26 setembro 2024

China: ajustes na economia

China adota medidas para acelerar economia com estímulo ao setor imobiliário e corte de juros 
Governo chinês lança maior pacote de estímulo econômico desde a pandemia
Cezar Xavier/Vermelho        

O governo chinês anunciou nesta terça-feira (24) um amplo pacote de estímulos econômicos, o mais significativo desde o início da pandemia, em uma tentativa de reverter o cenário econômico desafiador. Com sinais de desaceleração e deflação, as autoridades financeiras tomaram medidas abrangentes para apoiar o setor imobiliário e injetar liquidez no mercado, numa tentativa de atingir a meta de crescimento de 5% para este ano. 

A intenção é clara: estabilizar o setor imobiliário e restaurar a confiança dos investidores, essencial para afastar a deflação e ajudar a China a atingir suas metas de crescimento. As medidas foram recebidas com otimismo pelo mercado, no entanto, os mesmos analistas questionam a eficácia dessas medidas no longo prazo. 

A segunda maior economia do mundo vem lutando para recuperar o fôlego desde o fim das restrições da covid-19. A produção industrial e as vendas no varejo têm desacelerado, enquanto os mercados de ações e de imóveis sofreram quedas acentuadas. Além disso, o desemprego aumentou e os preços seguem em queda, colocando o país em sua maior sequência deflacionária desde 1999.

As medidas

O Banco do Povo da China (PBoC) e outros reguladores financeiros anunciaram a redução da taxa de compulsório dos bancos em 0,50 ponto percentual, liberando aproximadamente 1 trilhão de iuanes (cerca de R$ 782 bilhões) para novos empréstimos. Também foi prometida uma futura redução da taxa de recompra reversa, que poderá cair 0,2 ponto percentual, além da expectativa de cortes nas taxas de empréstimos de médio prazo (MLF) e na taxa primária de empréstimos (LPR).

A redução visa tornar mais barato para empresas e famílias tomarem empréstimos, além de sinalizar uma postura mais agressiva do banco central no combate à deflação, após um período de cautela. Esta mudança ocorre poucos dias após o Federal Reserve dos EUA reduzir sua taxa de juros, oferecendo a Pequim margem para adotar uma política monetária mais frouxa sem desvalorizar significativamente o iuan.

Essas mudanças, somadas à redução nas taxas de hipotecas residenciais e ao afrouxamento das condições para compra de imóveis, são tentativas de revitalizar o setor imobiliário, que se encontra em uma crise prolongada.

Além disso, novas ferramentas de suporte ao mercado de capitais foram introduzidas, como um programa de swap de 500 bilhões de iuanes para facilitar a compra de ações por seguradoras e corretoras, além de empréstimos baratos do banco central para ajudar bancos comerciais a financiar a recompra de ações de empresas listadas.

Reação imediata dos mercados

As bolsas de valores e os contratos de minério de ferro reagiram positivamente às medidas. O índice CSI300, que engloba as maiores empresas listadas nas bolsas de Xangai e Shenzhen, registrou um aumento de 4,33%, o maior ganho percentual diário desde março de 2022. O minério de ferro também disparou, com o contrato de janeiro na Bolsa de Mercadorias de Dalian subindo 4,64%, o maior ganho intradiário em mais de um ano.

O mercado, que esperava cortes mais agressivos nas taxas de empréstimos referênciais (LPR), foi surpreendido pela decisão de manter as taxas inalteradas em 3,35% para um ano e 3,85% para cinco anos, o que levantou questionamentos sobre a real disposição da China em adotar um afrouxamento monetário mais profundo.

O desafio estrutural: crescimento e confiança

A economia chinesa enfrenta um dilema: a necessidade de estimular o crescimento sem gerar desequilíbrios maiores. Embora o pacote anunciado seja o maior desde a pandemia, a dependência histórica da China no setor imobiliário e no investimento público traz à tona a questão da sustentabilidade.

As famílias, sobrecarregadas por dívidas imobiliárias, podem não se beneficiar totalmente da redução das taxas de hipoteca, enquanto o setor privado continua hesitante em aumentar investimentos em meio a uma demanda doméstica menor.

