Aprendendo com Cora Coralina
Luciano Siqueira
Essa reflexão eu a fiz quando ainda vice-prefeito do Recife, em dezembro de 2005, e figura na coletânea de crônicas minhas “Como o lírio que brotou no telhado” (Editora Anita Garibaldi, 2006). Permito-me reproduzi-la aqui nesta manhã de segunda-feira pós-eleições, de alegria e muita canseira.
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O hábito de tratar das coisas da vida ao receber as pessoas no gabinete, mesmo quando o motivo da audiência é algo trivial como a queixa pelo atraso de alguma obra ou o pedido de esclarecimento sobre um pequeno problema administrativo.
Mas às vezes fica certa frustração. Teria encurtado em demasia aquela conversa a ponto de frustrar o visitante? Por que interrompemos aquele diálogo tão interessante, misto de poesia e vida real, concreta – plena de possibilidades e ao mesmo tempo às voltas com obstáculos e incompreensões ou desencontros apenas suspeitados?
Em meio à reflexão, um tanto amena, um tanto ansiosa, a leitura desses versos de Cora Coralina:
Não sei...
se a vida é curta ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo,
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela não seja nem curta,
nem longa demais, mas que seja intensa,
verdadeira, pura ... enquanto durar.
“Basta ser”? Basta o quê? Talvez ainda precise percorrer alguns bons quilômetros nessa peleja diária em busca do melhor modo de sobreviver à rotina estafante sem perder a capacidade de perceber o que se passa em volta e de praticar a solidariedade nas suas nuances mais sutis e ao mesmo tempo mais eficazes, porque livres daquele constrangimento natural entre pessoas, homens e mulheres, que se conhecem apenas superficialmente e, no entanto, assim mesmo se aconselham.
Novamente os versos de Cora Coralina e a pergunta inquietante: como, nessas circunstâncias, ser o colo que acolhe, o braço que envolve, a palavra que conforta, o silêncio que respeita, a alegria que contagia, a lágrima que corre, o olhar que acaricia?
Olhos semicerrados, leve sorriso nos lábios e a certeza de que, entre uma audiência e uma reunião de trabalho, ou um ato oficial, é sempre possível enriquecer a condição humana apesar das pesadas tarefas do cotidiano, mercê da junção da arte de viver com o bom modo de governar.
Um comentário:
Só não digo que está é a minha predileta, porque neste mar de encantos que é "Como o lírio que brotou no telhado", outras tantas me encantaram.
Mas não só as do livro me fascinam, leio outras no blog, nos sites que têm a honra de estampá-las em suas páginas - porque claro, a honra é deles.
Já disse isso, e repito: Te admiro como ser humano, por cada gesto e palavra, pela forma que a tua família te olha - com tanto apreço que até nos passa a ideia de que mesmo com todos estes anos de convivência familiar, mesmo tendo sido revelados pela intimidade os defeitos, as tuas virtudes os superam fortemente. Admiro também como poeta, porque poeta é aquele que consegue através das palavras chegar ao coração das pessoas, e você, querido Luciano, sempre chega aos nossos corações, e o melhor, deixando sempre bons sentimentos.
O admiro como político, pela trajetória de luta, por acreditar na força do povo e buscar melhorias para este mesmo povo que apesar de forte, é sofrido. Obrigada por ter ido aos 11 anos àquele protesto pela diminuição das passagens de ônibus, obrigada por ter se descoberto, e principalmente por ter se descoberto para nós, para nos ajudar, para nos mostrar o quanto somos fortes e necessários.
Infinitos agradecimentos ao poeta, líder, ser humano e principalmente amigo, Luciano Siqueira.
Forte abraço,
Débora Andrade.
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