09 setembro 2025

Enfrentando as Big Techs

“Concentração de poder sem precedentes”: o desafio da dominação das Big Techs
Renata Mielli comenta relatório da Unctad que revela oligopólio de Big Techs e iniciativas pontuais do Brasil para superar a dependência tecnológica
Cezar Xavier/Vermelho  

A economia digital está em pleno crescimento, mas também em plena crise de governança. O mais recente alerta da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), divulgado em 8 de julho de 2025, é claro: os mercados digitais estão cada vez mais concentrados, com um pequeno número de empresas — majoritariamente norte-americanas — controlando uma parcela crescente da atividade global.

“Trata-se de uma concentração de poder econômico, político e tecnológico sem precedente na história do capitalismo, que ameaça a soberania dos países e a autodeterminação dos povos”, afirma Renata Mielli, coordenadora do CGI.br  (Comitê Gestor da Internet no Brasil) , em entrevista ao  Portal Vermelho .

Sete das dez empresas mais valiosas do mundo são agora gigantes digitais: NVIDIA, Microsoft, Apple, Amazon, Alphabet (Google), Meta e Broadcom. Juntas, essas empresas não dominam apenas seus setores, mas abrangem toda a cadeia da economia digital, da computação em nuvem ao comércio eletrônico, da inteligência artificial (IA) à publicidade, passando por redes sociais e infraestrutura de dados.

Entre 2017 e 2025, a participação combinada das cinco maiores multinacionais digitais nas vendas globais mais que dobrou, saltando de 21% para 48%. No total de ativos, a fatia subiu de 17% para 35%. O domínio é tão profundo que, no mercado de IA generativa, OpenAI (apoiada pela Microsoft) detém 56,3% das visitas mensais entre os 10 sites mais acessados, seguidos pela própria Microsoft (18,5%) e Google (3,2%).

O Brasil diante do império digital

Essa concentração extrema cria barreiras intransponíveis para países em desenvolvimento. A UNCTAD aponta que altos requisitos de capital, dependência de dados e poder de computação são as principais barreiras à entrada em mercados digitais. Enquanto isso, a infraestrutura digital básica — como data centers e redes de fibra óptica — continua gravemente subfinanciada em países como o Brasil.

Diante desse cenário, segundo Renata Mielli, o Brasil tem buscado enfrentar o poder dessas Big Techs por duas frentes principais: regulação e soberania tecnológica.

1. A Frente Regulatória: o Estado precisa importar suas leis

“O fato de não haver uma lei específica para regular as Big Techs não é salvo-conduto para que elas não respeitem a nossa Constituição, o Código Civil, o Código Penal, a proteção de crianças e adolescentes e outros direitos fundamentais”, afirma Renata.

 

As plataformas digitais frequentemente se apresentam como “neutras” ou “infraestrutura”, tentando escapar da responsabilidade legal por conteúdos, práticas anticompetitivas e protegidas de direitos. Mas, como mostra o relatório da UNCTAD, eles são, na verdade, atores econômicos poderosos com poder de mercado dominante.

No Brasil, o Poder Legislativo já deu passos importantes:

  • A Lei de Proteção de Crianças e Adolescentes no ambiente digital foi aprovada.
  • Vários projetos de lei estão em tramitação, incluindo propostas de regulação de plataformas digitais e combate à desinformação.

No Executivo, dois novos projetos de lei estão sendo preparados para avançar na regulação. Já o Judiciário tem atuado para garantir o cumprimento das leis, especialmente em processos eleitorais e na proteção de dados. “Parte do enfrentamento a esses impérios digitais é o país ter soberania para construir e aplicar suas leis.

“É urgente reduzir nossa dependência desses gigantes que controlam dados, informação, comunicação, serviços, comércio e até cadeias produtivas inteiras”, diz Renata.

2. A Frente da Soberania Tecnológica: ser produtor, não só consumidor

Além da regulação, o Brasil precisa parar de ser apenas um mercado consumidor de tecnologia e se tornar um produtor de tecnologia. É nesse sentido que o país tem investido em políticas públicas estratégicas:

  • Nova Indústria Brasil: programa que promove a transformação digital da indústria nacional.
  • Retomada do CEITEC (Centro de Inovação e Tecnologia) pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI): para retomar a produção de chips no país, mesmo que inicialmente para aplicações mais simples.
  • Plano Brasileiro de Inteligência Artificial: prevê investimentos de mais de R$ 23 bilhões nos próximos 4 anos em cinco eixos:
    1. Infraestrutura física (supercomputadores e data centers)
    2. Formação e capacitação de profissionais
    3. Fomento à indústria nacional
    4. Governança ética da IA
    5. Transformação digital do Estado

“Um exemplo concreto é o PIX”, destaca Mielli. “Uma ferramenta de pagamento digital desenvolvida pelo Banco Central, que já inspira outros países e mostra que o Estado pode liderar inovações com alto impacto social.”

Desigualdade global e risco para os países em desenvolvimento

A UNCTAD alerta que a alta concentração de mercado reforça as divisões globais, deixando os países em desenvolvimento ainda mais para trás. Enquanto a Europa e a Ásia intensificam ações regulatórias — com 263 e 152 disciplinas concorrenciais, respectivamente, entre 2020 e 2025 —, a América Latina e a África ficam para trás, com apenas 64 e 16 ações.

“A aplicação da lei é desigual. E isso coloca os países mais pobres em termos estruturais”, diz o relatório. 

No Brasil, o risco é de se tornar um território de exploração de dados — onde empresas estrangeiras extraem valor sem gerar contrapartidas locais em emprego, inovação ou infraestrutura.

Caminho a seguir: regulação, concorrência e desenvolvimento

O relatório da UNCTAD conclui com um chamado claro:

“Uma aplicação mais rigorosa das regras de concorrência — aliada a investimentos em infraestrutura, sistemas regulatórios mais fortes, desenvolvimento de habilidades e oportunidades de financiamento para startups — é essencial para garantir que a economia digital funcione para todos, não apenas para alguns gigantes globais da tecnologia.”

Para Renata Mielli, o Brasil não está no caminho certo, mas ainda há muito a fazer: 

“Então, ainda há muito a ser feito para enfrentar essas Big Techs, há medidas de curto, médio e longo prazo, mas é preciso ter determinação e compreender que essa é uma agenda estratégica para a soberania no país.”

Soberania ou submissão?

O século 21 será definido pela disputa pelo controle da tecnologia. Enquanto gigantes como Microsoft, Google e NVIDIA consolidam seu domínio global, países como o Brasil têm uma escolha: aceitar a submissão tecnológica ou lutar por uma internet mais justa, diversa e sóbria.

A resposta está em mãos: regulação robusta, investimento em ciência e tecnologia, e um Estado forte e inovador. Porque a liberdade digital não será dada por quem a controla. Terá de ser conquistado.

Foto: Representantes da Widelabs apresentam à ministra Luciana Santos (MCTI) na Amazônia, solução de inteligência artificial desenvolvida em parceria com empresas internacionais e instituições brasileiras./Rodrigo Cabral (ASCOM/MCTI)

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