Medidas de apoio e defesa da soberania marcam 1 mês de tarifaço
Sobretaxa imposta por Donald Trump começou em 6 de agosto
Bruno de Freitas Moura/Agência Brasil
A tarifa é imposta pelos Estados Unidos às exportações brasileiras completa um mês neste sábado (6). Tentativas de negociação, defesa da soberania nacional e medidas de apoio às empresas brasileiras deram o tom do cenário econômico e diplomático nesse período de 30 dias.
A Agência Brasil conversou com especialistas sobre os efeitos das medidas americanas de barreira ao comércio exterior e relembra pontos-chave desse período:
Ameaças em julho
Em julho, no dia 9, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, invejou uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva , em que anunciou uma imposição de tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras para os Estados Unidos. A correspondência foi divulgada em uma rede social pelo próprio Trump.
Esse comunicado inicial anterior ao início da tarifaço em 1º de agosto e usava como justificativa o déficit comercial dos EUA e o tratamento dado pelo Brasil ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que Trump considerava ser perseguido. Bolsonaro é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado , em julgamento que entrou na reta final esta semana.
Diferentemente do que alegava Trump, os Estados Unidos têm superávit na relação comercial. Na carta de resposta , o Brasil cita que acumula com os Estados Unidos um déficit comercial de quase US$ 410 bilhões nos últimos 15 anos. Isto é: importou mais do que exportou nesse período.
Concretização em agosto
Autoridades e empresários brasileiros buscaram negociações com os Estados Unidos, mas, em 30 de julho, Trump confirmou a adoção das medidas de retaliação .
O governo de Trump garantiu uma ordem executiva que estipulou o tarifaço a partir de 6 de agosto, mas deixou cerca de 700 produtos em uma lista de propostas. Entre eles suco e polpa de laranja, combustíveis, minerais, fertilizantes e aeronaves civis, incluindo motores, peças e componentes. Também existem de fora produtos como polpa de madeira, celulose, metais preciosos, energia e produtos energéticos.
Entre os principais beneficiados pelas discussões está a Embraer , um dos maiores fabricantes de aviões do mundo, com grande parte da produção destinada aos Estados Unidos.
Como ficaram as tarifas
Os cerca de 700 produtos da lista de exceção representam 44,6% das exportações brasileiras para os Estados Unidos e ajudam a pagar uma tarifa de até 10% , que já tinha sido definida pelos EUA em abril.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), o tarifaço “cheio” incide em 35,9% das exportações brasileiras para os Estados Unidos. A tarifa cheia é a cobrança de 10% definida em abril somada a mais de 40%, totalizando assim 50%.
Há ainda 19,5% das vendas sujeitas a tarifas específicas, exigências do governo Trump com base em argumentos de segurança nacional. Entre esses produtos, estão as autopeças e automóveis de todos os países, que pagam 25% para entrar nos Estados Unidos desde maio.
Aço, alumínio e cobre pagam alíquota de 50%, mas, segundo levantamento do Mdic, estão dentro dos 19,5%, porque as tarifas foram definidas com base nos argumentos de segurança nacional em fevereiro, com entrada em vigor em março.
De acordo com o ministério, 64,1% das nossas exportações continuam concorrendo em condições semelhantes com produtos de outros países . Esse percentual é soma de 44,6% de vendas de restauração de tarifas e de 19,5% de exportações com tarifas específicas.
Cálculos do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, revelam que o tarifaço de Trump afeta 3,3% das exportações brasileiras .
Negociação pós-tarifaço
Mesmo depois de concretizado o tarifaço, governo e empresários brasileiros seguiram em tentativas de negociações com os americanos.
No dia seguinte ao início das tarifas, Geraldo Alckmin se reuniu, em Brasília, com o encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar , principal interlocutor do governo americano no Brasil, uma vez que Trump ainda não designou um embaixador para o país, após a saída de Elizabeth Bagley, em janeiro deste ano.
Apesar de haver interesses em comum entre os dois países ─ como a exploração de estratégias minerais, relatada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad ─ o Brasil tem encontrado dificuldade na negociação.
Na primeira quinzena de agosto, Haddad informou que um encontro com o secretário do Tesouro dos EUA (equivalente ao nosso ministro da Fazenda), Scott Bessent, foi cancelado . "Argumentaram falta de agenda. Uma situação bem inusitada", disse à época.
