27 setembro 2025

Minha opinião

Livros como a roupa do corpo
Luciano Siqueira 

Leio muito - velho e prazeroso hábito que me acompanha desde a adolescência.

Aqui em casa mantemos uma biblioteca bastante razoável:

- Você já leu isso tudo?

- Essencialmente, sim.

- Como "essencialmente"?

- Nem sempre leio da primeira à última página. Busco o conteúdo que momentaneamente me interessa, seja porque pesquiso alguma questão política ou de outra ordem, seja pelo simples prazer da leitura. 

E nos dias que correm me considero um resistente. Sigo lendo livros no papel, avesso à versão digital. 

Guardo uma relação física com os livros e deixo rastros através de grifos e anotações à margem. 

Autores e autoras eu os tenho como amigos. Os que já se foram e os que ainda respiram, produtivos ou não. Pois desde a primeira leitura estabeleço com eles uma sincronia muito semelhante ao diálogo olhos nos olhos. 

Como esquecer Einstein quando afirmou, na breve apresentação ao seu opúsculo “Introdução à física”, que no processo de investigação científica frequentemente o mérito maior é de quem formulou as perguntas e não necessariamente de quem encontrou as respostas? 

Tomei para a vida inteira e, particularmente, para a militância política. 

Há quem estranhou encontrar numa das estantes quase toda a obra de Agatha Christie.

- Por quê?

- Porque sempre me ajudaram, na medicina e na militância política.

- Como assim, se ela não era médica nem militante?

- Pelo raciocínio “clínico”: tudo começa com um crime e vários são os suspeitos. Durante toda a trama, o detetive Hercule Poirot considera cada hipótese e com muita sensibilidade crítica termina descobrindo o criminoso.

- Sim...

- Na abordagem de cada caso isso é o que se chama diagnóstico diferencial.

- E na política?

- É análise multilateral da situação concreta, o avesso da superficialidade e da improvisação.

Não sem razão até na dura militância clandestina, sob a ditadura militar, onde rigorosos eram os cuidados com a segurança, sempre tivemos livros em nossas modestas residências .

Quando fui preso e sequestrado numa praça do Crato, no Ceará, em abril de 1974, levava na bagagem um exemplar de “A Insurreição Praieira”, de Edison Carneiro e outro de “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis .

Conservo até hoje o hábito de ler um poema quando acordo, cedo da manhã. E exibo uma estrofe sobre uma obra de arte, no story do Instagram, e a íntegra do poema publico em meu blog.

Os livros são como a roupa do corpo. Indispensáveis. Sempre.

[Ilustração: Camille Engel]

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Leia também: "Talvez um ano meio morno e cinza. Só isso" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/minha-opiniao_94.html 

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