60% da riqueza de bilionários vêm de herança,
corrupção ou monopólio, mostra Oxfam
Relatório "Às custas de quem?" desconstrói crença de que
riqueza de bilionários vem do trabalho e mostra raízes coloniais da
concentração de renda
Júlia Motta/Revista
Fórum
O novo relatório da Oxfam, organização que atua no combate
às desigualdades, desfaz a crença popular de que a riqueza
dos bilionários de todo o mundo vem do trabalho árduo deles e de
forma merecida. Ao contrário disso, o documento mostra que grande parte é
resultado, na verdade, de herança, favoritismo, monopólio de poder ou
corrupção.
Em 2024, a riqueza dos bilionários aumentou três vezes mais rápido que
em 2023. O grupo, agora formado por 204 pessoas, obteve lucro de US$ 2
trilhões (cerca de R$ 12 trilhões) no ano passado. O número representa
uma média de lucro de US$ 5,7 bilhões (ou R$ 34 bilhões) por dia. O relatório
da Oxfam, lançado nesta segunda-feira (20), mostra que 60% de toda essa
riqueza não é merecida, mas sim tomada.
O documento faz uma análise profunda de como o colonialismo enriqueceu e
continua enriquecendo um pequeno grupo de pessoas, formado por homens,
brancos e de países desenvolvidos. "Nosso mundo extremamente desigual tem
uma longa história de dominação colonial que beneficiou amplamente as pessoas
mais ricas. Os mais pobres, as pessoas racializadas, as mulheres e os grupos
marginalizados foram e continuam sendo sistematicamente explorados a um custo
humano enorme", diz um trecho do relatório.
Ao todo, 36% da riqueza dos bilionários é herdada, de acordo com a
Oxfam, e os valores herdados alcançam cada vez mais níveis recordes. A
organização aponta que essa transmissão intergeracional de riqueza extrema está
criando uma "nova aristocracia", que sustenta e perpetua
o atual sistema global extremamente injusto.
O ano de 2023 foi o primeiro em que bilionários enriqueceram mais por
herança do que por empreendedorismo. Todos os bilionários com menos de
30 anos, sem exceção, herdaram suas riquezas. A Oxfam alerta que grande
parte dessa transferência de renda não será tributada, uma vez que dois
terços dos países não tributam a herança para descendentes diretos, e metade
dos bilionários do mundo vive em países que não tributam a herança do dinheiro
que darão a seus filhos quando morrerem. A América Latina, por exemplo, é a
região com o o maior volume de riqueza herdada, mas apenas nove países da
região tributam heranças, doações e patrimônios.
"Muitos bilionários são ricos por causa do favoritismo e do uso do
poder do Estado para proteger e expandir sua riqueza", afirma um trecho do
relatório. Em alguns casos, o favoritismo constitui corrupção. No entanto,
muitos países possuem leis criadas para permitir essas relações, que existem
quando elites ricas usam sua influência pessoal para utilizar o poder do Estado
para seu próprio ganho privado, ou quando funcionários do governo e empresários
conspiram para manipular regras e se beneficiarem às custas dos consumidores,
contribuintes e outras empresas.
"Grande parte da riqueza dos ultra-ricos não tem a ver com o que
você sabe, mas com quem você conhece: quem você pressiona, quem você entretém,
cuja campanha você financia ou que pessoa você suborna. De forma geral, grande
parte da riqueza extrema é o produto de conexões de favoritismo entre os mais
ricos e os governos", afirmam os pesquisadores em outro trecho do
relatório.
Outra forma de obtenção de riqueza pelos bilionários são
os monopólios, responsáveis por intensificar a extrema pobreza em todo o
mundo. Como aponta a Oxfam, as corporações monopolistas podem controlar os
mercados, definir as regras e os termos de troca com outras empresas e
trabalhadores e estabelecer preços mais altos sem perder negócios. Alguns dos
homens mais ricos do planeta aumentam seus lucros através dessas estratégias, como:
- Jeff Bezos (patrimônio líquido:
US$ 219,4 bilhões) construiu o “império” da Amazon. A Amazon é responsável
por 70% ou mais das compras on-line na Alemanha, França, Reino Unido e
Espanha.•
- Aliko Dangote (patrimônio líquido:
US$ 11 bilhões) é a pessoa mais rica da África e detém um “quase
monopólio” do cimento na Nigéria e poder de mercado em todo o continente
africano. Calculamos que 18% da riqueza dos bilionários do mundo
provém do poder de monopólio.
O relatório da Oxfam foi lançado em meio à reunião do Fórum Econômico de
Davos 2025, que este ano tem o tema "Colaboração para a Era
Inteligente". O evento conta com cerca de 3.000 líderes de mais de 130
países para discutir problemas sociais, econômicos e ambientais.
Fatos sobre os homens mais ricos do
mundo
A Oxfam também reuniu três fatos sobre os homens mais ricos do mundo que
encarnaram o cenário de desigualdade extrema que assola o mundo:
1. A riqueza de cada um
dos dez homens mais ricos do mundo cresceu, em média, quase US$ 100 milhões por
dia em 2024;
2. Se você fosse um dos
primeiros seres humanos, há 315.000 anos atrás, guardando US$ 1.000 por dia,
ainda assim não conseguiria ter a mesma quantidade de dinheiro que um dos dez
bilionários mais ricos;
3. Se qualquer um dos 10
bilionários mais ricos perdesse 99% de sua riqueza, ele ainda seria bilionário.
Ações para combater as desigualdades
A organização também lista algumas ações urgentes para acabar com a
extrema concentração de renda e combater a desigualdade socioeconômica, que
são:
- Reduzir radicalmente a
desigualdade. Os
governos precisam se comprometer a garantir que, tanto globalmente quanto
a nível nacional, as rendas dos 10% mais ricos não sejam mais altas do que
as dos 40% mais pobres. De acordo com dados do Banco Mundial, reduzir a
desigualdade poderia acabar com a pobreza três vezes mais rápido. Os
governos também devem combater e acabar com o racismo, o sexismo e a
divisão que sustentam a exploração econômica em curso.
- Taxar os mais ricos para
acabar com a riqueza extrema. A política fiscal global deve estar sob
uma nova convenção tributária da ONU, garantindo que as pessoas e
corporações mais ricas paguem sua parte justa. Os paraísos fiscais devem
ser abolidos. A análise da Oxfam mostra que metade dos bilionários do
mundo vive em países sem imposto de herança para descendentes diretos. A
herança precisa ser taxada para desmontar a nova aristocracia.
- Acabar com o fluxo de
riqueza do Sul para o Norte. Cancelar dívidas e acabar com o domínio de
países e corporações ricos sobre mercados financeiros e regras comerciais.
Isso significa desmontar monopólios, democratizar as regras de patentes e
regular as corporações para garantir que paguem salários dignos e limitem
os salários dos CEOs. Reestruturar os poderes de voto no Banco Mundial, no
FMI e no Conselho de Segurança da ONU para garantir uma representação
justa dos países do Sul Global. Os poderosos frutos do colonialismo também
devem enfrentar os danos duradouros causados por seu domínio colonial,
pedir desculpas formalmente e fornecer reparações às comunidades afetadas.
Meu artigo no Portal Grabois: "Presente e futuro na luta cotidiana: a reforma urbana, por exemplo" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/meu-artigo-no-portal-da-fundacao.html
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