Está claro: maluco por maluco, o nosso é muito mais
Se não for enfrentado, um poder enlouquecido será cada vez mais autoritário
“Tirar Donald Trump com um impeachment veloz é o único meio de talvez
evitar o que seria seu maior feito: aproximar ainda mais os Estados Unidos de
uma convulsão. Até a prevista posse de Joe Biden em 20 de janeiro, serão mais
de dois meses concedidos a um presidente ensandecido, que acusa de roubo e
corrupção o sistema eleitoral e avisa o país de que resistirá ‘até o fim’.”
Aí estão a primeira e a terceira frases do artigo “Trump
até o fim”, transmitido à Folha em
6 de novembro, ou três dias depois de encerrada a eleição americana, e publicado no domingo
8. Trump e Joe Biden
esperariam ainda um mês e sete dias para ver a vitória e a derrota respectivas.
Quatro anos
antes, Trump vencera
Hillary Clinton no Colégio Eleitoral, mas perdera na preferência
(inútil) do eleitorado, iniciando aí as acusações de fraude que prometia
provar, e nem estranhezas superficiais apontou. O desespero alucinado da
contestação à vitória de Biden, explodindo já na apuração inicial, atualizava e
exacerbava quatro anos de mentiras, acusações e ameaças sobre a eleição
presidencial. Não precisaria de mais para justificar uma reação altiva das
instituições feridas em sua moralidade e do ameaçado teor democrático do
regime.
A invasão do
Congresso decorreu de longo processo de incitação generalizada por
Trump contra a democracia de cara americana, até a culminância com o discurso à
turba convocada —uma hora e dez de enfurecimento concluído com a ordem de rumo
ao Congresso. Mas esse processo não avançou por si só. Nem foi o único a
esfolar a democracia à americana e levar à invasão do Congresso.
Trump chegou à
Casa Branca como portador de um currículo de trapaças e relações violentas,
muitas já condensadas em processos, inclusive falência fraudulenta e volumosa
sonegação de impostos —o crime dos crimes, por lá. O programa que propôs foi um
amontoado de monstruosidades, incabíveis na índole apregoada da democracia
americana: expulsão em massa de latino-americanos; um muro na
fronteira sul, com a mesma finalidade do muro de Berlim, que os
mexicanos seriam obrigados a pagar; retirada de várias entidades da cooperação
internacional; acirramento da crise no Oriente Médio, guerra comercial com a
China, e incontáveis outras agressões à incipiente civilização.
O partido e a
mídia (sic) republicanos aceitaram muito bem a presença dessa figura
delinquente, com seu sonho demente, em eventual presidência do país, dito “a
maior democracia do mundo”. E todas as instituições, entidades civis e oficiais
com o dever de defesa da democracia e da moralidade política, acompanhadas pelo
Partido Democrata, fugiram de suas responsabilidades.
Trump cumpriu
grande parte do que programara. O que não fez, substituiu por atitudes e
decisões equivalentes em imoralidade e desumanidade. Como a separação de
milhares de crianças e seus pais, recolhendo-as ao que nos próprios
Estados Unidos foi comparado a campos de concentração. Prática típica do nazismo.
Essa e as demais, no entanto, insuficientes para motivar a Justiça americana, o
Congresso, a mídia, os setores influentes da riqueza, nem alguns deles, a
levantar-se a todo risco para impedir a demência no poder, antes que se
tornasse a demência do poder.
Donald Trump teve
caminho livre para ser Donald Trump, mesmo quando despontou uma tentativa de
reação democrata, sob a forma de impeachment derrotado.
Está claro: um
poder enlouquecido de autoritarismo, ambição e desumanidade, se não for
enfrentado e vencido cedo, será cada vez mais autoritário, ambicioso e
desumano.
Está claro: por
perturbadoras que sejam, medidas como interdição e impeachment serão sempre
menos danosas à população, ao presente e ao futuro do país, do que a omissão
fugitiva dos guardiães das conquistas democráticas, se agredidas ou postas em
perigo —institucional ou social.
Veja: Trabalho, renda e vacina são destaques na
resistência imediata https://bit.ly/35deEMX
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