Haddad atribuiu o cancelamento à articulação da extrema-direita americana. A ligação desse segmento político à extrema direita brasileira chegou a ser investigada pela Polícia Federal (PF), que decidiu pelo indiciamento do ex-presidente Bolsonaro e de um dos filhos dele, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) , pelos crimes de coação no curso do processo e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Eduardo mora nos EUA desde março e, segundo a PF, participou da articulação que culminou no tarifaço.
Postura institucional
Apesar de não ter tido mais avanços em termos de isenção de produtos, o professor de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, José Niemeyer, defende que o processo de negociação tem que continuar.
Ele destacou a atuação do governo brasileiro, por meio de ministérios, diplomatas e da embaixadora em Washington, Maria Luiza Viotti, na obtenção da lista de isenções.
“Conseguiram chegar a bom prazo e alguns dos produtos tiveram as suas tarifas diminuídas”, avalia.
Ele classificou o tipo de negociação exercida pelo Brasil como institucional.
“O Brasil não partiu para nenhum tipo de confronto”, disse à Agência Brasil . Niemeyer destacou que o vice-presidente Alckmin “conseguiu chegar próximo das estruturas do Estado norte-americano e da Casa Branca para poder começar uma negociação”.
Defesa da soberania
Além da negociação com os Estados Unidos, o governo brasileiro passou uma mensagem de defesa da soberania nacional. O presidente Lula rebateu acusações de Trump de que o Brasil é um mau parceiro comercial.
“Ele resolveu contar algumas mentiras sobre o Brasil, e nós estamos desmentindo”, disse o presidente em um evento em Recife , no último dia 14.
Na reunião ministerial no dia 26 , Lula orientou integrantes do governo a defenderem a soberania do país. Ele manifestou ainda que o Brasil não aceitará “desaforo, ofensas nem petulância de ninguém”.
Segundo o presidente, as decisões de Donald Trump são “descabidas”, mas o governo brasileiro segue à disposição para negociar as questões comerciais.
OMC e reciprocidade
O Brasil também busca uma arbitragem internacional contra o tarifaço. O governo acionou a Organização Mundial do Comércio (OMC) em 6 de agosto .
Na avaliação do Ministério das Relações Exteriores, os EUA “violaram flagrantemente” compromissos reforçados com o próprio OMC.
A OMC é uma instituição multilateral que tem como função regular o comércio internacional, negociar regras, administrar acordos comerciais e resolver disputas. Brasil e Estados Unidos são dois dos 166 países-membros da OMC, que abarcam 98% do comércio mundial.
No cenário interno, o país iniciou ação para aplicar a Lei da Reciprocidade Econômica , aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em abril pelo presidente.
A nova legislação permite que o Brasil aplique contramedidas tarifárias. A Câmara de Comércio Exterior (Camex) – órgão colegiado de 10 ministérios, responsável por formular, implementar e coordenar as políticas de comércio exterior – foi provocada, dando início a um processo que tem, entre suas etapas, a de notificar os Estados Unidos sobre a resposta brasileira ao tarifaço.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) , principal representante institucional do setor, tem defendido cautela em medidas de reciprocidade e insiste na negociação. Esta semana, uma comitiva de indústrias esteve na capital americana, Washington, em busca de acordo .
Efeitos econômicos
A taxação de vendas brasileiras pelos EUA faz com que nossos produtos custem mais aos compradores americanos. Como consequência, o Brasil perde competitividade. Dentro das fronteiras brasileiras, isso se reflete em preocupações de diversos setores, principalmente os que dependem mais de exportações para os EUA.
O estado do Ceará chegou a decretar situação de emergência . O estado é o com maior predominância dos Estados Unidos como destino de exportações, acima dos 44%, vendendo produtos de siderurgia, frutas, pescados, pás eólicas e outros itens.
Mais de 90% da pauta exportadora do Ceará para os Estados Unidos foi afetada pelo acréscimo de 50% em taxas.
Entre as medidas do governo cearense para mitigar os efeitos negativos está a compra, por parte do estado, da produção de alimentos de empresas que foram forçadas a deixar de exportar.
