50 anos do golpe militar:
alguns olhares
Luciano Siqueira
Repensar-se a si mesma é uma necessidade de
toda sociedade em tempo de mudança. A revisitação da própria História em busca
de lições que inspirem a caminhada no presente. Este é um dos sentidos das
atividades alusivas aos 50 anos do golpe militar perpetrado em 1964, que ora se
realizam Brasil afora.
Para os que
viveram as diversas faces e momentos da ditadura, reflexão e emoção fundem-se e
o espírito é tomado por imagens, rostos, fatos, palavras, sentimentos.
Impossível pensar os anos de chumbo abstraindo a vivência pessoal e a percepção
dos muitos olhares sobre passado recente do país.
O olhar do
adolescente voluntário do Movimento de Cultura Popular, criado no Recife pelo
prefeito Miguel Arraes, no início dos anos sessenta – e o impacto da interdição
do MCP, em abril de 1964, e da repressão sobre os educadores Paulo Freire e
Anita Paes Barreto, adeptos de uma pedagogia libertária.
O olhar
atônito e assustado diante da deposição e prisão do governador Arraes e das
torturas sobre o dirigente comunista Gregório Bezerra pelas ruas de casa Forte.
O olhar do
líder estudantil cassado pelo Decreto-Lei 477, em 1969, proibido de frequentar
bancos escolares por três anos; e logo em seguida convertido em vendedor
ambulante de confecções, com nome e documentos falsos, para escapar à
perseguição policial e prosseguir a militância partidária – e, na convivência
com o povo simples do interior, a compreensão exata dos males que o modelo de
desenvolvimento imposto pelas armas, dependente, concentrador da produção, da
renda e da riqueza e socialmente excludente trouxe aos que sobreviviam do
próprio trabalho.
O olhar do
preso político esmagado pela tortura e pela dor da perda de camaradas de luta,
mortos brutalmente nas masmorras do regime.
O olhar do
recém-libertado que, retornando à Faculdade de Medicina, se deparou com a
absurda ausência de debate em sala de aula, convivendo com uma nova geração de
estudantes que não conhecia a liberdade de expressão nem a busca de saídas para
os impasses da sociedade brasileira.
O olhar do
militante de volta às ruas na luta pelo fim da ditadura – a campanha das
diretas-já, a vitória de Tancredo no Colégio Eleitoral via pressão popular e a
reconquista da esperança.
A convicção
de que vivemos hoje, desde a assunção de Lula à presidência da República, em
2003, e as enormes conquistas alcançadas na década, a retomada do fio da
História. A linguagem não é a mesma, mas bandeiras das reformas de base se
traduzem agora na busca de um projeto nacional de desenvolvimento apoiado nas
mesmas concepções de antes do golpe, agora renovadas teórica e politicamente,
em sintonia com o novo tempo.
E
diante da pergunta que em toda parte me fazem: “Valeu a pena?”, a resposta
pronta, convicta e emocionada: Sim, valeu a pena. Está valendo a pena. O povo
está vencendo. (Publicado no Blog de
Jamildo – Jornal do Commercio Online; no Jornal da Besta Fubana e no Blog de
Revista Algomais).
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