O crime em pacote
Janio de Freitas, Folha de S. Paulo
Aqui no chão, o massacre na
favela paulistana de Paraisópolis fazia ecoarem, mais uma vez, os adjetivos usuais contra
a barbaridade policial. Nas mordomias palacianas, o responsável primeiro e
último pela política policial de São Paulo recitava, como um manequim falante,
a defesa imediata dos assassinos, para desdizer-se quando viu os protestos.
No paraíso mais autêntico, a Câmara e o Senado encontravam a
melhor oportunidade para aprovar o que restou de um papelório perpetrado por
Sergio Moro, sob o batismo de “pacote
anticrime”.
Se já vigente antes do assalto policial a Paraisópolis, o
“pacote anticrime”, fosse em suas propostas originais ou pós-varredura
parlamentar, não teria impedido, dificultado nem ao menos desestimulado o
massacre. O crime encontraria o mesmo caminho aberto.
O “anticrime” proposto por Moro tratou só de mais anos na pena
máxima, instância de julgamento, inocentação prévia de policiais matadores,
arquivos de criminalidade, penalizações de crimes pelas redes.
Nada de ação anticrime. Tudo referente ao pós-crime, voltado
mais para o Judiciário e os códigos de processo penal. Muito mais voltado para
o criminoso consumado do que para o crime e sua facilidade atual. No entanto,
esta diferenciação preliminar e leiga, indispensável e urgente, ainda não se
mostrou nos saberes do juiz Sergio Moro.
Que influência pode haver, para quem está na criminalidade, se a
pena máxima a que se sujeita for de 30 ou, como aprovada agora, de 40 anos? Em
grande número, esses fora da lei começaram no crime, muito jovens, como meio de
sobrevivência no país hostil aos pobres. O país onde a imensa massa de meios
financeiros e materiais nunca se desviou, em dimensão efetiva, das classes rica
e média-alta para fazer, por dever de justiça cívica e por inteligência, o que
até resultaria em prevenção da criminalidade.
A geração de lucro tem precedência, no Brasil, sobre qualquer
outra destinação possível do dinheiro público-privado. Quem luta pela
permanência do socialmente frutífero Minha Casa,
Minha Vida, por exemplo, são os construtores e seus lucros
potenciais.
É a regra do capitalismo duro, ultraliberal, exclusivista no
sentido de excluidor e concentrador. Quanto à polícia? A matança é nos bairros
da pobreza. A cada onda de protesto, retiram-se da rua os policiais acusados
(não para a cadeia, porém), compram-se algumas centenas de equipamentos,
mudam-se dois ou três comandos. Agora, governo novo, de justiceiros: nesse
caso, um pacote —obtuso, inconstitucional, ineficaz.
Submeter as polícias à lei, treiná-las muito bem para a ação
técnica, e não mais homicida por finalidade. Despovoá-las dos marginais, e
então tratá-las como profissionais competentes devem ser tratados.
O tempo para medidas assim práticas não é muito, consideradas as
levas de jovens lançadas, pela economia do desemprego e das carências, na
subvida do submundo. E vista, ainda, a crescente capacidade de fogo disponível
para esses maltratados. A verdade é que as polícias estão derrotadas, incapazes
de reter a ação e o crescimento dos seus adversários. E derrota continuada
termina por ser derrota definitiva.
A situação atual já é um capítulo sem precedente: a expansão do
que está à margem da lei deixou de ser apenas horizontal para ser também
vertical. Os impasses e obstruções do
caso Marielle Franco, o intocável
Fabrício Queiroz, a intrigante sinuosidade do Ministério Público na investigação de
Flávio Bolsonaro e seu gabinete, o poder miliciano e suas conexões
com o poder.
Mas, como parte disso, a proposta do ministro da Justiça foi o
tal “excludente de
ilicitude”, que deixa de considerar ilícito o assassinato por
policial “sob violenta emoção”. Derrubada pelos parlamentares, Moro e Bolsonaro
pretendem restaurá-la. Afinal, a situação já é outra.
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