07 fevereiro 2024

Uma crônica de Odimariles Dantas

TÚNEL DO PINA

Odimariles Dantas*



Depois de almoço gostoso num restaurante na Praça de Casa Forte, parto com minha amiga Jussara Khoury, que gentilmente me dá uma carona, para ir buscar umas peças que tinha deixado para reparo no Shopping Rio Mar. Processo rápido, bem não tão rápido assim, era só receber as peças, mas o Carnaval ocupava as pessoas mais tempo que o necessário e precisamos esperar um pouco.

Peças na sacola, e retorno para Casa Amarela. Trânsito intenso, caminho quase obrigatório para quem sai do Rio Mar e se dirige para a Zona Norte ou Recife Antigo, o Túnel do Pina ou Túnel Josué de Castro, nome proposto pelo Prefeito João Paulo em abril de 2008, hoje ainda mais conhecido como Túnel do Pina.

Olho à minha frente e vejo uma inundação de luzes vermelhas dos carros que se apinham, um ao lado ou atrás do outro formando uma onda estranha de quatro faixas que se agiganta piscando, enquanto mais máquinas se juntam a esse amontoado de coisas: carros e gente nos seus interiores, falando, sorrindo, chorando ou brigando, sei lá o que (?), o teclado não me permitiu colocar o sinal, também não sei por quê! Vamos lá, deixemos de divagações.

Entre os carros, correndo o risco de um atropelamento por alguma moto ousada que se espreme entre os carros querendo chegar mais rápido, vejo alguns homens tendo em suas mãos água mineral, pipoca, paçoquinha ou outras iguarias a serem ofertadas aos passageiros das máquinas paradas enquanto aguardam o sinal abrir e a onda vermelha movimentar-se.

Será que alguém vai comprar alguma coisa, será que o medo reforçado pela mídia de que alguém fingiu ser um desses vendedores ambulantes e furtou não sei quem.

Lembro Josué de Castro e sua geografia da fome, no rosto daqueles jovens e senhores que tentam arrecadar algum trocado para saciar a fome de alguém que espera em casa. Incrivelmente vejo em um deles um sorriso quase inocente, que faz aparecer seus dentes brancos e uma dentadura ainda completa, num outro uma face mais séria, um ar de preocupação, e não é pra menos, conseguirá chegar em casa com algum?

A onda se move e nos arrasta com ela rumo às nossas casas, um túnel que se alaga nas chuvas, se alaga também de destinos e luzes diversas no seu afã diário.

* Psicanalista, ex-docente de Pediatria da UFPE. ex-docente do Curso de Especialização em Homeopatia da AHP, PhD em Medicina Tropical/UFPE
As voltas que o mundo dá https://bit.ly/3Ye45TD

6 comentários:

Anônimo disse...

Muito significante! Tunel Josue de Castro, os vendedores ambulantes e as luzes em movimento de Carnaval. Belo é Forte!

Anônimo disse...

Linda crônica!

Gorette disse...

Que criação, querida amiga Odi! Quanta fartura de presença e empatia nesse " túnel " que nos liga ao olhar trágico e mágico de Josué! Que as cores da vida, da luta e da alegria nos atravesse!

Anônimo disse...

Muito bom. Pedro Paulo Graczcki

Anônimo disse...

Apesar do congestionamento o escritor faz uma bela viagem....

Anônimo disse...

A cidade que agoniza exalando complexos sentimentos humanos que poucos corações percebem.Adorei a crônica!