19 fevereiro 2024

As razões dos agricultores europeus

A revolta dos tratores

Há muito tempo os agricultores do Velho Continente estão à beira do abismo, endividados, pressionados pela grande distribuição e pelos gigantes da indústria alimentícia, dependentes de um sistema de subsídios que favorece os grandes proprietários
Benoît Bréville/Le Monde Diplomatique



Em seu monólogo televisivo de duas horas em 16 de janeiro passado, Emmanuel Macron dedicou não mais que cinco segundos ao destino dos agricultores. Uma inegável capacidade de prever o futuro: dois dias depois, eclodia uma das mobilizações agrícolas mais importantes das últimas décadas. Em todos os cantos da França, tratores bloquearam as rodovias, criadores despejaram esterco em frente aos supermercados, pneus queimaram na praça das prefeituras, e os escritórios dos políticos eleitos viraram alvos… 

Os sinais precursores dessa ira camponesa, no entanto, haviam se multiplicado nas últimas semanas. Na Europa, mobilizações agitaram a Alemanha, a Polônia, a Romênia, a Holanda, a Espanha e a Bélgica. Na França, desde novembro agricultores viram as placas de trânsito colocadas na entrada dos vilarejos como símbolo de uma profissão que “anda de cabeça para baixo”. Em 10 de janeiro, em um comunicado alarmante, seis centrais sindicais europeias descreviam uma situação tornada “insustentável”, podendo “comprometer a sobrevivência dos produtores da União Europeia”.

Há muito tempo os agricultores do Velho Continente estão à beira do abismo, endividados, pressionados pela grande distribuição e pelos gigantes da indústria alimentícia, afetados por secas e inundações repetidas, obrigados a se alinhar à concorrência estrangeira e a seus produtos baratos, dependentes de um sistema de subsídios que favorece os grandes proprietários. Desde a guerra na Ucrânia, o quadro ficou ainda mais sombrio. Com a abolição das tarifas alfandegárias e a criação de “corredores de solidariedade” decididos por Bruxelas, os produtos agrícolas ucranianos inundaram o Leste Eu ropeu, causando uma queda nos preços que agora afeta todo o continente e prejudica os rendimentos dos agricultores, cujas várias despesas (energia, água, equipamento, sementes…) dispararam. Receitas em queda, custos de produção em alta, tudo isso em um setor já frágil: a menor faísca poderia incendiar a planície.

Na Alemanha, foi a revogação de um desconto fiscal sobre o diesel; na Bélgica e na Holanda, projetos para limitar o tamanho dos rebanhos; na França, um aumento na “taxa de poluição difusa”… Concentrando-se na gota de água que faz transbordar o vaso em vez de nas torrentes que o encheram, os comentaristas resumem a raiva a um protesto “contra as normas ambientais”, como se os agricultores fossem, por definição, indiferentes à crise climática. Porém, é exatamente isso que os manifestantes denunciam em toda a Europa: o absurdo de um sistema que os faz contribuir para a própria destruição, defendendo, por falta de uma alternativa imediatamente disponível, pesticidas dos quais são as primeiras vítimas, ganhos de produtividade que os levam a substituir a si mesmos por robôs e a degradação do meio ambiente de que sua atividade depende.

participação dos agricultores na população ativa francesa caiu de 35% em 1946 para menos de 2% hoje. O futuro do mundo rural oscila entre três horizontes: desaparecer por causa da divisão europeia do trabalho e da entrada na União Europeia de grandes nações cerealíferas; sobreviver, seguindo o caminho imposto pelas burocracias e pelos fundos de investimento, o da industrialização forçada – mas ao custo de estragos ambientais e humanos que já suscitam reações da Terra aqui e ali –; ou lutar para impor uma agricultura camponesa que recupere sua vocação alimentar enquanto garante a autonomia de seus trabalhadores. Qual força política será capaz de propor esse caminho? Muitos criadores e agricultores aspiram a isso; os consumidores o desejam; a racionalidade a longo prazo o exige.

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