01 março 2014

Uma crônica para descontrair

Tantos carnavais

Luciano Siqueira, no portal Vermelho

Todo carnaval é assim: tenho que responder se vou permanecer no Recife e em Olinda, sob as ordens de Momo, no compasso eletrizante do frevo ou do batuque sedutor do maracatu, e se não for, por que não, se gosto ou não gosto e por aí vai.

Avesso a dar explicações sobre minhas escolhas para além da militância política, termino caindo na tentação de relembrar antigos e recentes carnavais, das diversas fases de minha vida que ultrapassam as seis décadas, e sobre a tradição guerreira do carnaval pernambucano.É que o tríduo momesco, como se dizia antigamente, envolve a todos – os que caem na folia e os que só observam e até os que se mantêm à distância.

Agora mesmo termino um prazeroso colóquio sobre o tema com amigos recentes que ainda pouco sabem da minha relação de amor com a festa e até imaginavam que nutrisse algum sentimento avesso. Reconheço a emoção ao comentar a verdadeira saga popular dos pernambucanos pobres pelo direito de compartilhar o chão de nossa terra com as elites e passarem de meros espectadores a foliões com todos os direitos. Os enfrentamentos com a polícia que reprimiam as primeiras agremiações populares, no início do século 20, o uso da estrutura metálica do guarda-chuva como forma de enfrentar a sanha dos meganhas, resultando nessas peças multicolores e delicadas de hoje, as sombrinhas de frevo.

Os amigos, um jovem casal que reside no Recife há pouco mais de dois anos e que literalmente dá os primeiros passos na festança, se espantam quando digo que nos anos 50, em Natal, onde vivi até o meio da adolescência, meu pai comprava lança-perfume Rodouro, importada da Argentina, e dava aos filhos para que fizessem bom uso no assédio aos brotinhos (as gatinhas de então). Lança-perfume se tornou proibida nos anos 60, na curta presidência de Jânio Quadros.

Adiante, em pleno rigor da militância clandestina, início dos anos 70, em Santana do Ipanema, sertão de Alagoas, Luci e eu, emocionados, descobrimos, durante o cortejo da Escola de Samba Unidos do Monumento, no muro de uma das ruelas, inscrição antiga de um candidato a vereador pelo Partido Comunista. Ali mesmo, numa segunda-feira gorda, acompanhei uma charanga que percorreu quase toda a cidade com batuque improvisado e, já no meio da tarde, a cabeça a mil pelo excesso de oxidrila, arrisquei um salto espetacular do alto da ponte para mergulhar no rio e quase morro afogado.

A conversa transcorreu repassando imagens como em vídeo tape. Carnavais de Olinda, vários. Todos apaixonantes, a partir do primeiro (para mim e Luci), após sairmos da cadeia, em 1977, quando o prefeito Germano Coelho, em início de mandato, tendo recebido a prefeitura em situação calamitosa, sem recursos para apoiar a festa, apelou população que ornamentou com toalhas, lençóis e tecidos coloridos as fachadas e janelas do sitio histórico, fazendo a festa com paixão e raça.

Bom, também as lembranças de amores e dores da adolescência vividos nos quatro dias de fantasia. Passado o tempo, ficaram só as boas recordações. O fato é que essa festa que em Pernambuco é rigorosamente democrática, espontânea e livre, faz muito bem aos viventes que dela fazem bom proveito. Evoé!

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