A ironia de Arraes e os caminhos da política
Luciano Siqueira (*)
Frequentemente as pessoas negligenciam os fatores
que efetivamente determinam o rumo dos acontecimentos na política.
O subjetivismo se superpõe à análise da realidade
concreta. Em certos casos, até por quem nela está envolvido por dever de ofício.
Foi o que se deu em meados de 1986. Era Miguel
Arraes, no auge do prestígio, fortíssimo candidato a governador.
Fui abordado, em diferentes ocasiões, por três
pretendentes à vaga de vice — o colega deputado estadual Edgar Moury
Fernandes e os deputados federais padre Mansueto de Lavor e Carlos Wilson,
todos do PMDB.
Cada um a seu modo procurou se apresentar como
solução ideal.
O futuro governador, pensativo, puxou uma baforada
do cachimbo que inundou toda a sala e disparou:
— Se o argumento é esse, o assunto está resolvido.
É minha mulher, pois ninguém conta mais com a minha
simpatia do que ela.
E com uma sonora gargalhada deu por encerrada a
discussão.
A chapa majoritária viria a se constituir, algum
tempo depois, com Carlos Wilson, egresso da Arena e bem entrosado com a classe
média conservadora do Recife, como vice-governador; o padre Mansueto de Lavor,
com respaldo da Igreja Católica e razoável base de apoio no Vale do São
Francisco e em outras áreas interioranas, e o usineiro Antônio Farias, forte no
Agreste, ambos candidatos ao Senado.
Pesaram na composição a base social e política e o
potencial de votos dos escolhidos, não a simples simpatia pessoal.
Tirante a ironia bem-humorada de Arraes, o
episódio apenas retrata o óbvio. A luta por cargos majoritários é jogo pesado.
Requer força, a ser potencializada através de propostas que sensibilizem amplos
setores da
sociedade e empolguem a maioria do eleitorado.
A menção é oportuna agora que passou o Carnaval e
estamos todos, pelo Brasil afora, enredados nos prolegômenos do pleito
de 2006. E não falta quem especule sobre possíveis candidatos a governador a
base de considerações secundárias, calcadas no mais primário subjetivismo.
Como avaliar hipóteses e aquilatar possibilidades
concretas?
Ainda é cedo, dirão os mais sensatos. O que é
verdade. Porém é necessário estabelecer, desde já, um amplo diálogo entre
correntes políticas afins no sentido de produzirem um projeto, no âmbito de
cada estado, destinado a unir forças.
A exemplo de Pernambuco, onde se desenha a
possibilidade real das atuais correntes oposicionistas elegerem o sucessor do
governador Jarbas Vasconcelos. Desde que, independentemente de pré-candidaturas
legitimamente postas por alguns partidos, se cumpra uma agenda de discussão
sobre questões substantivas, como os desafios do desenvolvimento local como
parte da retomada do crescimento econômico no país.
Algo que dê conteúdo e concretude às
futuras alianças políticas e eleitorais. Considerando, naturalmente, a força
real de cada um.
(*) O texto é da minha
coluna do Vermelho de 17 de fevereiro de 2005. Em boa medida oportuno nos dias
que correm, quando desde a virada do ano todas as forças políticas cuidarão de
acumular forças para as eleições gerais de 2020.
Veja: Obstáculos à existência de partidos de base
popular https://bit.ly/34vKu7c
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