28 setembro 2019

Sem rumo em mar revolto


O diagnóstico da Unctad para a asfixia do Brasil
Editorial do Vermelho

A Agência para o Comércio e o Desenvolvimento da ONU (Unctad) avalia que a economia global passará por tempos turbulentos, com “risco claro” de recessão em 2020. No “Relatório Sobre Comércio e Desenvolvimento 2019”, a agência defende expansão fiscal e “acordo ecológico mundial” para impulsionar o investimento público, evitar uma catástrofe ambiental e fomentar o crescimento puxado pelos salários, em vez de expansão apoiada no setor financeiro.

A Unctad vai na contramão da cartilha adotada pelo governo Bolsonaro na economia brasileira. A agência pede que o Brasil retome investimentos, destacando que o governo federal investiu 0,4% do PIB em 2018, o menor em 10 anos. E aponta que a razão da longa fragilidade da economia é o baixo nível de formação de capital fixo público, resultado de “conservadorismo fiscal, refletido na nova regra de teto dos gastos”.

O diagnóstico não é novidade. Em um recente artigo, Nouriel Roubini traçou um cenário sombrio para o futuro da economia global. A base dessa ideia, embora não explícita, é que o capital majoritariamente tem tomado o caminho do circuito do rentismo, sem passar pela produção. A consequência dessa opção que ignora os investimentos é o enfraquecimento da dinâmica emprego-consumo. Com ela vem o desemprego, a estagnação e a recessão.

É exatamente essa a receita do ministro da Economia, Paulo Guedes. O sintoma mais visível é a eliminação de postos de trabalho e a precarização do vínculo empregatício. Ao adotar uma política macroeconômica ultra ortodoxa, combinada com o enfraquecimento dos sindicatos para reduzir os salários e liquidar direitos sociais, o governo definiu bem o seu rumo – a completa ausência de uma política de geração e distribuição de renda.

Pelo menos desde os anos 1930, desde os tempos de Keynes, Roosevelt ou, no caso do Brasil, Getúlio Vargas, sabe-se que os governos têm uma influência muito grande na determinação do nível de emprego. Não é possível fazer política de geração de postos de trabalho nesse quadro macroeconômico adverso, porque ele é essencialmente contracionista, um caminho sem saída. No Brasil do bolsonarismo, é possível notar uma frustração crescente com a persistência do desemprego elevado, dos salários extremamente baixos e com a inação do governo.

Com essa política que privilegia a estabilidade monetária às custas de uma escandalosa desestabilização dos instrumentos de geração e distribuição de renda, o crescimento a médio e longo prazos está comprometido. Ela põe os parâmetros da economia nas mãos dos mercados financeiros internacionais, que têm uma alta tendência à instabilidade e à imprevisibilidade. Não favorece o investimento e o crescimento. O país está completamente imerso nos fluxos internacionais de capitais especulativos e deixou a política econômica ser determinada pelos "investidores".

Num cenário mundial como esse descrito pela Unctad, o governo teria de entrar em ação para promover o crescimento da economia, agindo para favorecer a criação de empregos de qualidade, incentivar as pequenas e médias empresas, que são as que geram mais vagas. Teria de haver uma virada na política econômica para um crescimento mais autocentrado da economia brasileira, o que é perfeitamente possível. O país precisa, sim, de uma inflexão bastante firme, contínua, da política macroeconômica, acionando os mecanismo do Estado para lhe dar sustentação.

Os resultado deste governo mostram que já chegou a hora de o Brasil enfrentar a raiz desse problema. É inadmissível que essa ortodoxia financeira prossiga no poder, impedindo a urgente mudança de rumo na macroeconomia. Todos os sinais apontam para a exaustão da imensa maioria de brasileiros diante de uma economia asfixiada por um prolongado e autoritário controle monetário, que continua gerando vulnerabilidade externa e mazelas sociais. Virar esse jogo é uma tarefa monumental, um passo que depende, basicamente, da reunião do máximo de forças patrióticas e democráticas.
[Ilustração: LS]
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