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vida e os causos: parece que foi assimAbraham
B. Sicsu
Ser nomeado para um
Tribunal Superior, mesmo que seja administrativo, no Brasil, envolve uma série
de idas e vindas, às vezes, um pouco complexas. Tive a oportunidade de
vivenciar uma experiência como esta quando fui nomeado como juiz Conselheiro
para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, órgão que trata dos
aspectos relacionados à concorrência empresarial no País. Lembro da seguinte
maneira.
O CADE tem
envolvimento mais direto de três Ministérios, o da Justiça, onde está locado, o
da Economia, devido a seus possíveis impactos na área, e o da Casa Civil, tendo
em conta a importância político institucional que representa. Entre eles há um
rodízio nas indicações que sempre é respeitado. Era a vez da Casa Civil.
Consultas são feitas
e indicações várias surgem. A Ministra era Dilma Rousseff que achou por bem
consultar um seu ex-professor de Doutorado, o qual tinha grande conhecimento na
área.
Não sei o porquê, mas
ele lembrou o meu nome, talvez por ter sido seu aluno, por termos trabalhado em
alguns projetos junto, e por estar vivendo no Nordeste, região que não tinha
representante à época.
Minha área de atuação
era outra, Gestão da Inovação, mas isso não foi impedimento. A responsabilidade
era dele. Eu não sabia da indicação. À época estava me preparando para uma
viagem a Portugal, para participar de um Congresso e passar alguns dias com um
grande amigo.
Consultas feitas,
recebo um telefonema de Brasília, de um certo Dr. Gilles. Muito atencioso, diz
que a Ministra precisava falar comigo com urgência. Pedia que fosse a Brasília.
Envaidecido expliquei
minha dificuldade. Além do mais, ele pedia para que eu comprasse a passagem e
eu não queria ter esse ônus. Não me foi explicado bem o assunto e não estava
com a menor disposição. Recusei.
Novo telefone.
Insistência. Neste dizendo que estaria mandando uma passagem para o dia
seguinte. Como tinha ainda uma semana para ir ao exterior, aceitei.
Avião das seis e meia
da manhã em Recife. Um taxi e chego ao Palácio do Planalto antes das dez.
Dirijo-me à sala do Dr. Gilles que atenciosamente me acomoda numa sala de estar
e pede para esperar. E como esperei!!! Como sei dos rituais, levei um livro,
não muito grande que comecei a ler.
Desafortunado, um dia
de crise. A Ministra é convocada pelo Presidente para intermináveis reuniões.
Cafezinhos e água. Impaciento-me. Vão me enrolando. Pergunto o tema específico
da reunião, mas pouco me é avançado.
Chega a hora do
almoço. Há um restaurante no Palácio. Levam-me para lá. Nada excepcional, mas
não decepciona. Volto para a sala de estar. Nada de reunião.
Perto das cinco da
tarde. Minha paciência se esgotou. O livro acabou e tinha que voltar à noite
para minha cidade. Digo que me vou. Vendo que não podiam mais me segurar, me
levam à sala de reunião. Quinze minutos depois, chega a Ministra, a Secretária
Executiva, vice Ministra, e o Dr. Gilles.
Para começar a
conversa, a Ministra informa que teria poucos minutos, teria que viajar. Durou
cinco minutos a reunião toda. Explicam que era um convite, mas quase uma
convocação. Muitos nomes tinham sido apresentados e eu escolhido. Não dizem o
porquê.
Fiquei em dúvida.
Pedem para que volte, assim que regressar da viagem, informam que a vice
Ministra, Doutora Erenice, me orientaria nas falas com Senadores que teriam que
aprovar minha indicação. Nenhuma explicação a mais.
Saio sem muito
entender, confuso e consulto meu irmão que conhece melhor o sistema. Para meu
desespero ele orienta da seguinte forma. Pense e decida. Não sei se esse “sábio
conselho” foi fundamental ou pouco ajudou, dúvida cruel.
