19 junho 2017

Tentáculos norte-americanos

JBS e a globalização da Justiça americana

Joaquim Falcão, na Folha de S. Paulo

 

Para entender a delação premiada da JBS é necessário compreender o que se passou ou ainda se passa entre a companhia e as autoridades dos Estados Unidos.
Sendo a JBS um grupo global, com cerca de 56 empresas nos Estados Unidos, dificilmente haveria delação premiada aqui sem prévio ou potencial acordo lá, com as autoridades americanas.
O cenário maior a ser considerado é que a globalização econômica tem sido acompanhada por uma globalização judicial. Ou seja, há expansão unilateral das leis e da judicialização americana. Juízes e autoridades passam a ser globais.
Quem confere a eles esse poder é a cooperação internacional entre autoridades e a múltipla legislação: Anti-Corruption Act, Anti-Terrorism Act e tantas outras.
Através desta judicialização, autoridades americanas interferiram na Suíça, via Fifa. Na Argentina, via fundos abutres. No Brasil, via Embraer, que pagou, lá, mais de US$ 200 milhões por corrupção praticada na República Dominicana, em Moçambique e na Arábia Saudita.
Braskem e Odebrecht também concordaram em pagar multas ao governo americano. A Petrobras, seus conselheiros e diretores, deverão fazê-lo no momento adequado.
Para que tal jurisdição ocorra, basta que se tenha conta bancária nos Estados Unidos. A JBS tem. Basta que se tenha empresas nos Estados Unidos. A JBS tem. Basta que se tenha estado presente no mercado de valores mobiliários. A JBS tem estado. Ou apenas ter transacionado em dólar em qualquer país no mundo. A JBS fez isso.
Não é por menos, inclusive, que os irmãos Batista, donos da JBS, escolheram um escritório de advocacia, Baker e Mckenzie, de lá. E, de lá, gerem a negociação aqui no Brasil.
Não é razoável esperar que se desconheça, lá, a corrupção sistêmica daqui, que até as tribos da Amazônia conhecem, como bem ressaltou o ministro do TSE Herman Benjamin. E que se desconheça o amplo envolvimento da JBS.
O ponto crucial é o desejo, necessidade mesmo, de os irmãos Batista pretenderem morar nos Estados Unidos, com visto permanente de residentes. Logo depois da denúncia do procurador-geral da república, Rodrigo Janot, a família embarcou para lá. Antes, familiares, irmãos e sobrinhos, inclusive moradores de Goiânia, já tinham ido.
Deve ter havido, ou estar ainda em andamento, negociação com o governo americano para concretizar essa pretensão. Provavelmente pelas pessoas físicas, os sócios.
No sistema legal dos Estados Unidos, são múltiplas as maneiras de conseguir vistos ou algum tipo de benefício em situações dessa natureza.
A delação premiada precisa ser reconhecida por um juiz, mas pode se manter secreta se as partes concordarem. Dificilmente saberemos. Informações estratégicas.
O DPA, que pode ser traduzido como a Suspensão Condicional do Inquérito, permite multa, confissão, delação e provas contra terceiros. O investigado não é fichado como criminoso e obriga-se a delações futuras e a não reincidir no crime. Não há também publicidade.
Direta ou indiretamente, parece inevitável, o maior grupo empresarial do mundo em proteína animal, através de seus controladores ou de suas empresas, deve estar agora sob controle da expansionista jurisdição americana.
Seria esse o destino dos campeões nacionais? Ao se tornarem campeões globais, transmudam-se em campeões americanos?
Há muito ainda o que revelar. Aqui e lá.
JOAQUIM FALCÃO, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA) e doutor em educação pela Universidade de Genebra, é professor da Escola de Direito do Rio da Fundação Getulio Vargas
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