12 novembro 2025

Uma crônica de Abraham Sicsu

A vida e os causos: parece que foi assim
Abraham B. Sicsu  

Ser nomeado para um Tribunal Superior, mesmo que seja administrativo, no Brasil, envolve uma série de idas e vindas, às vezes, um pouco complexas. Tive a oportunidade de vivenciar uma experiência como esta quando fui nomeado como juiz Conselheiro para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, órgão que trata dos aspectos relacionados à concorrência empresarial no País. Lembro da seguinte maneira.

O CADE tem envolvimento mais direto de três Ministérios, o da Justiça, onde está locado, o da Economia, devido a seus possíveis impactos na área, e o da Casa Civil, tendo em conta a importância político institucional que representa. Entre eles há um rodízio nas indicações que sempre é respeitado. Era a vez da Casa Civil.

Consultas são feitas e indicações várias surgem. A Ministra era Dilma Rousseff que achou por bem consultar um seu ex-professor de Doutorado, o qual tinha grande conhecimento na área.

Não sei o porquê, mas ele lembrou o meu nome, talvez por ter sido seu aluno, por termos trabalhado em alguns projetos junto, e por estar vivendo no Nordeste, região que não tinha representante à época.

Minha área de atuação era outra, Gestão da Inovação, mas isso não foi impedimento. A responsabilidade era dele. Eu não sabia da indicação. À época estava me preparando para uma viagem a Portugal, para participar de um Congresso e passar alguns dias com um grande amigo.

Consultas feitas, recebo um telefonema de Brasília, de um certo Dr. Gilles. Muito atencioso, diz que a Ministra precisava falar comigo com urgência. Pedia que fosse a Brasília.

Envaidecido expliquei minha dificuldade. Além do mais, ele pedia para que eu comprasse a passagem e eu não queria ter esse ônus. Não me foi explicado bem o assunto e não estava com a menor disposição. Recusei.

Novo telefone. Insistência. Neste dizendo que estaria mandando uma passagem para o dia seguinte. Como tinha ainda uma semana para ir ao exterior, aceitei.

Avião das seis e meia da manhã em Recife. Um taxi e chego ao Palácio do Planalto antes das dez. Dirijo-me à sala do Dr. Gilles que atenciosamente me acomoda numa sala de estar e pede para esperar. E como esperei!!! Como sei dos rituais, levei um livro, não muito grande que comecei a ler.

Desafortunado, um dia de crise. A Ministra é convocada pelo Presidente para intermináveis reuniões. Cafezinhos e água. Impaciento-me. Vão me enrolando. Pergunto o tema específico da reunião, mas pouco me é avançado.

Chega a hora do almoço. Há um restaurante no Palácio. Levam-me para lá. Nada excepcional, mas não decepciona. Volto para a sala de estar. Nada de reunião.

Perto das cinco da tarde. Minha paciência se esgotou. O livro acabou e tinha que voltar à noite para minha cidade. Digo que me vou. Vendo que não podiam mais me segurar, me levam à sala de reunião. Quinze minutos depois, chega a Ministra, a Secretária Executiva, vice Ministra, e o Dr. Gilles.

Para começar a conversa, a Ministra informa que teria poucos minutos, teria que viajar. Durou cinco minutos a reunião toda. Explicam que era um convite, mas quase uma convocação. Muitos nomes tinham sido apresentados e eu escolhido. Não dizem o porquê.

Fiquei em dúvida. Pedem para que volte, assim que regressar da viagem, informam que a vice Ministra, Doutora Erenice, me orientaria nas falas com Senadores que teriam que aprovar minha indicação. Nenhuma explicação a mais.

Saio sem muito entender, confuso e consulto meu irmão que conhece melhor o sistema. Para meu desespero ele orienta da seguinte forma. Pense e decida. Não sei se esse “sábio conselho” foi fundamental ou pouco ajudou, dúvida cruel.

Viajo para as terras portuguesas. No Congresso, no interior de Portugal, encontro um ex-colega de Recife que estava morando na Europa. Sempre muito simpático, mas muito vaidoso. Chama-me para uma conversa particular. Vou.

Informa que graças a seus atributos, claro, “sempre reconhecidos”, estava sendo sondado para um cargo importantíssimo, por coincidência o mesmo que eu tinha acabado de ser convidado, cargo, que, segundo ele, era de muita responsabilidade, exigia aprofundado conhecimento da teoria econômica, e que, depois de muito refletir, ele tinha acenado que aceitaria.

Prefiro não me pronunciar. Eu não podia falar nada, tinha assumido um compromisso de não comentar com ninguém até que saísse a indicação. Calado escuto, calado fico.

Quinze dias depois, volto ao Brasil. Uma passagem me espera para ir ao Planalto. Decidi aceitar.

Na reunião com a vice Ministra sou informado que seria sabatinado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado - CAE. Teria que fazer um périplo pelos gabinetes para explicar meus dotes, eu não sabia quais. Afinal de contas, era alguém que nunca trabalhou com o assunto e não sabia o porquê de ser indicado. Estando na chuva, vamos nos molhar.

Bem recebido, vou falando com os parlamentares. Levam-me para o Plenário. Estava sem paletó e gravata. Um segurança tenta me tirar. Um tribuno, não me lembro qual, me empresta suas vestimentas e ele sai. Sem jeito, fico fazendo o beija mão, agradecido pela gentileza.

A entrevista na CAE marcada. Estudo um pouco do assunto. Bobagem, ninguém quis saber sobre isso na argüição, a preocupação nunca é o teor técnico.

O relator é o senador Ney Suassuna. Um longo discurso só de elogios. No meio começa a falar de meu irmão, também elogiando. RamezTebet, com o bom humor que lhe era peculiar, pede a palavra. Concedida, questiona: “O candidato é ele ou o irmão?” Risada geral.

Tinha quinze ou vinte minutos para usar a palavra. Como não era bem da área, achei um gancho na visão de inovação de Schumpeter. Termino um pouco aliviado.

Um ex-suplente de senador, que havia acabado de assumir a posição devido a uma candidatura a cargo majoritário do titular, pede para se posicionar.

Começa com: “Gostei muito desse Chumpi, Chumpi, Chumpi...” Vendo o constrangimento, falo, Schumpeter. “Esse mesmo. Poderia me arrumar uma bibliografia dele.” Claro, respondo. Evidentemente, nunca mandei e ele nunca cobrou.

O único a fazer algum questionamento na área foi o Professor Suplicy. Era docente de Economia e queria saber mais de como aplicar a teoria que eu defendia. Acho que não fui muito convincente, mas ele me apoiaria de qualquer maneira, era da bancada governista.

A hora do almoço havia passado. Vendo o clima ameno, pergunto ao Presidente da Sessão se não era a hora de ingerirmos algumas proteínas. Novas risadas.

Como todos concordaram, encerra-se com o computo dos votos. Dois contrários, de Senadores do Espírito Santo, inconformados cm o veto que o CADE tinha dado à compra de uma fábrica de chocolates no Estado. Deixam claro que nada contra a minha pessoa.

Quinze dias ou um mês depois o Pleno do Senado aprova. Início de uma experiência enriquecedora. Que me permitiu ver com mais profundidade nosso setor produtivo. No exercício da função teve mais alguns causos que acho interessantes. Uma hora eu conto.

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Leia também: Olhar nacional sobre as desigualdades inter-regionais https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/10/minha-opiniao-reserva_17.html 

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