Versos inconclusos
Luciano Siqueira 
instagram.com/lucianosiqueira65
No bar ao lado do Restaurante Viena, no Aeroporto
de Guarulhos, as mesas são muito próximas. Apenas dois fregueses, ele e eu.
Ele, sem bagagem, nem bilhete de viagem visível, zero preocupação com a hora,
talvez na quarta ou quinta dose de uísque. Eu, saboreando uma Boêmia long
kneck, atento ao relógio, aguardando o momento de embarcar num voo da Gol das
vinte três horas com destino ao Recife.
Ao perceber meu interesse, disse chamar-se Floriano e mostrou-me um rabisco no avesso de uma embalagem de cigarro: “Parti para a mais cruenta das guerras/e apenas um olhar distante de lancinante indiferença/nem uma palavra, um aceno que me...”.
– Um poema?, perguntei.
“–
Ah, amigo tenho os versos aqui no peito e não consigo botar no papel!”,
respondeu, com a fala enrolada e os olhos faiscantes.
Tentou me explicar, com dificuldade. A voz
grave, engolindo as sílabas, a muito custo mencionou alguém de quem esperava e
não obteve a palavra amiga, solidária, afetuosa.
Com todo respeito a Antonio Maria, que dizia
acreditar na sinceridade dos bêbados e dos poetas, aviso que os poetas têm de
mim admiração e carinho; os bêbados, nem tanto.
Explico. Sem poesia a vida seria cinza e
monótona. Os poetas são seres especiais – os grandes poetas e mesmo os médios e
os apenas esforçados. 
Estes últimos tentam, e já é alguma coisa. Imagine se
nossa existência em meio a verdades, mentiras, pelejas mil, amores e dores,
desespero e esperança não pudesse ser iluminada jamais por um Drummond, um
Vinícius, um Neruda, uma Cecília Meireles?
Já os bêbados seriam dispensáveis – sobretudo os
chatos, barulhentos, conversadores, donos da verdade, tristes, eufóricos e
inconvenientes.
Mas confesso que há um tipo de bêbado que exerce
sobre mim uma atração irresistível, desperta um profundo sentimento de
solidariedade: o bêbado solitário.
Nada é mais comovente do que a imagem do cara ilhado, ele e o copo, ele e a desilusão, ele e o fracasso.
Nunca vi alguém
beber sozinho com alegria. Jamais recolhi de um desses o sorriso que não fosse
de discreta vergonha, aquele sorriso sem graça de quem sofre e procura
dissimular.
Quando posso, me aproximo: um leve cumprimento,
o olhar cúmplice à espera de um grunhido qualquer, um sinal de vida, um laivo
de resistência.
Foi assim que travei o breve diálogo com
Floriano, o bêbado autor do poema apenas iniciado.
- “Ficou um buraco deste tamanho aqui no peito,
que dói, dói uma dor que não quer passar, entende?”
Eu disse “entendo, sim”, e me desculpei por não
poder continuar a conversa, tinha chegado a minha hora. Mas a vontade era de
retardar a viagem, quem sabe depois de mais uma dose ele viesse a
completar os versos amargos e aliviar o sentimento de desamor e perda.
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Veja:”Pra dizer adeus” https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/edu-lobo-e-maria-bethania-pra-dizer.html

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