20 outubro 2023

Uma crônica de Helmilton Bezerra

Tarugo 
Helmilton Bezerra*
                                              
Honestamente não me lembro bem o ano. Mas são da década de 80 os acontecimentos aqui narrados. 

Hoje passando na PE 15,no bairro da Tabajara, vi um trabalhador atravessando a via. Observei o seu olhar distante, daqueles que querem encontrar uma saída para dureza da vida. Ele carregava algo a ser vendido, um certo objeto artesanal. Não identifiquei bem, ia dirigindo rumo ao Sinpro. 

Aquele olhar muito comum dos nossos operários, preocupados em como vão cuidar da sua prole. Naquele olhar enxerguei meu pai naquela década. Era o governo do último general da ditadura brasileira. Um desemprego danado,
muitos trabalhadores sem perspectiva, entre eles meu pai. O jovem operário,na época,tinha 9 bocas para alimentar. 

Lembro bem o dia em que papai chega em casa, muito triste, dizendo a mamãe que tinha sido demitido. Era o ano de 1983. Imagina a cabecinha do peão de fábrica, sua companheira e seus filhos. Um país em crise, numa ditadura em que o general preferia o cheiro dos cavalos ao do povo. Mas o operário, de olhos tristes, mas determinado tinha que alimentar seus rebentos. O homem foi à luta. 

Na cabeça dele e de minha amada mãe a primeira saída foi pegar sua Brasília e fazer frete, levar as pessoas da feira para suas casas. O lucro era pequeno, daí papai, parecido com o ator do filme “O banheiro do papa”, teve um geniosa ideia de vender sua Brasília e comprar uma Kombi. 

As coisas melhoraram um pouco. Mas exatamente no dia do meu aniversário, no dia 27 de agosto, ela pega fogo. 

O drama do peão de fábrica continua. Mas Seu Amilton (Beto do filme), resolve outra saída para alimentar os seus. Como um trabalhador metalúrgico ele resolve produzir tarugo. Essa peça é fundamental para as portas e portões de ferro. Eles abrem e fecham em função dessa peça. Meus irmãos Binha (Helder), Nem (Herbert) e Haroldo eram responsáveis pela metalúrgica e o descascamento  do ferro para fazer a peça. O comércio era feito por papai e mamãe. Normalmente o comércio era da sexta-feira para o sábado. Admirava muito o apoio de mamãe nas empreitadas do seu guerreiro companheiro. Quando eles voltavam da venda do tarugo já traziam o que comer para seus filhotes. Mamãe com todo carinho dizia: meu bem ainda tomou uma cerveja. 

Dona Toinha, como muitos a chamavam, foi aquela mulher que viveu sua vida, como o ator do filme “A vida é bela”. Ela foi a mulher que deu seu carinho, amor e ensinamentos mais profundos aos seus filhos/as. Quando criança nos fazia feliz mostrando o lado bom da vida. Na fase adulta, nos ensinou que não tem prova maior na vida, do que doar/lutar pelos irmãos. 

No dia 16/10 fez um ano do falecimento daquela mulher que nos educou para amar e mudar as coisas do mundo. Essa foi nossa escola, da nossa eterna professora.

*Professor, presidente estadual da CTB
Melhor talvez do que nunca ttps://bit.ly/3Ye45TD         

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente e emocionante, cronicacompanheiro,

Anônimo disse...

Excelente e emocionante cronica, companheiro.