A velha surda e o debate presidencial
Luciano Siqueira
Escutei muitas vezes, na infância, uma historinha que minha mãe contava – e por mais que a repetisse, todos riam – da velha surda que, por ser surda, nunca respondia ao que lhe era perguntado. A cada versão, mudava as situações, as perguntas e as respostas fora do esquadro. A moral da história é que tem muita gente que se faz de surdo e escapa a assuntos que lhe são inconvenientes.
É o que ocorre no atual debate presidencial. E com uma consequência nefasta: o que mais interessa – a diferenciação entre dois projetos de Nação diametralmente opostos – reduz-se a um segundo plano, pondo-se em relevo questões outras que, embora guardem sua importância específica, não têm o status programático.
Qual a melhor solução para a saúde pública: as UPAs que o governo Lula vem instalando e que Dilma pretende ampliar ou as clínicas de especialidades que Serra implantou em São Paulo? Sinceramente, nem cabe discutir. Diferentemente, cabe, sim, a polêmica em torno da privatização de empresas estatais de natureza estratégica tendo em vista um projeto de desenvolvimento do País.
Mas nesse tema, a Dilma insiste – talvez sem a habilidade necessária em alguns momentos -, e Serra faz de contas que a oponente fala de outra coisa. Dilma quer saber a opinião de Serra porque este é um elemento fundamental no que diz respeito ao papel do Estado como indutor do desenvolvimento. Serra escapa para o que chama de “privatização” das estatais arguindo com suposto apadrinhamento politico no preenchimento de seus cargos de direção – e assim o faz porque a tese do Estado mínimo é da essência do ideário tucano, e isso não é conveniente que ele assuma claramente.
Bom, diria o leitor (com razão), essa é a percepção do autor destas linhas. E é mesmo. Alguém do lado oposto pode justificar o ressurgimento da velha surda no debate presidencial com outros argumentos, diferenciados do meu. E seria bom que o fizesse, pois do que mais a Nação necessita, para proveito do eleitor, a quem cabe decidir os rumos do Brasil no próximo dia 31, é justamente de polêmica. A boa polêmica: democrática, mutuamente respeitosa, esclarecedora.
Ontem ocorreu o debate promovido pela Rede TV, entre os dois candidatos finalistas. Um debate choco, alheio a uma gama de questões que, a exemplo das privatizações de estatais estratégicas, dizem respeito ao futuro mediato do País. Em alguns momentos parecia debate entre candidatos a prefeito, ou a governador de estado pequeno. Cadê os desafios do desenvolvimento? Onde o crescimento econômico com valorização do trabalho? Como os candidatos encaram a compatibilização do desenvolvimento com a sustentabilidade ambiental?
O olhar do eleitor esclarecido se frustra. Frustra-se mais ainda o olhar do militante que carrega no corpo e na alma as marcas vitoriosas, porém dolorosas, da luta pela democratização do País. Para que a democracia se não para trazer à luz diferentes projetos de sociedade?
Oxalá os dias que restam – e os debates públicos entre os dois candidatos – proporcionem a elevação do nível da discussão. Veremos.
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