poupança” reduz todos os problemas a uma simples aritmética monetária. O Brasil não cresce por falta de “poupança”. A China cresce por ter “poupança demais”.
O outro lado da discussão proposta pela economia burguesa não vulgar, surgida no pós-crise de 1929 desloca a ênfase do monetário ao financeiro (o que não guardava grandes novidades à ciência econômica oriental, a saber: o marxismo). A diferença, a nós, é que o investimento é produto de induções institucionais/financeiras, incluindo emissão monetária prévia – daí o papel de grandes bancos de desenvolvimento. À visão deles é muito interessante perceber que um país como o Brasil não cresce por falta de um sólido sistema financeiro operando com taxas de juros “internacionais”. O que não falta à China são bancos de desenvolvimento operando num quadro de socialização/coordenação do investimento com grandes conglomerados empresariais fincando pé em imensos investimentos em infraestruturas (dentro e fora do país) e empresas privadas ancilares, quebrando bloqueios de mercado nos setores de serviços e construção. Numa economia com este grau de operacionalidade os “custos” estão submetidos a duas ordens de contradições. O “custo estratégia”, a aposta no médio e longo prazos (incluindo o custo fiscal anexo aos ciclos de substituições de dívidas provinciais por dívidas absorvidas pelo governo central e vice-versa). E o “custo transição”, percebida atualmente na decisão central de investir menos e consumir mais. Políticas econômica e monetária em “estado puro”.
Voltando à Terra, à nossa terra. Qual o fundo dos debates e “ideias” propostas? De um lado, o justo reclame à queda das taxas de juros. Algo que mistura visão “estática” e “questão fiscal”. Visão estática por acreditar que a queda da taxa de juros tem relação direta com a retomada do crescimento. Já falei sobre isso. E fiscal, por ir direto ao ponto da crise fiscal agravada pela alta taxa de juros e a impossibilidade de manutenção de programas sociais sérios por conta desta sangria. Correto, mas existe uma questão de ordem pública. Numa crise nem todos perdem, senhor Trabuco. Muito menos o Bradesco. A alta taxa de juros e a péssima relação entre investimentos x PIB tem relação direta com o agravamento da barbárie social, os surtos de doenças tropicais do século XIX em pleno século XXI. E a metrópole se convertendo num Moloch insaciável (um “monstro urbano”) ao qual tudo se sacrifica, tornando-se impotente para reprimir, legalmente, o crime e recorre ao crime da repressão policial/terrorista – como ocorre hoje nas grandes cidades brasileiras onde pobres e negros estão rendidos a uma polícia assassina, numa queima livre de forças produtivas.
Sabendo-se de antemão da relação que domina nosso empobrecido debate entre redução dos custos de produção/retomada do crescimento, num país com desequilíbrios estruturais como o nosso, qual o preço desta relação? Dostoievski explica. Dois “crimes” ocorreram e merecem “castigo”. Um governo que gasta mais do que arrecada e um povo que consome de forma exagerada. Ambos fatores geradores de “inflação de demanda”. Governadores e prefeitos devem ser presos por não cumprirem a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Esse é o clima. Malthus volta a viver numa realidade onde a aposentadoria é outro crime por atentar contra os limites orçamentários. E os trabalhadores não podem ser benificiários de indexações, privilégio restrito ao capital. Formação de poupança para voltar a crescer não pode combinar com nada disso, em tese. O que está em questão é o passo seguinte ao Plano Real e o tripé. A transformação efetiva da estratégia da década de 1990 em política de Estado de longo prazo passa pela mudança da Constituição com desvinculação de gastos sociais, teto para dívida pública e necessidade de permissão ao Estado para intervir na economia. Estamos em volta de uma verdadeira “batalha pela democracia”!
E no final das contas, o Brasil voltará a crescer? Devemos saber separar as coisas. Pode haver num médio prazo alguma utilização de capacidade produtiva, ensejando crescimento – não aumento da taxa de investimentos. O pacote de crédito lançado pelo governo na reunião do Conselhão dá conta deste propósito. A questão que se levanta é de expectativas. Produção e consumo estão combinando neste aspecto. O problema político é a variável-chave abrindo campo às chantagens abertas por redução de custos de produção, principalmente os “gastos sociais”. Isso tudo no imediato. Aumentar a taxa de investimentos neste quadro institucional (década de 1990) e diante da atual conjuntura? Não acredito. A grande tática é tentar ao máximo cercar as pautas dos “custos de produção” e da “formação de poupança ao crescimento”. Aumentar a taxa de investimentos só com uma outra ordem institucional capaz de superar as criadas no biênio 1994-1999. Assunto de longo prazo, com outra correlação de forças. O Brasil precisa de novos marcos institucionais que consagre o investimento em política de Estado, não o contrário. É este o grande debate na qual deverão se concentrar as melhores – e mais corajosas – mentes de nossa nação.
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