O setor imobiliário, antes um pilar de crescimento, está em queda desde a crise da Evergrande, e o mercado segue pressionado por uma superoferta de imóveis e queda no preço das propriedades. As medidas que facilitam a compra de uma segunda residência e a redução do valor de entrada para 15% em todo o país são tentativas de restaurar a demanda. No entanto, sem uma recuperação mais sólida da confiança dos consumidores, as perspectivas de retomada do setor permanecem incertas.

Analistas pedem mais estímulos fiscais

O anúncio das medidas teve um impacto imediato nos mercados. O índice CSI300, que reúne as principais ações listadas em Xangai e Shenzhen, subiu 4,33%, enquanto o índice Hang Seng de Hong Kong teve uma alta de 4%, atingindo níveis não vistos desde o início de 2022. O iuan também se valorizou, atingindo seu ponto mais alto em 16 meses frente ao dólar.

Embora o pacote tenha aliviado o sentimento do mercado a curto prazo, analistas apontam que a política fiscal mais agressiva será fundamental para que a China atinja suas metas de crescimento. A consultoria ANZ destacou que um corte nas taxas pode estar sendo guardado para um pacote mais amplo de estímulos, que poderia incluir investimentos públicos significativos e medidas de alívio fiscal para empresas e famílias.

Outro ponto de preocupação é a crescente desigualdade entre as economias globais. Enquanto os Estados Unidos, por exemplo, enfrentam um ciclo de alta de juros, o recente afrouxamento monetário por parte do Federal Reserve abriu espaço para que Pequim relaxe sua política monetária sem provocar uma forte depreciação do iuan, algo que o governo chinês tenta evitar a todo custo.

O dilema do crescimento a longo prazo

A economia chinesa tem se mostrado resiliente em crises passadas, mas os desafios atuais são diferentes. O envelhecimento da população, a desaceleração do crescimento da produtividade e o ambiente internacional mais hostil — especialmente com as tensões comerciais com os Estados Unidos — impõem um novo paradigma para a segunda maior economia do mundo.

O pacote anunciado nesta semana é uma peça importante, mas analistas concordam que a solução para os problemas estruturais da China exigirá mais do que apenas afrouxamento monetário. Será necessário um reequilíbrio econômico mais profundo, focado na promoção de inovação, na elevação da produtividade e na transição para uma economia mais sustentável e menos dependente de setores tradicionais, como o imobiliário.

Crise imobiliária e impacto sobre a classe média

Um dos principais focos do pacote é o setor imobiliário, que já representou cerca de 25% da economia chinesa, mas agora está em declínio acentuado. Os preços de novas residências registraram, em julho, a maior queda em nove anos, e uma pesquisa da Reuters estima que os preços dos imóveis na China cairão 8,5% este ano.

Para reverter essa tendência, o PBOC anunciou uma redução nas taxas de hipoteca, que deverão ser cortadas em 0,5 ponto percentual, além de uma redução do valor mínimo de entrada para compradores de segunda residência, de 25% para 15%. Essas medidas buscam revitalizar o mercado imobiliário e aliviar o custo da dívida das famílias, o que, segundo estimativas da Gavekal Dragonomics, poderia gerar uma economia de US$ 21 bilhões por ano em juros.

Meta de crescimento em risco

Mesmo com o pacote de estímulos, muitos analistas duvidam que a China consiga alcançar a meta de crescimento de 5% estabelecida para 2024. São os mesmos desconfiados que vêm se surpreendendo com os seguidos avanços da economia chinesa inesperados por suas previsões furadas. Instituições como Goldman Sachs e Citigroup reduziram suas previsões para o crescimento chinês para 4,7%, enquanto o Morgan Stanley projeta uma taxa de 4,6%.

A desaceleração econômica chinesa está inserida em um contexto global de incertezas, especialmente com a recuperação desigual pós-pandemia e as tensões comerciais. Apesar disso, o crescimento do país é inédito para os padrões ocidentais da conjuntura atual. O país enfrenta o desafio de equilibrar estímulos sem criar bolhas de ativos ou aumentar o endividamento excessivo, como tem ocorrido em economias como a dos EUA.

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