27 janeiro 2025

DeepSeek em cena

Inteligência artificial chinesa DeepSeek passa ChatGPT em downloads e derruba ações de tecnologia
Com modelos de IA de custo menor, desenvolvidos sem chips de ponta, app põe em xeque liderança americana
Nelson de Sá/Folha de S. Paulo  

O aplicativo de inteligência artificial da chinesa DeepSeek saltou para o primeiro lugar na lista de downloads das lojas da Apple dos Estados Unidos e também da China, nesta segunda (27). E as ações de gigantes americanas de tecnologia despencaram, nesta manhã.

A fabricante de chips Nvidia caía 6,9% nas negociações de pré-abertura do mercado americano, enquanto os fabricantes de chips AMD e Micron Technology recuavam 3,7% e 6,4%, respectivamente.

A Microsoft e a Meta caíam 3,3% cada. Ambas divulgarão resultados trimestrais nesta semana, junto da Apple, que tinha baixa de 1,4%. A Alphabet, controladora do Google, perdia 3,2%.

O modelo lançado pela empresa chinesa na semana passada está sendo saudado pelo investidor e engenheiro americano Marc Andreessen, referência histórica do Vale do Silício e que assessora o presidente Donald Trump, como "o momento Sputnik da inteligência artificial". A expressão se refere ao lançamento do satélite soviético em 1957, que levou os EUA à corrida espacial.

A apresentação do modelo anterior de IA pelo DeepSeek, há perto de um mês, já vinha provocando reação por parte de empresas americanas --e também chinesas, como Alibaba e ByteDance.

As ferramentas são disponibilizadas gratuitamente via site da DeepSeek, inclusive no Brasil e em português, e permitem ações como: tradução e geração de textos, análise de grandes volumes de dados e projeções, auxílio na pesquisa e "até na redação de trabalhos acadêmicos", escrever códigos em linguagens como Python, automatizar suporte para atendimento a clientes etc.

Mais importante, tanto o modelo anterior (V3) como o da semana passada (R1) têm desempenho semelhante ou, em cada vez mais áreas, superior àqueles do ChatGPT, da OpenAI, e do Llama, da Meta. E com custo declaradamente muito menor. 

O site The Information, hoje o principal veículo noticioso de tecnologia, informou que a Meta, de Mark Zuckerberg, criou grupos especializados de pesquisadores para entender como a DeepSeek cria seus modelos, para usar o conhecimento em seu próprio desenvolvimento.

O impacto da DeepSeek nas big techs americanas se evidenciou na entrevista de Zuckerberg ao podcast de Joe Rogan, no último dia 11. Por iniciativa própria, o empresário falou que "tem esse ótimo modelo chinês que acabou de sair, dessa empresa, DeepSeek, eles estão fazendo um trabalho muito bom, é um modelo muito avançado".

E partiu para o ataque: "Se você pedir alguma opinião negativa sobre Xi Jinping, ele não lhe dará nada". Foi a primeira de uma série de tentativas de questionar a DeepSeek por parte das concorrentes americanas, seguidas de respostas na própria comunidade de tecnologia dos EUA.

O investidor americano de origem chinesa Kevin Xu, que foi da Casa Branca e do Departamento de Comércio no governo Barack Obama, testou e descobriu que, quando baixado no notebook, o modelo da DeepSeek responde ao ser questionado sobre o líder chinês:

"Em termos de direitos humanos, alguns críticos argumentam que Xi reprimiu de forma mais dura do que líderes chineses anteriores em várias áreas como liberdade de mídia". Ou seja, fora da China e da nuvem da empresa, os modelos de código aberto da DeepSeek sabem e podem oferecer tanto quanto seus concorrentes, inclusive sobre Xi. 

Na semana passada, o fundador da empresa, Liang Wenfeng, foi a principal atração de um encontro de especialistas em tecnologia com o primeiro-ministro Li Qiang, que surgiu sorridente na conversa com o empresário, na transmissão da rede CCTV. Paralelamente, a agência oficial Xinhua despachou um texto sobre a DeepSeek, destacando que "os avanços da inteligência artificial da China frustram a política de repressão dos EUA".

É o que afirmam também especialistas americanos. Paul Triolo, vice para China e tecnologia na consultoria estratégica ASG, de Washington, diz que "a DeepSeek aponta para as fraquezas na abordagem do governo Joe Biden, que partia do pressuposto de que os modelos avançados só podem ser produzidos" com grande quantidade de chips de ponta --daí a proibição de sua venda à China.

A empresa chinesa agora "demonstra o potencial de um pequeno grupo de engenheiros, muito capazes, para alavancar recursos limitados e desenvolver IA avançada". E seus modelos de código aberto podem agora ser adotados por desenvolvedores ao redor do mundo, tirando mercado dos concorrentes americanos.

Patrick Zhang, ex-funcionário do Ministério do Exterior da China, hoje no setor de tecnologia e publicando análises na newsletter Geopolitechs, avalia que a DeepSeek acima de tudo "representa uma vitória do código aberto sobre o código fechado". Mas alerta que o custo dado como baixo, para o desenvolvimento de seus modelos, não representa integralmente o investimento feito.

Leia: "Espetacularização, velocidade e o negócio da desinformação" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/dinamica-das-plataformas-digitais.html 

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