Um prêmio que chega na hora certa, pela causa certa
Enio Lins
AINDA ESTOU AQUI CHEGOU LÁ. E de lá voltou com um Oscar na mochila, eliminando um trauma brasileiro de, até então, nunca ter um longa-metragem devidamente reconhecido por Hollywood, apesar de ter batido na trave mais de uma vez. Desta vez, veio. E a notícia cá aterrissou em pleno domingo de Carnaval, sambando e fazendo o passo com força. Mas as turbas, emocionadas e escaldadas, antes do resultado, já cantavam o espírito de “Madeira que cupim não rói”, frevo-canção de Capiba.
DIZEM OS VERSOS COMPOSTOS EM 1963: “Madeira do Rosarinho/ Vem à cidade sua fama mostrar/ E traz com seu pessoal/ Seu estandarte tão original/ Não vem pra fazer barulho/ Vem só dizer... e com satisfação/ Queiram ou não queiram os juízes/ O nosso bloco é de fato campeão/ E se aqui estamos, cantando esta canção/ Viemos defender a nossa tradição/ E dizer bem alto que a injustiça dói/Nós somos madeira de lei que cupim não rói”. O Brasil, o filme, Walter Salles, Fernanda Torres & elenco, eram – de fato – campeões desde a explosão de popularidade de “Ainda estou aqui”. Foram à Meca do cinema para seu talento mostrar, defender a tradição de excelência do cinema brasileiro e dizer muito alto que a injustiça do autoritarismo dói, e que não poder& aacute; jamais ser esquecida. O Oscar? Um detalhe – importante detalhe, mas o filme já era campeão antes dele. Fez história.
TEM IMPORTÂNCIA UNIVERSAL e atemporal o êxito de “Ainda Estou Aqui”, numa premiação representada pela frieza dos algarismos. Vamos as contas: até ontem, mais de 10 milhões de pessoas o assistiram no mundo, metade desse público no Exterior. Só nos Estados Unidos, 762 salas estão exibindo o martírio de Rubens Paiva. Cita o site MSN: “A plataforma Box Office Mojo estima a arrecadação do filme em US$ 27,4 milhões internacionalmente”, e prossegue: “No Brasil, também é um fenômeno. Quase quatro meses após o seu lançamento, ‘Ainda Estou Aqui’ segue em exibição em 261 das mais de 3 mil salas do país, segundo dados da Ancine (Agência Nacional do Cinema). Sua bilheteria no país já é a 5ª maior arrecadação financeira e o 7º maior púb lico [considerando os filmes também estrangeiros], com mais de 5 milhões de ingressos vendidos e R$ 104,7 milhões acumulados”. Os números são muito importantes porque o cinema é uma indústria e a sobrevivência de um produto, como em qualquer mercado, depende de seu resultado comercial, queira ou não a pureza artística e/ou ideológica.
É DE IMPORTÂNCIA UNIVERSAL o sucesso de “Ainda Estou Aqui”, mui especialmente num mundo em que várias nações importantes, inclusive superpotências como os Estados Unidos padecem de surtos autoritários. Não é primeiro filme sobre a ditadura militar brasileira, mas é o que alcança o maior número de corações e mentes. E com uma inusitada suavidade ao mostrar o horror ditatorial. Películas notáveis denunciaram o terror militarista imposto entre 1964 e 1985, como (só para citar sete dos que assisti) “Cabra Marcado para Morrer”, “Pra Frente Brasil”, “Kuarup”, “Lamarca”, “O Bom Burguês”, “O Que é Isso Companheiro?”, “O Beijo da Mulher-Aranha”. São bons filmes, antológicos, mas nenhum alcançou a abrangência do filme de Wa lter Salles, produção que encontrou em Fernanda Torres uma magistral Eunice Paiva, personagem que consegue retratar, de forma inquestionável e serena, o impacto de uma ditadura brutal sobre uma pessoa não-militante, uma dona-de-casa de classe média, fragilizada pela violência, mas capaz de reagir à força esmagadora desabada sobre sua família.
“UM PRÊMIO PARA A HISTÓRIA DO BRASIL” foi a melhor, a mais precisa, manchete publicada pela imprensa nacional, no dia seguinte à premiação. É isso aí! E esse Oscar das manchetes de primeira página vai para o diário Estado de Minas, uai.
Leia: “Ainda Estou Aqui” inspira a luta pela democracia https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/editorial-do-vermelho_6.html
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