Superficialidade da imprensa na análise do acordo coreano
José Carlos Assis*
A suprema imbecilidade da imprensa internacional em relação
ao acordo entre as duas Coréias - com destaque para a imprensa brasileira e, em
especial, a imprensa televisiva -, se revela no mantra recorrente de que os
líderes coreanos do norte são inconfiáveis. Em outras palavras, o acordo não é
muito relevante porque por Kim Jong-un ou seus antecessores já descumpriram
promessas de paz outras vezes. Com isso estaríamos assistindo a uma palhaçada
internacional sem valor objetivo.
Há um estúpido desconhecimento, nesse jogo, das
circunstâncias atuais e das próprias condições coreanas internas. Inicialmente,
trata-se de um desconhecimento da parte norte-americana, que faz um jogo tão
decisivo quanto o de sua contraparte. Creio que, no Brasil, tenho sido dos
poucos comentaristas que vêem um lado positivo em Donald Trump no campo
internacional. É um homem de negócios, não um geopolítico. Isso, na campanha
eleitoral, o distinguiu radicalmente de Hillary Clinton, senhora da guerra,
inclusive do assassinato de Kadafi no contexto da chamada Primavera Árabe, ou
da matança árabe.
O assassinato de Kadafi, e a derrubada de outros governantes
árabes, inclusive do Egito, na chamada Primavera, alertou os coreanos sobre o
que os esperava caso afrouxassem as cordas nas relações com Washington. Como
consequência aceleraram seu projeto nuclear. A estratégia oficial que
prevalecia nos Estados Unidos era de "regime change", ou seja, de
mudança de regime dos países adversários conduzida por Barak Obama. A resposta
de Trump, contra os geopolíticos belicistas, ainda na campanha, era a de
respeitar as escolhas políticas dos países. Isso foi consagrado na nova
estratégia dos EUA anunciada há alguns meses.
Creio que o ataque à Síria, sob pretexto de que esta última
bombardeou uma cidade de rebeldes com armas químicas, foi um gesto puramente
simbólico de Trump. Na verdade, ele pretende apenas fazer o que um oficial
havia recomendado para o fim da guerra do Vietnã no início dos anos 70:
Declarar vitória e pular fora. Se a situação no Oriente Médio não fosse tão
complexa, com tantos interesses envolvidos, países, curdos e terroristas, o
presidente norte-americano já teria pulado fora, pois sabe que não tem como
vencer a guerra.
Para saber o que quer Kim Jong-um, é preciso saber o que
quer Trump. No meu entender, ele quer simplesmente fazer negócios, beneficiar o
capital americano. Diante do status já consagrado da Rússia e da China no plano
do poder internacional, não há muito o que fazer em geopolítica. E sua contraparte
coreana, pensando no legado da família, provavelmente pensa em desenvolvimento
e bem estar de sua população.
Claro, para chegar ao desenvolvimento é preciso despertar o
interesse americano num acordo que vai alem da questão militar, embora com
algum conteúdo geopolítico residual.
Na verdade, a Coréia do Norte é a grande oportunidade de
mobilização de mão de obra disciplinada e abundante para exploração do capital
no mundo atual. Um empresário como Trump sabe que não se pode deixar a Coréia
em mãos exclusivas da China. O país dito miserável tem um tremendo
desenvolvimento em informática capaz de invadir sistemas virtuais no mundo
todo. Em pequena escala, a Coréia pode ser a China das próximas décadas,
oferecendo ao apetite do grande capital internacional, sobretudo
norte-americano, uma alta temporária na taxa média de lucro que atenderia seus
interesses econômicos.
Não há acordo entre duas partes se elas não têm interesses
próprios a serem atendidos. É uma grande tolice achar que a Coréia do Norte vai
abrir mão de seus arsenais atômicos de graça. Também é tolice imaginar que
Trump fará um acordo que não passe pelo total desarmamento de mísseis de longo
alcance da Coréia. Um acordo paralelo poderá ser feito com o Japão nas mesmas
bases. Mas a Coréia tem que ser compensada no campo econômico por suas
concessões geopolíticas. Enfim, vejo com perspectivas bastante favoráveis o
desenvolvimento dessas negociações, ao contrário da grande mídia superficial.
*Economista, doutor em
Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da
UEPB
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