31 outubro 2025

Thiago Modenesi opina

Chacina no Rio. Não há outro nome
Famílias foram dilaceradas pelo luto e a pergunta que sempre ecoa, mas nunca é respondida, voltou à tona: esta é a única forma?
Thiago Modenesi/Vermelho 

A imagem do Rio de Janeiro como palco de uma guerra urbana se repetiu com crueldade no último 28 de outubro de 2025. Uma operação policial de grandes proporções, justificada sob a égide do “combate ao tráfico”, terminou em mais uma chacina.

Corpos se amontoaram, mais de 130 até a tarde do dia 29 de outubro, que também custou a vida de quatro policiais inclusive, famílias foram dilaceradas pelo luto e a pergunta que sempre ecoa, mas nunca é respondida, voltou à tona: esta é a única forma? A operação, que deixou um rastro de dezenas de mortos, falhou em seu objetivo central se considerarmos a estrutura real do crime organizado, só se justificava se fosse uma operação de retomada de território, planejada e estruturada.

Da maneira que foi feito, não se chega na favela pedindo licença, mas sim arrombando casas e causando o caos no cotidiano de pessoas que já estão na periferia da segunda maior metrópole do país que segue paralisada, com lojas fechadas, escolas e universidades sem aula, movimento  70% menor na cidade, uma violência contra todos. O que vimos foi uma operação desastrosa, trágica, sem planejamento ou inteligência.

É um fato conhecido, mas sistematicamente ignorado nas ações de “choque”: os chefes do tráfico, os verdadeiros donos do poder paralelo, não moram nas favelas e nos morros. Eles residem em condomínios de luxo, frequentam cassinos no exterior e gerenciam seus impérios criminosos à distância, por meio de aplicativos criptografados.

Enquanto isso, a juventude pobre, recrutada pela falta de perspectivas, serve como bucha de canhão e bala perdida, muitas vezes, perdida pela polícia. A operação do dia 28 matou soldados descartáveis, mas a cúpula do comando permanece intocada, operando seus negócios como se nada tivesse acontecido. Esse modelo de intervenção ocorre há mais de 30 anos no Rio de Janeiro, não há nada de novo do ponto de vista técnico, e é comprovadamente ineficaz, o crime não diminuiu.

Diante de um número tão avassalador de mortos, a sociedade tem o direito de saber: quantos mandados de busca e apreensão e, mais importante, quantos mandados de prisão foram efetivamente cumpridos nessa operação? Se a resposta for poucos ou nenhum, a operação não passou de um espetáculo de violência que não mexe na estrutura do crime. Apenas gera novas rodadas de recrutamento para as facções, alimentadas pela vingança e pelo ciclo interminável de violência.

A condução da segurança pública no estado não pode ser analisada sem olhar para seu principal gestor, o governador Cláudio Castro. É emblemático recordar que Castro foi um ferrenho opositor da PEC da Segurança Pública que está no Congresso Nacional desde abril, proposta que visa justamente a integração de dados, inteligência e ações em nível nacional, o que levaria a criação do Sistema Único da Segurança Pública – SUSP. A rejeição a um sistema unificado favorece a fragmentação e o foco em operações espetaculosas em detrimento de um trabalho investigativo de longo prazo.

Mais grave ainda são suas ligações que mancham a credibilidade de qualquer discurso de guerra ao crime. Sua proximidade política com o deputado estadual preso, TH Joias, suspeito de ser fornecedor de armas para o Comando Vermelho, levanta questões inevitáveis sobre conflito de interesses e sobre quem, de fato, se beneficia com essa política de segurança falida. Como se combate uma organização cujo provedor de armas tinha assento no plenário da Assembleia Legislativa e era aliado do governador?

Há um caminho melhor, mais silencioso e infinitamente mais eficaz. O exemplo veio do governo federal com a Operação Carbono Oculto em São Paulo. A estratégia foi cirúrgica: em vez de trocar tiros na favela, sufocar o fluxo de dinheiro. A Receita Federal e as agências de inteligência atacaram o coração do crime organizado – seu sistema financeiro. Contas foram bloqueadas, bens foram apreendidos, e o esquema de lavagem que sustentava a facção foi desmontado. Isso sim é um golpe estratégico. Um chefe do tráfico sem dinheiro é um chefe impotente, incapaz de pagar seus soldados, comprar armas ou corromper instituições. O resultado da operação federal em São Paulo foi estimado em um prejuízo de 30 bilhões ao crime, o do Rio de Janeiro pelo governo do estado foi até agora de 90 e poucos fuzis e meia dúzia de pri sões, nenhuma de chefes de facção.

A chacina de 28 de outubro é a prova definitiva do fracasso de um modelo. Três das quatro operações mais mortais da história do Rio de Janeiro aconteceram no governo de Cláudio Castro, com 1886 mortos desde o início do seu mandato. Enquanto as operações se limitarem a matar pobres nas periferias, estaremos apenas podando galhos de uma árvore venenosa cujas raízes financeiras e políticas permanecem intocadas.

Ninguém no seu juízo perfeito é contra o combate ao tráfico, o crime e as milícias, não se trata disso, o formato do que é realizado até hoje no Rio não resolveu o problema, na verdade o crime se fortaleceu. É hora de transferir o foco dos fuzis para as planilhas, das incursões policiais para as operações de inteligência financeira. O combate ao crime organizado no século 21 não se vence com balas, mas com algoritmos, auditorias e a coragem de cortar o seu suprimento vital: o dinheiro.

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