A reforma política e o casuísmo de cada um
Luciano Siqueira
Já se disse que todos querem a reforma tributária, mas ela não vinga porque cada um tem na cabeça o modelo que lhe satisfaz – e não aos interesses maiores da nação. Com a reforma política dá-se o mesmo. Nem precisa ir longe, basta prestar atenção ao que dizem os quarenta deputados que compõem a Comissão Especial da Câmara, os dirigentes partidários ou ainda acadêmicos e analistas envolvidos com o tema.
Tive uma pequena amostra disso na XV Conferência Nacional da Unale (União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais), semana passada, em Florianópolis. Travou-se rico debate com os deputados Almeida Lima (que preside a Comissão Especial) e Henrique Fontana (relator). Rico, em termos. Na verdade, com todo respeito aos muitos colegas que tomaram parte, tem gosto pra tudo – ou seja: cada um procura um desenho de reforma que se adeque à situação particular em que conquistou o mandato, no interior do partido a que pertence e no ambiente eleitoral do seu estado (que supõem imutável).
O próprio Almeida Lima contribuiu para essa visão, digamos individualista, ao afirmar que “não são os partidos que outorgam os nossos mandatos, é o povo”, como argumento para a subestimação do fator partidário na construção de um regime democrático consistente e estável.
Ora, justamente os partidos é que expressam as correntes de pensamento presentes na cena política e viabilizam a abordagem da realidade de modo sistêmico, não fragmentado. Pelo menos em tese. Daí se quisermos realizar uma reforma de sentido efetivamente democrático o fortalecimento dos partidos há de ser a pedra de toque.
No atual sistema eleitoral brasileiro tudo conspira para enfraquecer os partidos. O eleitor é instado a escolher candidatos conforme seus supostos atributos pessoais, pouco se importando com seus compromissos programáticos. Além disso, os candidatos de uma mesma legenda são constrangidos a disputarem entre si, o que respinga na unidade e coesão. Por isso o sistema de listas pré-ordenadas pelos partidos para a disputa de cargos legislativos seria um grande avanço, justamente porque proporciona, no curso das campanhas, o debate de propostas. Os componentes da lista, obviamente lideranças e personalidades de prestígio e visibilidade pública, atuam como avalistas do programa partidário. Vi isso dias atrás em Portugal, onde em está em andamento a campanha para a Assembleia Nacional. Debates na televisão, reuniões partidárias e afins destacam justamente as propostas para o enfrentamento da crise econômica e financeira em que está atolado o país.
Igual avanço seria a adoção do financiamento público de campanha, antídoto às relações promíscuas entre grupos econômicos e candidatos que, frequentemente, se desdobram em expedientes escusos e antiéticos. Ainda no debate na Unale, não foram poucos os que protestaram arguindo com a “liberdade” de empresa A ou B financiar a campanha deste ou daquele candidato, sem o que o cidadão de classe média jamais chegaria ao parlamento (sic).
De modo também atravessado surge com certa força a defesa do chamado “distritão”, em que os eleitos seriam os mais votados individualmente, independentemente de legenda partidária. E, junto com isso, a extinção das coligações, cerceando a liberdade dos partidos se unirem ou não nas disputadas legislativas. (Aliás, em Portugal o Partido Comunista e o Partido Ecológico “Os Verdes” participam do pleito em coligação, com lista preordenada comum, sustentando programa de consenso).
Estou absolutamente convencido de que o financiamento público de campanha, a lista partidária preordenada e a manutenção do instituto da coligação também para as disputas proporcionais (além das majoritárias) formam o núcleo central da reforma política desejável. Mas é muito pouco provável que sejam aprovados. Melhor dizendo, o buraco é mais embaixo: na babel, dificilmente se aprova alguma reforma.
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