19 julho 2012

Continuidade e ruptura

Nem tudo se copia e muita coisa se cria
Luciano Siqueira

Publicado no Blog da Folha e no portal Vermelho

Dizem os publicitários em tom bem humorado que nada se cria, tudo se copia. Mas não é bem assim. Que seria da vida se tudo não passasse de mera repetição? Não valeria a pena viver, pois a vida que deve ser vivida é a vida reinventada, como ensina Cecília Meireles.

Pois bem. Estamos em plena campanha eleitoral e, como sempre acontece, candidatos ao Executivo municipal debatem propostas, anunciam o que se convencionou chamar programa de governo. Aqui e acolá uns acusam outros de plágio, reivindicando para si a paternidade de determinada proposição. Ou, o que dá no mesmo, reclama que o adversário copia experiências testadas em outras plagas.

Pura bobagem. Primeiro, porque as boas ideias devem ser, em tese, acolhidas por todos os que com elas estiverem de acordo. Segundo, porque experiências bem sucedidas devem sim, servir de exemplo e podem e devem ser adaptadas à realidade local.

Mas o que está no motivo da discórdia é o jogo de palavras destinado a atrair a simpatia do eleitorado. No entanto, ao se examinarem as propostas de cada um – mesmo com rotulagem semelhante -, surgem diferenças de conteúdo, muitas vezes profundas.

As diferenças qualitativas começam pela dimensão em que a proposta é apresentada. Não basta anunciar a intenção, impõe-se esclarecer o gesto: o quê, quando, onde, como, quanto custa, quais as fontes de financiamento. Isto vale, por exemplo, para a melhoria e a ampliação da rede municipal de saúde, para a requalificação da educação fundamental e assim por diante.

Demais, o contexto político que sustenta tal ou qual proposta, a depender da natureza das forças reunidas em torno dela, também faz a diferença. Por isso é comum propostas aparentemente inovadoras caírem no descaso quando se vê quem as defende – sem a menor possibilidade de realiza-las. Por outro lado, se quem a sustenta se respalda na experiência acumulada, exibe potencialidade de vitória no pleito e condições de governabilidade a posteriori, a receptividade – e a credibilidade – nem se compara.

Também pesa o modo como se gesta o programa apresentado: se urdido entre quatro paredes por técnicos que, embora competentes e bem intencionados, não dialogam com a população; ou se produzido mediante fusão entre o conhecimento e a experiência acumulada e a ausculta da população.

Finalmente, um dado de concepção que também importa, e muito. Da mesma maneira que a sociedade nova é parida na sociedade velha – numa perspectiva mais ampla da transformação social -, em geral não se deve negar integralmente o que foi feito para começar tudo de novo. Uma medida da consequência do que se propõe é a devida consideração do que terá sido construído antes, que agora pode ser reformado, requalificado e posto em bases mais avançadas.

Assim, nem tudo se copia e muita coisa pode ser criada, à luz de uma postura política renovadora e consequente e da mobilização de competências técnicas associadas ao sentimento das ruas.

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