14 janeiro 2021

Cláusula de barreira

Federações Partidárias eleitorais como medida democrática

Walter Sorrentino*

 

Acabada uma eleição, começa a se articular a seguinte, de 2022. Com isso cresceu o interesse de pessoas progressistas sobre as consequências das barreiras impostas à representação parlamentar dos partidos políticos, sob o argumento de que são muitas as legendas no país e seria preciso “enxugá-las para formar maiorias parlamentares sólidas”.

Uma é a intitulada cláusula de desempenho, já inscrita na Constituição. A barreira importava conquistar 1,5% dos votos válidos nacionais em 2018, e exigirá 2% em 2022, 2,5% em 2026 e 3% em 2030, na eleição a deputados federais. Sem isso, os partidos permanecem, mas sem direito à representação parlamentar pelos deputados que elegeu, sem tempo de TV, Fundo Partidário e Fundo de Financiamento de Campanha.

A cláusula de desempenho produz no tempo concentração de poucas legendas – mas por via de restringir a representação política da sociedade. Atinge não só legendas fisiológicas de ocasião, mas mesmo forças políticas estruturadas em base a um ideário e programa. São poucas as “grandes” legendas que têm garantia de superar a cláusula em todos os Estados necessários até 2030. Não há dúvida que o prejuízo é maior para os partidos do campo popular e progressista.  Ficam ameaçadas legendas que são exemplos para o sistema partidário brasileiro – como, entre outras, o PCdoB, o PV e a REDE, até mesmo o de partidos médios desse campo.

A disfuncionalidade real do sistema partidário no país exigiria uma reforma política. Mas ela foi renitentemente evitada durante a Nova República, inserindo-se apenas enxertos que restringem a própria representatividade popular no parlamento e aprofundam distorções. Uma foi a PEC da referida cláusula, outra foi a proibição de coligações para eleições a deputados e vereadores. Hoje, as alianças só são permitidas para candidaturas a prefeitos, governadores, senadores e presidentes da República.

Isso foi um casuísmo, jabuti na árvore. É uma medida que, visando ao mesmo alvo já citado, multiplica a dificuldade de superar a cláusula de desempenho para todos.

Na verdade, atenta contra a norma democrática. Os partidos são entes para-estatais dotados de completa autonomia política e organizativa, pela norma da Carta Magna e da legislação partidária e eleitoral. Que sentido tem, então, proibi-los de realizar alianças em eleições proporcionais? Nenhum argumento democrático sustenta essa medida.

Essa vedação é infraconstitucional e pode ser enfrentada de imediato pelo Congresso. Hoje, o único caminho que restaria aos partidos que não ultrapassam a barreira é fundir-se ou incorporar-se a outra legenda, portanto, nos termos da legislação atual,  extinguindo-se. Uma flexibilização das alianças consiste em permitir que duas ou mais legendas já existentes e registradas possam se aliar na forma de Federação partidária, com todos os direitos e obrigações de um partido político, assegurando que isso tenha validade nacional e pelo prazo da legislatura. Ao mesmo tempo, mantém a existência autônoma das organizações que as integram. Quem deve superar as barreiras são as Federações. Será dela o direito ao tempo de TV, Fundo Partidário e de campanha.

Não é o mesmo que as coligações proporcionais ora proibidas, que se realizavam em diferentes amplitudes, entre diferentes composições partidárias em cada um dos Estados. Com as Federações reduz-se a fragmentação partidária, estendendo de modo coerente as alianças majoritárias também ao terreno dos parlamentos.

São tipo de alianças que não sobrecarregam o sistema legislativo e concentram os campos político-partidários em disputa. Permitem convergências próprias da luta política a cada situação. Quem quiser as faz, quem não, está no seu direito. De todo modo, assegura a vontade popular que elege deputados e vereadores sempre que as Federações superem a cláusula de desempenho.

É inacreditável vedar isso no Brasil. Experiências de concertações políticas e eleitorais fazem parte da história política antiga e recente. São concertações políticas que se traduzem por acordos eleitorais. Por exemplo, no Uruguai, constituiu-se o Frente Amplio; na África do Sul, o Congresso Nacional Africano: ambos aglutinam  diversas organizações políticas e sociais – garantidas suas autonomias, mas numa única chapa. Nas eleições nos  países europeus se apresentam coligações eleitorais, agrupando várias legendas e, nas eleições da União Europeia existe o Partido da Esquerda Europeia como legenda eleitoral, integrada por diversos partidos autônomos. Em várias situações, as forças envolvidas acordam entre si as listas de candidaturas pré-ordenada ou mesmo votar nos candidatos mais fortes em cada situação e, quando necessário, os parceiros se ajudam entre si para superar a cláusula de desempenho, como aconteceu no México sob a coligação liderada por AMLO.

No Brasil, as Federações seriam uma inovação bem vinda quanto às alianças eleitorais. Será o caminho brasileiro para elas e para promover a união de forças dentro da pluralidade da representação institucional.

As saídas ao profundo desarranjo da nação brasileira são políticas. Não se pode amputar o mais essencial da atividade política, que são as alianças eleitorais. Cabe ao Congresso Nacional sanar esse défice democrático. O Brasil precisa de mais democracia, não menos. As federações eleitorais vão ao encontro desse objetivo.

*Walter Sorrentino, médico, é vice-presidente nacional do PCdoB

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