Em Petrolina, cidade pernambucana que fica no Vale do São Francisco ─ região com grande volume de exportação de frutas tropicais, especialmente manga e uva ─ a preocupação é o destino das frutas que seguimos anteriormente para os EUA.
De acordo com o prefeito Simão Durando, há uma janela limite entre agosto e outubro para exportar 2,5 mil contêineres de manga e 700 contêineres de uva para os Estados Unidos.
“Um terço da população de Petrolina vive diretamente da fruticultura irrigada”, disse ele durante um encontro no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para tratar de apoio a cidades afetadas .
Já em Franca, no interior de São Paulo, a preocupação é com a indústria de calçados, que emprega entre 12 mil e 14 mil pessoas diretamente. Algumas empresas chegam a vender 100% da produção para os EUA.
Ajuda a empresas
Para ajudar o setor produtivo brasileiro a enfrentar os efeitos da tarifação, o governo federal lançou, no último dia 13, o Plano Brasil Soberano .
Entre os principais pontos do pacote de ajuda estão linhas de crédito que somam R$ 30 bilhões. Os recursos vão financiar – a taxas de juros mais acessíveis – negócios exportadores. As empresas mais afetadas terão mais facilidade de acesso aos recursos. Uma medida provisória (MP) publicada na terça-feira (2) garante o crédito extraordinário .
Além dos empréstimos, o Plano Brasil Soberano prevê a prorrogação da suspensão de tributos para empresas exportadoras; aumento do percentual de restituição de tributos federais; e facilitar a compra de gêneros alimentícios por órgãos públicos.
Indicadores econômicos
Na última quinta-feira (4), o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços informou que, no mês de agosto, o primeiro com efeitos do tarifaço, as exportações brasileiras para os EUA caíram 18,5% na comparação com agosto de 2024 .
Chamou a atenção que produtos não afetados pela tarifaço, como minérios de ferro e aviões, tiveram quedas, 100% e 84,9%, respectivamente.
Para técnicos da pasta, a explicação pode estar na antecipação de exportações em julho, ou seja, os empresários aproveitaram o período de incerteza para enviar produtos para os Estados Unidos.
Levando em conta todos os países, as exportações brasileiras cresceram 3,9% , e a balança comercial ficou com saldo positivo de US$ 6,1 bilhões em agosto. Exportações para outros parceiros comerciais, como China e Argentina, aumentaram nesse período.
Análises
Ouvida pela Agência Brasil , a economista Lia Valls Pereira, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisadora associada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), aponta que os dados sobre exportação para os Estados Unidos revelam que essa queda “já é reflexo do tarifaço”.
Ela concorda com a tese de que os exportadores anteciparam os embarques em julho, para escapar do tarifaço, causando uma queda em agosto. Para Lia Valls, as tarifas americanas abrangem setores de formas diferentes.
"Alguns têm mais chances de conseguir diversificação de mercado; para outros, certamente será bem mais difícil. Há produtos em que o mercado americano explica mais de 50% das exportações, como o caso do sebo bovino", cita.
A economista acredita que importantes governos e empresários continuam a negociar e ressaltam a necessidade de buscar novos mercados e outros acordos comerciais, como a União Europeia.
Inflação
O economista Matheus Dias, do Ibre/FGV, acompanha o comportamento de preços no país. Na observação dele, a tarifaço “não teve um impacto significativo na nossa inflação”.
A explicação, segundo ele, é a lista de quase 700 produtos que ficaram de fora da tarifa máxima de 50%.
“Caso esses 700 produtos não tenham sido isentados dessa medida tarifária, possivelmente a gente estaria vendendo uma realocação mais forte dos fluxos comerciais, o que teria como consequência, direcionado para o mercado interno”.
Esse direcionamento causaria um excesso de oferta de produtos no Brasil, o que contribuiria para deixar preços mais baratos, baixando a inflação. “Mas não foi o que ocorreu por conta dessas isenções”, afirma.
Em outros casos, diz a Agência Brasil , há limitações bastante setoriais, como cimento, madeira e metais. “Esses setores acabaram sendo bastante afetados, mas as pessoas não conseguem enxergar um efeito na inflação ao consumidor”.
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Leia também: Luiz Gonzaga Belluzzo, "Faria Lima, PCC e a sociedade do dinheiro" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/tentaculos-da-corrupcao.html
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