26 janeiro 2025

Turismo afetado

Crise climática e turismo
As mudanças climáticas geram um impacto diretamente ao turismo, e com isso prejudica, principalmente, a economia de localidades, regiões e países com grande dependência dessa atividade
Rita de Cássia Ariza da Cruz/Le Monde Diplomatique  

Imagens de impactos das mudanças climáticas e de eventos climáticos extremos, especialmente eventos hidrológicos extremos, têm sido cada vez mais comuns. Algumas delas, como um avião rodeado de água no aeroporto de Porto Alegre, no início de maio de 2024, e dezenas de carros empilhados nas ruas de Valência (Espanha), após o que os espanhóis chamaram de “pior enchente do século”, em 30 de outubro do ano passado, representam bem aquilo que especialistas, estudiosos e cientistas do clima há anos vêm alertando: as mudanças climáticas sã o um fato e suas consequências não são completamente previsíveis.

No que concerne à relação entre mudanças climáticas e turismo, há distintas perspectivas de análise. Uma delas aponta para impactos do turismo sobre o clima global, o que decorre, em grande medida, da emissão de gases estufa pelos transportes aéreo e terrestre. A outra volta-se para os impactos das mudanças climáticas sobre o turismo e suas consequências sociais e econômicas para localidades, regiões e países com grande dependência dessa atividade. A relação entre turismo e mudanças climáticas não se restringe, entretanto, a análises de causa e efeito, sendo necessário considerar-se a complexa teia de relações que envolve o turismo, a produção do espaço, as desigualdades socioespaciais, a ação e a inação do Estado em um momento em que se reconhece uma crise no cli ma em curso.

Já há estudos que indicam que as mudanças climáticas estão influenciando a escolha de destinações turísticas pelos viajantes[1] em função de uma maior acessibilidade a informações sobre o clima e o tempo nos lugares. Isso, na prática, significa que localidades mais suscetíveis a eventos climáticos adversos ou extremos podem enfrentar perdas importantes de receitas hoje advindas da atividade turística em função do medo que afeta o comportamento dos clientes.

Soma-se a isso o fato de que conhecidos atrativos turísticos em diversos países e regiões do mundo têm sido diretamente afetados pelas mudanças no clima. Em artigo recente sobre a Malásia, por exemplo, com base em dados oficiais do Instituto de Meteorologia do país, os autores[2] afirmam que “as alterações climáticas representam uma ameaça significativa para os diversos recursos turísticos” […] “em especial os destinos costeiros, insulares e urbanos”, considerando-se “a subida do nível do mar, o aumento da frequência de fenômenos meteorológicos extremos e as mudanças nos padrões das monções”.

No Brasil, exemplos sobre as conexões perigosas entre mudanças climáticas, eventos Geo-Hidrológicos extremos, secas prolongadas acompanhadas de grandes incêndios e turismo, têm sido cada vez mais frequentes.

No Réveillon do ano 2000, 400 milímetros de chuvas distribuídos por três dias seguidos provocaram o colapso e o deslizamento de mais de 400 casas situadas em encostas da cidade de Campos do Jordão, um dos mais conhecidos destinos turísticos do interior de São Paulo, além de provocarem 8 mortes e deixarem mais de uma centena de feridos[3].

Em 2011 foi a região serrana do estado do Rio de Janeiro que experimentou uma das maiores tragédias da história dos eventos climáticos extremos no país. Com chuvas torrenciais durante 32 horas seguidas, sete municípios, entre os quais Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, conhecidas localidades turísticas do estado, viveram dias de terror, com enchentes acompanhadas por deslizamentos de terras, pedras e casas. O saldo para toda a região foi de mais de 900 mortos.[4]

Por outro lado, considerando o papel histórico do turismo na América Latina como fomentador de processos de acumulação por espoliação, seria uma amputação epistemológica atribuir exclusivamente à ocorrência de eventos climáticos extremos a produção de mortes na região serrana do Rio de Janeiro em 2011, em Angra dos Reis, em 2017, em Petrópolis, 2022, em São Sebastião, 2023, entre outros casos. Há décadas as atividades turísticas ocupam, por meio de empreendimentos imobiliários de segundas-residências e outras estruturas voltadas para o turismo de massa, áreas mais valorizadas de diferentes municípios, especialmente no caso de localidades litorâneas, muitas vezes ao custo da expulsão de comunidades tradicionais e populações de baixa renda, que são “empurradas” para & aacute;reas de risco.

No caso da tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul entre final de abril e início de maio de 2024, cerca de 90% dos seus municípios foram diretamente afetados pelas chuvas volumosas que provocaram enchentes, mortes, desabrigo e desalojamentos em muitas dessas localidades, incluindo a capital. Além da tragédia social e ambiental, o estado teve de enfrentar importantes dificuldades econômicas e o turismo, estancado durante meses, tem sido tratado como parte de uma estratégia de recuperação econômica.

O fato é, que após a ocorrência de um evento climático extremo, as comunidades locais, habitantes e muitos trabalhadores do setor de turismo se veem diante da perda de suas moradias ou da perda do trabalho e da renda e, em alguns casos, de tudo isso. Daí a importância de uma compreensão crítica abrangente das afetações decorrentes de mudanças climáticas extremas sobre localidades que têm as atividades turísticas como parte importante da economia. E, a partir daí, a elaboração de propostas que possam contribuir para a formulação de políticas públicas de adaptação às crises no clima nesses locais, considerando a particularidade de serem destinos turísticos e visando sempre e em primeiro lugar o bem-estar das populações que vivem nesses lugares. 

Rita de Cássia Ariza da Cruz é professora Livre-Docente e Coordenadora do Laboratório de Estudos Regionais do Departamento de Geografia da FFLCH/USP.

[1] A exemplo do artigo de Pröbstl-Haider, U.; Wanner, A. Short-term summer trips: Climate hazards & substitution, Annals of Tourism Research, Volume 110, 2025. Disponível em https://doi.org/10.1016/j.annals.2024.103861.

[2] Omar, N.; Safeei, R.; Jali, F. A. A.; Mohammed, S. Tourism under pressure: analyzing the impacts of climate change and over-tourism on destinations. International Journal of Research and Innovation in Social Science, V. 3, N. 9, 2024. Disponível em: https://rsisinternational.org/journals/ijriss/articles/tourism-under-pressure-analyzing-the-impacts-of-climate-change-and-over-tourism-on-destinations/.

[3] Fonte: https://www.guiacampos.com/ha-23-anos-atras-era-campos-do-jordao-que-chorava-suas-vitimas-de-deslizamentos-de-terra-o-que-mudou-nessas-duas-decadas/. Acesso em 21/01/2025.

[4] Bush. A.; Amorim, S. A tragédia da região serrana do Rio de Janeiro 2011: procurando respostas.ENAP-Casoteca de Gestão Pública, s/d. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/328/2/A%20tragédia%20da%20região%20serrana%20do%20Rio%20de%20Janeiro%20em%202011%20procurando%20respostas.pdf. Acesso em 02/01/2025.

[Foto: Aeroporto Salgado Filho (POA) ficou alagado por semanas devido as enchentes que atingiram o estado. Rafa Neddermeyer/Agência Brasil]

Leia também: Emergência climática impacta modelo de desenvolvimento https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/capitalismo-crise-climatica.html 

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