Quando urnas podiam criar asas
Luciano Siqueira
Nos idos de 1985, a maioria das correntes de esquerda ainda abrigadas no então PMDB, deu-se no Recife uma eleição interna, envolvendo todos os diretórios zonais, em torno da escolha do candidato a prefeito.
Luciano Siqueira
Nos idos de 1985, a maioria das correntes de esquerda ainda abrigadas no então PMDB, deu-se no Recife uma eleição interna, envolvendo todos os diretórios zonais, em torno da escolha do candidato a prefeito.
Uma ala importante, que incluía o senador Marcos Freire e outros
próceres de peso, fixou-se no nome do deputado Sérgio Murilo Santa Cruz. No
campo oposto, Miguel Arraes e vários outros líderes, incluindo os comunistas do
PCdoB, preferiram Jarbas Vasconcelos.
Verdadeira batalha campal, a ser decidida no voto dos filiados.
Era a antessala das eleições de 1986, em que da correlação de
forças daquele amontoado de correntes políticas sairia o candidato a
governador.
Numa tensa reunião preparatória na residência de Arraes, em Casa
Forte, onde se mapeavam possíveis votos, um vereador de longa estrada
percorrida saiu-se com essa:
— É preciso esclarecer se algumas urnas poderão ter asas.
— Como assim?, perguntei meio que ingênuo na matéria.
— Ora, se a gente já sabe onde pode perder, o jeito é dar fim a
algumas urnas em que o adversário tem vantagem, respondeu o dito cujo.
Claro que ali ninguém admitiu urnas aladas. Além de eticamente
condenável, seria politicamente injusto e até perigoso.
Perdemos a disputa, Jarbas Vasconcelos migrou para a legenda recém-reorganizada
do PSB e o elegemos prefeito.
Nos dias que correm, o Brasil ostenta a fama de haver criado o
sistema de urnas eletrônicas, hoje protegido por mecanismos eficazes contra
qualquer tentativa de fraude.
Mas o capitão presidente, em coerência com seu ideário regressivo,
vez por outra põe em dúvida a lisura do sistema eletrônico. Sem nenhuma
evidência que respalde a dúvida.
Na verdade, quem governa apoiado por milícias e apela
constantemente à ilegalidade, bem que gostaria de retornar ao sistema antigo de
contagem manual do voto impresso e, quem sabe, fazer urnas criarem asas e
desaparecerem conforme seus interesses.
Tomara que não.
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