14 julho 2013

Uma crônica para descontrair

A mãe, o menino e eu
Luciano Siqueira

 
Longe de mim separar mãe e filho. Não era essa a minha intenção, mas não tive outra alternativa. Quer dizer: não separei, apenas os mantive em assentos de filas diferentes no avião.

É bom explicar. Toda vez que viajo, faço um esforço danado para marcar assento no corredor. A janela não me interessa, faz-me sentir aprisionado lá no canto. Para ir à toalete ou caminhar um pouco durante o voo, a gente tem que incomodar os vizinhos. No assento do meio, nem pensar. Ali no aperto é difícil ler e tomar notas, e ainda tem aquela disputa surda pelo encosto do braço. Já o corredor é uma tranquilidade. Liberdade de ação, visão privilegiada e divertida do movimento de comissários e comissárias e de passageiros.

Pois bem. Num voo da Gol em que precisava tomar notas para uma reunião do PCdoB, a jovem lourinha sorridente, bermuda curtíssima e discreta argola no nariz diz ao garoto que “espere, mamãe vai já pra aí” e de pronto me pede para trocar de lugar para um assento E – no terrível meio! O garoto, do alto dos seus talvez sete anos, responde com um sonoro “não precisa, mãe!”.

Estimulado pelo grito de independência do pequenino e ansioso por voltar às minhas anotações, encaro a mãe que não tem jeito de mãe e mais parece uma filha adolescente, peço desculpas e me recuso a trocar de lugar, alegando a necessidade de escrever. Ela sorri um sorriso sem graça, pronuncia um burocrático “não se preocupe, eu entendo, imagina!” e se aboleta ao meu lado. No meio.

E cadê a concentração para continuar escrevendo? Afinal, desde quando enveredei pela pediatria e me dediquei ao estudo da psicologia evolutiva, sempre soube que mães e filhos não devem viver grudados um ao outro. É bom que a mãe trabalhe, os filhos aprendam na prática que todas as pessoas precisam conquistar o seu sustento com esforço e que lugar de mulher não é na cozinha. Mães e pais devem dedicar atenção aos filhos, muito amor, sem jamais superprotegê-los. Vale a qualidade da atenção, não necessariamente a quantidade. Por outro lado, a vida é uma selva - garotos que desde cedo se mostram independentes serão adultos corajosos e altivos.

Pensava tudo isso evitando olhar a jovem mãe ao meu lado. Meio convicto, meio envergonhado. Entre o carinho materno e o infante se interpunha a sisudez do militante austero que não podia sacrificar duas horas e meia de trabalho em nome da cortesia.

Mas fui salvo pelo gongo. Alguém se mudou para o fundo da aeronave e a mãe adolescente me pediu licença, iria finalmente ao encontro do filhote, sem causar incômodo ao vizinho intransigente. A paz retornou ao ambiente e pude voltar ao trabalho.

Agora, passada a agonia, posso contabilizar a minha modesta, porém oportuna contribuição à educação de pais e filhos. Assim penso – para aliviar a culpa por ter mantido por alguns minutos uma mãe insegura diante de um filho que não estava nem aí, preferia viajar sozinho.

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