Viajo para as terras
portuguesas. No Congresso, no interior de Portugal, encontro um ex-colega de
Recife que estava morando na Europa. Sempre muito simpático, mas muito vaidoso.
Chama-me para uma conversa particular. Vou.
Informa que graças a
seus atributos, claro, “sempre reconhecidos”, estava sendo sondado para um
cargo importantíssimo, por coincidência o mesmo que eu tinha acabado de ser
convidado, cargo, que, segundo ele, era de muita responsabilidade, exigia
aprofundado conhecimento da teoria econômica, e que, depois de muito refletir,
ele tinha acenado que aceitaria.
Prefiro não me
pronunciar. Eu não podia falar nada, tinha assumido um compromisso de não
comentar com ninguém até que saísse a indicação. Calado escuto, calado fico.
Quinze dias depois,
volto ao Brasil. Uma passagem me espera para ir ao Planalto. Decidi aceitar.
Na reunião com a vice
Ministra sou informado que seria sabatinado pela Comissão de Assuntos
Econômicos do Senado - CAE. Teria que fazer um périplo pelos gabinetes para
explicar meus dotes, eu não sabia quais. Afinal de contas, era alguém que nunca
trabalhou com o assunto e não sabia o porquê de ser indicado. Estando na chuva,
vamos nos molhar.
Bem recebido, vou
falando com os parlamentares. Levam-me para o Plenário. Estava sem paletó e
gravata. Um segurança tenta me tirar. Um tribuno, não me lembro qual, me
empresta suas vestimentas e ele sai. Sem jeito, fico fazendo o beija mão,
agradecido pela gentileza.
A entrevista na CAE
marcada. Estudo um pouco do assunto. Bobagem, ninguém quis saber sobre isso na
argüição, a preocupação nunca é o teor técnico.
O relator é o senador
Ney Suassuna. Um longo discurso só de elogios. No meio começa a falar de meu
irmão, também elogiando. RamezTebet, com o bom humor que lhe era peculiar, pede
a palavra. Concedida, questiona: “O candidato é ele ou o irmão?” Risada geral.
Tinha quinze ou vinte
minutos para usar a palavra. Como não era bem da área, achei um gancho na visão
de inovação de Schumpeter. Termino um pouco aliviado.
Um ex-suplente de
senador, que havia acabado de assumir a posição devido a uma candidatura a
cargo majoritário do titular, pede para se posicionar.
Começa com: “Gostei
muito desse Chumpi, Chumpi, Chumpi...” Vendo o constrangimento, falo,
Schumpeter. “Esse mesmo. Poderia me arrumar uma bibliografia dele.” Claro,
respondo. Evidentemente, nunca mandei e ele nunca cobrou.
O único a fazer algum
questionamento na área foi o Professor Suplicy. Era docente de Economia e
queria saber mais de como aplicar a teoria que eu defendia. Acho que não fui
muito convincente, mas ele me apoiaria de qualquer maneira, era da bancada
governista.
A hora do almoço
havia passado. Vendo o clima ameno, pergunto ao Presidente da Sessão se não era
a hora de ingerirmos algumas proteínas. Novas risadas.
Como todos
concordaram, encerra-se com o computo dos votos. Dois contrários, de Senadores
do Espírito Santo, inconformados cm o veto que o CADE tinha dado à compra de
uma fábrica de chocolates no Estado. Deixam claro que nada contra a minha
pessoa.
Quinze dias ou um mês
depois o Pleno do Senado aprova. Início de uma experiência enriquecedora. Que
me permitiu ver com mais profundidade nosso setor produtivo. No exercício da
função teve mais alguns causos que acho interessantes. Uma hora eu conto.
[Se comentar, identifique-se]
Leia também: Olhar nacional sobre as desigualdades inter-regionais https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/10/minha-opiniao-reserva_17.html

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