12 julho 2014

Uma crônica para descontrair

O respeito e a timidez

Luciano Siqueira

Rubem Braga frequentava um café em São Paulo, no início dos anos quarenta, onde observava, posto num canto, a vender passagens de ônibus interurbanos, nada menos que o grande Artur Friedenreich, um dos maiores artilheiros do São Paulo e da seleção brasileira. Tinha vontade de lhe dirigir a palavra, mas jamais teve a coragem. Por respeito – registra numa de suas crônicas. Seria como quebrar o encanto de uma admiração que nutrira por aquele homem, ao longo de mais de uma década, e vê-lo naquela situação, relegado a um ofício outrora inaceitável para um ídolo do futebol.
Não só por respeito, mas principalmente por timidez, o autor dessas linhas viveu situações semelhantes.
No início dos anos sessenta, ainda adolescente, portador de uma mensagem do tio e meio-pai Paulo Rosas ao sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre, foi recebido na sala de visitas da casa-grande do engenho Apipucos (sede da atual Fundação Gilberto Freyre), ele em animada conversa com o poeta Renato Carneiro Campos. Feita a entrega, um resmungo de agradecimento como resposta e o coração acelerado pela oportunidade jamais imaginada de estar frente a frente com o autor de Casa Grande & Senzala.
Faltou coragem para perguntar algo, ensaiar uma observação qualquer.
Cena semelhante se repetiria alguns anos após, no Instituto de Ciências do Homem (hoje Centro de Filosofia e Ciências Humanas) da Universidade Federal de Pernambuco.
Nutria admiração quase reverencial pelo diretor, professor José Antônio Gonsalves de Mello Neto, autor de Tempo dos Flamengos e outros estudos igualmente marcantes sobre o período holandês em Pernambuco. Diante daquele homem sóbrio, invariavelmente solene no seu terno branco de linho diagonal e porte aristocrático, nada mais do que “um bom dia”. Como abordá-lo, tão distante e inacessível?

A chance surgiu quando o diretor flagrou no livro de ponto a assinatura de todos os funcionários administrativos antecipadas numa segunda feira como se houvessem trabalhado até a sexta. Menos a do jovem datilógrafo, chamado à sala do diretor.
- Por que o senhor não assinou o livro de ponto antecipadamente, como seus colegas?
- Porque hoje ainda é segunda feira, professor.
- Não o convidaram a assinar?
- Não, professor, ninguém me convidou.
- Pode ir, então.
Leitor precoce de obras clássicas, apaixonado pela História, muito teria a perguntar – tanto a Freyre como a Gonsalves de Mello. Maldita inibição!
Foram-se as oportunidades, ficou a timidez – que persiste até hoje, incurável. Um traço de personalidade só atenuado pela militância política, pois o dever falar e de agir em favor de uma causa impele a arrostar toda sorte de obstáculos. Inclusive a timidez pessoal. (Publicado no Vermelho e no meu livro O Vermelho é Verde-Amarelo).


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