27 setembro 2017

Um direito essencial

Questão de saúde e de bom senso
Cida Pedrosa*, no Diário de Pernambuco

Uma mulher, por minuto, faz aborto no Brasil. Esse dado da Pesquisa Nacional do Aborto 2016, realizada pelo Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero) e Universidade de Brasília (UnB), mostra o quão é urgente discutir a questão do ponto de vista da segurança e saúde das mulheres. Afinal, segundo a pesquisa, somente em 2015 foram feitas 500 mil interrupções de gravidez. A maioria, certamente, na clandestinidade para fugir ao rigor da lei, que prevê pena de prisão de até três anos para a mulher que aborta sem atender às condições permitidas – quando a vida dela corre risco, em caso de estupro ou de anencefalia do feto.
Num universo tão vasto, provavelmente você conhece uma mulher que já fez aborto e sabe o quanto essa experiência foi traumática para ela. A começar pela difícil decisão de não procriar, tomada pelos mais variados motivos. Algumas tiveram que contrariar suas crenças e princípios e, além das dores da alma, enfrentaram ameaças ao corpo, submetendo-se a métodos questionáveis e arriscados para sua saúde.
O fato é que a proibição ao aborto não evita sua prática. Apenas impele mulheres a buscar meios arriscados de interromper a gravidez, resultando num sério problema de saúde pública. Afinal, como a pesquisa aponta, a maioria das mulheres que aborta tem baixa escolaridade, é preta, parda e indígena e vive nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Com esse perfil de baixa renda, certamente terão de recorrer ao SUS em caso de complicações (o que ocorre em quase metade dos casos, segundo a pesquisa), comprometendo ainda mais a saturada rede de saúde pública.
Mulheres brancas, de classe mais abastada e com maior escolaridade também abortam. Mas são as negras e pardas, de baixo poder aquisitivo, que morrem por falta de atendimento qualificado.
É importante esclarecer que defender a descriminalização do aborto não significa ser favorável à interrupção da gravidez. É apenas reconhecer que punir uma mulher que aborta com prisão tão somente agravará as nossas mazelas sociais. Quem cuidará das crianças e jovens que ficarão sem as mães? Pois, ao contrário do que se pensa, muitas dessas mulheres já têm outros filhos.
A política repressiva apenas aprofunda o sofrimento das mulheres já maltratadas pela interrupção da gravidez e rechaça a possibilidade de uma discussão franca e racional sobre seus direitos reprodutivos, um dos poucos caminhos que podem afastá-la de outro abortamento no futuro. Amanhã, 28 de setembro, Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina, aproveitemos para refletir sobre essas questões, distanciados da hipocrisia, das visões reducionistas e das soluções inócuas.
*Secretária da Mulher do Recife
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