24 julho 2014

Um gigante da nossa cultura


Ariano Suassuna, Guerreiro do Sol

Luciano Siqueira

Ariano Vilar Suassuna – teatrólogo, romancista, poeta, pintor, gravador, desenhista, professor – completou 80 anos a 16 de junho passado, “bem disposto, bem-humorado e animoso”, homenageado por gente e instituições de diversos lugares, sempre saudado como clássico da cultura brasileira.

Irreverente, tem dito que se soubesse que fazer 80 anos dava tanto trabalho teria ficado nos 79. O fato é que suas oito décadas de vida têm sido marcadas, ao um só tempo, pela tragédia familiar (teve o pai, ex-governador, deputado federal e advogado João Suassuna, assassinado no Rio de Janeiro em 1930) e pela construção de uma obra multifacética e coerente que funde o barroco medieval ibérico com expressões populares nordestinas. 

Autor de 14 peças teatrais (8 ainda não publicadas), 5 romances e 2 ensaios, membro das Academias Brasileira e Pernambucana de Letras, tem obras traduzidas em inglês, francês, espanhol, alemão, holandês, italiano e polonês.

É um fazedor de fusões e de reinvenções. De clássicos como Cervantes e Gogol, Euclides da Cunha e Gregório de Matos, bebe influências que mescla com a sonoridade de cantadores de desafios, aboios e cantorias e de tocadores de pífanos e rabecas e com o cheiro do barro e o calor inclemente da terra árida de Taperoá, sertão paraibano, onde viveu a infância e para onde retorna com freqüência para mergulhar na releitura da própria obra.

No romance e no teatro, assim como nas suas iluminuras (onde formas artesanais e emblemáticas são dispostas simetricamente através de cuidadosa diagramação), e nos versos de uma poética mágica e exata, realiza uma releitura erudita da cultura que brota do povo.

O Movimento Armorial, que fundou em 1970, é tudo isso em muitas linguagens - música, dança, tapeçaria, pintura, teatro, poesia, literatura, artes plásticas - e, segundo costuma afirmar, “uma tomada de posição em favor da cultura brasileira”.

Algo de base conceitual sólida que aglutinou criadores extraordinários como multiartista Antonio Carlos Nóbrega, o músico Zoca Madureira, o gravador Gilvan Samico, o pintor Romero Andrade Lima, o romancista Raimundo Carrero, dentre outros.

Taperoá, Recife

Filho do ex-governador João Suassuna (1924-1928), nasceu na então Cidade da Paraíba (Parahyba em ortografia arcaica), hoje João Pessoa, e viveu a infância no Sítio Acauhan, em Taperoá, no Cariri paraibano. Entre 1933 e 1937, em Taperoá, iniciou os estudos, e experimentou o seu primeiro alumbramento (como diria Manuel Bandeira) pela criatividade improvisada de uma peça de mamulengos e um desafio de viola, que viriam a marcar sua produção teatral e a verve característica dos seus muitos personagens.

Nesse período valeu-se da biblioteca que o pai deixara para se iniciar em leituras que, segundo diz, o influenciariam fortemente. As obras completas de Monteiro Lobato. Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas. De Dumas diz estar relendo pela milésima vez O Conde de Montecristo, que considera uma obra-prima da literatura universal.

De 1942 em diante passou a viver no Recife, para estudar, tendo concluído o curso de Direito em 1950 e o de Filosofia em 1960.

Em 1945 teve publicado no Jornal do Commercio o seu poema Noturno (São turvos sonhos,/Mágoas proibidas,/são Ouropéis antigos e fantasmas/que, nesse Mundo vivo e mais ardente/consumam tudo o que desejo Aqui.), prenúncio do que César Leal, crítico literárioe poeta, mais tarde caracterizaria, no ensaio Fontes clássicas e populares das Odes de Ariano Suassuna, como domínio do tema e da técnica, presente também em toda a sua obra teatral, como no clássico Auto da Compadecida.

Armorial: ibérico e sertanejo

A complexidade conceitual contida no Movimento Armorial se expressa através de múltiplas linguagens, indo além do texto literário, assumindo identidade visual – em traços e cores fortes e originais.

Num álbum publicado em 2003 pela Companhia Energética de Pernambuco (CELPE), o estudioso da obra de Ariano, Carlos Newton, assinala que as iluminogravuras sintetizam a técnica da iluminura medieval com os atuais procedimentos de impressão em off-set sobre o papel. O resultado é um misto de figuras mitológicas e animais e personagens que povoam o imaginário nordestino, ibérico e medieval, numa exuberância de cores vivas em que pontificam o amarelo-ouro, o marrom, o ocre, o preto e o vermelho.
Carlos Newton sublinha que a iluminugravura “é também um texto ilustrado... A ilustração de cada uma delas associa episódios descritos no respectivo poema a motivos da cultura brasileira, recolhidos tanto em nossa arte popular quanto em nossa arte pré-histórica, a partir das itaquatiaras do Sertão nordestino”.
É como se o texto se enfraquecesse sem a ilustração, e esta perdesse o sentido sem o apoio do texto.
Essa fusão entre o real e o imaginário, produzindo um todo complexo e coerente, se completa com a convivência, ora conflitante, ora harmoniosa, entre a tragédia e a comédia presente nos seus muitos personagens – seja o misterioso e alegórico Dom Pedro Dinis Quaderna, seja os burlescos e surpreendentes Chicó, João Grilo, Gaspar, Caroba, Cancão, Euricão, Cheiroso, Benedito – gente que surge do Cariri árido para, através de diálogos de instigante simplicidade, revelar uma profética visão de mundo.

Arte e política

Embora não negue que sua arte tem, tanto quanto conteúdo e forma revolucionários, um sentido político explícito e um fio condutor que é a afirmação dos nossos valores nacionais, resiste à chamada arte engajada. Talvez por isso exagere na crítica a Brecht por fazer, segundo ele, um teatro “excessivamente reflexivo”.

Preciosismo? Pode ser. Pois como cidadão Ariano não tem se eximido de externar publicamente suas opiniões, participando ativamente de campanhas eleitorais de Miguel Arraes e Lula, sendo inclusive figura de destaque no último pleito, ao lado do atual governador Eduardo Campos, do PSB.

Em recente entrevista ao Jornal do Commercio, do Recife, declarou-se aliado dos comunistas: “Numa reunião importantíssima que realizaram disseram que estão procurando um socialismo brasileiro. Deixaram de olhar pra fora, aí pela primeira vez tive condições de me aliar mesmo, apareci no guia do Partido Comunista do Brasil, até disseram que era uma contradição da minha parte. O que eu disse lá está perfeitamente coerente com o que eu dizia: se eu fosse marxista, pertenceria ao Partido Comunista do Brasil, nosso aliado na luta contra o governo antinacional e antipopular de Fernando Henrique Cardoso.”
*Artigo publicado no jornal A Classe Operária, em julho de 2007, a propósito do 80º. aniversário de Ariano Suassuna.

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