As violências em que pensei ao decidir
ser pré-candidata
Manuela D’Ávila, na Folha de S. Paulo
Ao
ler o apanhado legal e histórico sobre violência
política de gênero, escrito por minha amiga Senadora Vanessa Grazziotin,
para o especial sobre violência contra a mulher na política, publicado neste mesmo blog [Folha],
me pus a refletir sobre a provocação que as gurias
do #AgoraÉQueSãoElas me fizeram: o que eu, apenas eu, enquanto
mulher, havia pensado ao aceitar o desafio de ser pré-candidata à presidência
da República. E percebi que tudo o que eu havia ponderado estava relacionado
com o fato de eu ser mulher. Sim, pensei muito nisso. Pensei em todas as formas
de violência política de gênero que já sofri, nos últimos 19 anos, e se estava
disposta a encarar tudo isso numa potência muito mais elevada.
Claro
que uma militante como eu, que desde os 17 anos está organizada num partido, se
sente desafiada e honrada de, aos 36 anos, representar nossos sonhos num
processo eleitoral emblemático como o que viveremos em 2018. Mas esse
pensamento ficou embaçado, nos primeiros dias, pela lembrança, também por vezes
amarga, de minhas seis disputas eleitorais.
Todo
o tempo pensei em minha filha Laura, que ainda é amamentada. Nós somos
muito parceiras uma da outra, consegui incorporá-la na rotina de deputada
estadual completamente. Mas quais serão as condições adversas para levá-la
comigo aos longínquos roteiros?
Pensei
na violência física que ambas já sofremos pelo simples fato de eu ter opiniões.
Não ignoro que 2018 será uma disputa daqueles que organizam o ódio e o medo
contra nós que queremos encontrar saídas para a crise brasileira.
Pensei
nas montagens virtuais asquerosas que já fizeram e farão com meu marido e
enteado. Pensei em quão doído é, para nós mulheres, esse envolvimento que os
adversários fazem de nossas famílias nas disputas eleitorais. Acaso alguém já
viu esse tipo de trucagem com as esposas e filhos dos homens que concorrem?
Pensei
também naquela postura de permanente subestimação de minha capacidade política
e intelectual, oposta à bajulação que vivem os homens.
Imaginem
como a sociedade e a imprensa tratariam a um homem que, aos 36, sem “parentes
importantes e vindo interior” , já estivesse em seu quarto mandato parlamentar
e tivesse sido em todas as eleições o mais votado? Imaginem se esse homem
estive terminando o mestrado em políticas públicas, mesmo cuidando de um bebê
de dois anos?
Imaginaram?
Agora imaginem que essa é a minha história, mas que a minha valoração sempre
foi a partir da aparência. Pensei se estava disposta novamente a ver fóruns e
mais fóruns de discussão sobre meu peso. Logo eu, que tenho transtorno de
imagem, como milhares de mulheres no mundo.
Uma
das primeiras matérias comprovou que eu estava certa. O tom de meu cabelo
estava em debate. Por que eu estava pintando de castanho? Por que não mais
loiro? Estratégia política, disseram. Pra que abordarem meu discurso sobre
indústria 4.0 e a necessidade do Estado para as mulheres? Respondi irônica:
ficar loira cansa. Estou naturalmente morena grisalha. Aguardo matérias sobre
cabelos de Doria, Alckmin e Ciro.
Mas
existem duas questões que tornam toda a violência política de gênero que
sofrerei pequena.
A
primeira é a tarefa que eu mesma me dei de debater as saídas para crise
brasileira também sob a perspectiva de gênero. Falar para as mulheres
brasileiras que atentem, pois a diminuição do Estado numa sociedade machista é
uma punição a mais pra nós, mulheres. Falar em todos os espaços que reforma
trabalhista é ainda mais cruel com as mulheres trabalhadoras. Nós somos parte
essencial da construção de um Brasil diferente!
A
segunda é a existência de um movimento feminista revigorado e que não cala. Uma
roda de sororidade, de empatia. Um grau de relacionamento muito mais solidário
entre a maior parte das mulheres que fazem política. Uma identidade mais nítida
do que nos une. Sei que conto com milhares de mulheres que, mesmo não
concordando com minhas ideias, são minhas parceiras na luta contra a violência
política de gênero. “Tamo” juntas!
* Manuela D’Ávila é deputada estadual
pelo PCdoB e pré-candidata à presidência da República.
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