Retrato falado da crise
Luciano Siqueira
A sabatina a que se submeteu o ministro
Sérgio Moro na Câmara dos Deputados, ontem, foi reveladora, uma vez mais, de um
dos elementos marcantes da crise institucional que atravessamos – a fragilidade
do Judiciário.
Em tese, numa sociedade dividida em
classes, o ideal de uma Justiça imparcial e justa é questionável.
Frequentemente — quando interesses políticos superiores estão em jogo — a
balança do Judiciário pende para os interesses das classes dominantes.
O que se destaca na atitude de Sérgio
Moro, ontem, é o reconhecimento da própria culpa, ora implícito (na sua
expressão fisionômica e na linguagem tosca e gaguejante), ora explícito (quando
atabalhoadamente tenta demarcar posições no campo político).
O deputado Renildo Calheiros foi muito
feliz quando, ao arguir o ministro, observou que nas respostas às perguntas
Moro oscilou entre evasivas quase monossilábicas e a repetida leitura de textos
adredemente preparados para a sua auto defesa.
Estivesse o ministro seguro de sua
inocência certamente se comportaria com segurança e altivez. Mas ele mostrou-se
frágil, vacilante e defensivo. Atitude contrastante com a aura de paladino do
combate à corrupção, outrora tido como um dos principais fiadores da aventura
Jair Bolsonaro.
Ora, se o ministro da Justiça que
assumiu o cargo prometendo avanços sem precedentes no combate à corrupção
institucional e ao crime organizado revela-se, ele mesmo, contraventor, na
medida em que descumpre a Constituição, desrespeita o Código de Ética da
Magistratura e as normas processuais vigentes, que se deve esperar? No mínimo,
que o próprio juiz, em nome da isenção e da lisura, se afaste temporariamente
do cargo – como pedem a OAB e os governadores do Nordeste - para que a
investigação (por ele determinada) feita pela Polícia Federal sobre o suposto
hackeamento de suas conversas comprometedoras com procuradores da Operação Lava
Jato pudesse se realizar de maneira minimamente confiável.
E qualquer observador minimamente
atento e desapaixonado percebe que a tal investigação não passa de manobra
diversionista para reduzir os impactos das revelações feitas pelo site
Intercept.
Qual o futuro dos processos da Lava
Jato em curso, sobretudo dos que tiveram sentenças lavradas, não se sabe. Mas
fica claro que o que às instâncias superiores do Judiciário cabe o
questionamento da dita operação e suas consequências jurídicas, em particular
da condenação sem provas do ex-presidente Lula.
Se o Judiciário optar pelo que se chama
comumente “operação abafa”, estará perpetrando mais um golpe mortífero sobre a
nossa débil e instável democracia.
Para muito além das disputas
partidárias e da divisão entre oponentes e apoiadores do atual governo, a
sociedade brasileira, através de suas instituições e segmentos mais
respeitados, precisa reagir em defesa do Estado democrático de direito.
[Ilustração: Hilma af Klint]
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