Amor em anos de chumbo
Ernesto Barros, no Jornal do Commercio*
Amores de Chumbo, o primeiro longa-metragem da cineasta pernambucana Tuca
Siqueira, está em cartaz em sessões exclusivas no Cinemark RioMar. O filme
marca a abertura do Projeta às 7, uma parceria entre a distribuidora Elo
Company e a Rede Cinemark, com sessões de segunda a sexta-feira, sempre às 19h,
em 19 cidades brasileiras. Depois dessas exibições, em caráter de pré-estreia,
o longa ganha lançamento oficial no próximo dia 14. Amores de Chumbo também é o
primeiro longa do selo Elas, recém-criado pela Elo, voltado exclusivamente para
filmes realizados por mulheres.
Estreia
auspiciosa de Tuca no cinema de ficção, Amores de Chumbo teve a primeira
exibição na Mostra Novos Rumos do Festival do Rio 2017. Com segurança de
veterana – já realizou inú- meros curtas e documentários de longa duração –, a
cineasta desnuda seu coração e sua história pessoal ao criar três personagens
marcados pela violência da repressão política da década 1970 e os fantasmas do
passado que assombram o presente delas.
Filha
de um ex-preso político – o vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira –, Tuca
já havia realizado dois documentários sobre ex-militantes políticos. Depois
desse contato, ela disse, numa entrevista, que desistiu de fazer um filme de
época para se concentrar numa história sobre a vida atual de quem lutou contra
a ditadura militar e que hoje está com 65/70 anos.
A
decisão, além de poupá-la de uma narrativa já conhecida, acabou por fazer com
que criasse uma história envolvendo uma escritora expatriada na França que vem
ao Recife para rever um antigo amor da juventude, que lutou com ela e que há 40
anos está casado com a melhor amiga dela. Embora Tuca não mostre uma imagem
sequer dos anos de chumbo, os signos da época e a memória dos personagens fazem
com que os espectadores viajem ao passado.
Com
sensibilidade à flor da pele e nenhuma concessão aos excessos românticos, Tuca
cria perfis delicados e duros dos três personagens. Eles mergulham na dor e não
se escondem dos delitos cometidos em nome da paixão. Quando acontecem os
encontros entre a escritora Maê (Juliana Carneiro da Cunha, de Lavoura Arcaica)
e o casal Miguel (o diretor de teatro cearense,radicado no Rio, Aderbal Freire
Júnior) e Lúcia (a pernambucana Augusta Ferraz), dá para sentir no ar o misto
de espera e acerto de contas, temperados com a saudade e a decepção.
Conta
muito para o sucesso do filme a eficiente e inteligente decupagem das cenas,
principalmente o encontro sempre a dois entre os personagens, que também
incluem Ernesto (Rodrigo Rizla, muito bom), o filho de Miguel e Lúcia. Através
de longos planos, a tela em cinemascope (a fotografia é Beto Martins) acolhe-os
em posições laterais, permitindo que se movam e criem uma tensão realística,
sem que o filme tenha problema de ritmo.
Mas
é bom esclarecer, mais do que técnica Amores de Chumbo é um filme que toca com
profundidade nossas presunções acerca da felicidade. Como acontece em tantas
vidas, só o silêncio e o esquecimento, quando possível, são capazes de
apaziguar a perda de um grande amor. Amores de Chumbo é uma grata e bela
surpresa, uma verdadeira pérola cinematográfica.
(*)
Publicado no Caderno C da edição do Jornal do Commercio de 02/06/2018
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