05 agosto 2024

Enio Lins opina

Seis décadas de disputa pelo voto com a marca da selvageria americana
Enio Lins     

“Os impressionantes paralelos entre a eleição nos EUA de 1968 e a disputa de 2024” é o título de reportagem publicada na BBC Brasil em 31 de julho, por Alessandra Corrêa. Lista semelhanças instigantes, ocorridas num mesmo território e no mesmo cenário de briga pela Casa Branca. Diferenças são também apontadas pela jornalista, mas dessemelhanças merecem destaque.

SEMELHANÇAS

Diz Alessandra Corrêa, no primeiro parágrafo: “A Convenção Nacional do Partido Democrata ocorre em agosto, em Chicago, mas o presidente surpreendeu a nação ao anunciar que não vai buscar a reeleição. A corrida eleitoral é marcada por violência, com um atentado contra um dos candidatos, em um país dividido e em meio a protestos contra a guerra”. E complementa: “A descrição acima poderia se referir ao momento atual nos Estados Unidos, mas é um resumo de alguns dos eventos de 1968, ano que ainda hoje é considerado um dos mais dramáticos e cruciais da história do país”. Uma das diferenças é que o candidato alvejado há 56 anos morreu, as balas não passaram de raspão.

DESSEMELHANÇA

Robert Francis Kennedy tinha 42 anos e 10 filhos (a esposa, Ethel, estava grávida do 11º), era senador por Nova Iorque e havia se destacado no combate à máfia americana como Procurador-Geral entre 1961 e 1964, no governo de seu irmão John Kennedy (assassinado em 1963). Em 5 de junho de 1968, recebeu dois tiros na cabeça e morreu no dia seguinte. Bobby Kennedy, como era mais conhecido, avançava para ser escolhido como candidato do Partido Democrata à presidência dos Estados Unidos e se posicionava contra a Guerra do Vietnã e a favor da integração racial. Dois meses antes, em 4 de abril, Bobby Kennedy discursava num ato público noturno para uma multidão de negros, em Indianópolis, quando foi interrompido por um assessor que lhe entregou um bilhete; ele leu e voltou a falar, emocionado: "Tenho uma péssima notícia para dar-lhes. Martin Luther King foi assassinado, assi m como meu irmão. E, cabe a nós que ficamos, lutar pela causa pela qual eles sacrificaram suas vidas: a justiça e a igualdade entre os homens."

OUTRO TIRO CERTEIRO

Martin Luther King Jr. era pastor batista e o mais célebre ativista negro americano pelos direitos civis e contra a guerra, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1964. Suas grandes manifestações pacíficas chamavam a atenção do mundo. Registra a Wikipédia que, em 1968, “Martin Luther King Jr organizou a ‘Campanha dos Pobres’ para lidar com as questões da injustiça econômica, e viajou pelo país para unir ‘um exército multirracial dos pobres’ que marcharia em Washington [numa manifestação] de desobediência civil não violenta até que o Congresso criasse uma ‘declaração de direitos econômicos’ para os estadunidenses pobres”. King, que apoiava Kennedy nas eleições daquele ano, foi atingido mortalmente, no queixo, por uma bala de fuzil às 18 horas do dia 4 de abril de 1968, quando se p reparava para uma reunião política, em Memphis.

No quesito “assassinatos políticos”, 1968 foi mortal para lideranças estadunidenses que defendiam os direitos civis e eram pela paz. Em 2024, não se sabe dentre as candidaturas à presidência, quem se posicione contra as guerras. E, felizmente, as balas passam de raspão e ao invés de produzirem óbitos, dão vida a peças de marketing eleitoral. Mas no quesito “genocídios apoiados pela Casa Branca”, a tragédia em Gaza - apoiada e financiada pelos poderes constituídos americanos - consegue ainda ser mais terrível que os massacres contra os vietnamitas.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/07/mundo-em-transicao.html 

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