12 fevereiro 2024

Carnaval irreverente

Para tudo se acabar no 'Broxadão'

O prêmio de melhor texto de poesia e humor deste fevereiro é para o conjunto de títulos de blocos, o edital em que a prefeitura anuncia o local e horário dos desfiles de cada um deles
Joaquim Ferreira dos Santos/O Globo


 

Não sou de bloquinhos, mas invejo o fuzuê literário dos que inventam os nomes que vão em seus estandartes. Abro alas da mais pura admiração para a malícia benigna de um “Butano na bureta” na Praça da Bandeira, para o efeito estético do “Bigodinho esticado” no Méier e para a poesia dos velhos tríduos momescos que percorre o “Bloco das divinas tretas”, do Flamengo. Ah, quem me dera a autoria de “Largo do machado, mas não largo do copo”, o bloco que traz no título o endereço da agremiação e a disposição etílica de seus foliões.

É carnaval, hora de despir o fardão e deixar o verbo se esbaldar na liberdade do vernáculo. Hoje não tem Rubem Braga. Segunda-feira Gorda é dia de seguir as ordens de sua majestade Ivete Sangalo. Ela mandou conjugar, também na crônica, o verbo do momento – é tempo de macetar.

O prêmio de melhor texto de poesia e humor deste fevereiro é para o conjunto de títulos de blocos, o edital em que a prefeitura anuncia o local e horário dos desfiles de cada um deles. Numa lista de 400 agremiações, sabe-se da passagem do “Empurra que pega” (amanhã, 14h, no Leblon), o “Enxota que eu vou” (amanhã, 16h, no Centro). O “Rola preguiçosa, tarda mas não falha” já desfilou. Cumpriu o que lhe vai no nome, tendo se esparramado garboso e manso pela orla de Ipanema.

O Rio tem autores que provocam todo tipo de riso, como Sérgio Porto, Ivan Lessa, Barão de Itararé, Max Nunes, Tutty Vasques, Machado de Assis e outros. No carnaval a vez é dos anônimos geniais que fazem graça na base do trocadilho, ao estilo da poesia piada dos modernistas de 22, e botam em pé títulos do tipo “Só o cume interessa”, da Urca, ou “Xupa, mas não baba”, de Ipanema.

Os primeiros grupos organizados a saírem às ruas, no início do século 20, tinham nomes curiosos como “Flor do abacate” e “Ameno resedá”, mas hoje soariam fofos para um planeta de temperaturas altamente aquecidas. Fora do contexto, “H. Romeu Pinto”, do Realengo, ou “Que merda é essa?”, de Ipanema, poderiam soar agressivos, mas, não leve a mal, é carnaval, é o “Céu na terra”, é o “Simpatia quase amor”. Siga-se a filosofia do mais puro armistício cristão, a senha sensata para a paz na terra entre os homens de boa vontade que vai na bandeira daquele outro bloco de Ipanema: “Se você não quer me dar, me empresta”.

“Lavou tá limpo”, da Praça Seca, “Imaginou? Agora amassa”, do Leblon, “Sovaco de Cristo”, do Jardim Botânico, “Me perco na reta, me acho na curva”, do Meier, “Birita, mas não cai”, de Madureira, “Vâmo ET”, da Glória, “Me beija que eu sou cineasta”, da Gávea, “Seu Kuka e eu”, do Grajaú, “Eu choro curto mas rio comprido”, “Xulé de Santa”, “Vai tomar no Grajaú” e “Bagunça meu coreto”, do Flamengo, que, a propósito, sai amanhã às 9h. O “Vem ni mim que sou facinha” não desfila este ano. 

Estes blocos de nomes divertidos, uma folia das boas letras cariocas, invadem até as Cinzas, quando, às 14h, no Centro, o “Me enterra na quarta” vai macetar geral, um verbo carnavalescamente bitransitivo. A festa acaba domingo. Às 16h, todo mundo cansado, sai por Copacabana o bloco “Broxadão”.

[Ilustração: Foliões desfilam no Céu na Terra com placa que tinha uma caricatura de Bolsonaro dentro de uma ampulheta; referências às recentes operações da Polícia Federal — Foto: Custódio Coimbra/Agência O Globo]

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